sábado, 8 de outubro de 2011

O Artista, por Carlos Antunes


Título original: The Artist
Realização: Michel Hazanavicius
Argumento: Michel Hazanavicius
Elenco: Jean Dujardin, Bérénice Bejo e John Goodman

Há que confiar nos franceses para fazerem um filme a celebrar a época de ouro de Hollywood no estilo dos próprios filmes da década de 1920 e, com isso, conquistarem um público que tem à sua disposição um cinema com direito a já muito mais do que o som e a cor que este viria a ganhar.
A homenagem apaixonada nota-se na reconstrução com tiques de superação dos modelos visuais da época.
Planos como o da escadaria ou do restaurante são herança directa dos filmes feitos na época que o filme cita. No primeiro a quadrícula torna-se a demonstração de toda a vida que enche os bastidores da produção de filmes e no segundo o falso split screen define no mesmo momento as contrariedades e as proximidades entre os dois actores centrais.
Como depois, lá para o final, se reconhece a genealogia de Billy Wilder e Orson Welles nos momentos em que o filme encara o dramatismo pessoal de George Valentin.
No fundo é um filme em que cada um verá um conjunto diversificado de referências do cinema que conhece e gosta, de uma época tão rica que não vale a pena reduzi-la a uma mera mão cheia de referências.
O contrário do que disse para a imagética do filme aplica-se ao argumento. A história não é mais do que um romance muito simples que, não fosse o seu contexto, seria desdenhada pelas suas limitações.
Apesar de haver um uso do confronto entre o alcance artístico do cinema mudo e o alcance comercial dos talkies, não passa para lá de ser o cenário em que duas estrelas enamoradas estão em confronto antes de terminarem juntas (como em todas as comédias românticas, pois claro), uma na decadência de quem se recusa a aceitar a chegada da modernidade e outra ascendendo pelo desprezo completo das velhas convenções. Não tem o valor histórico que se vê em Singin' in the Rain, uma perspectiva realista do que aconteceu ao cinema naquele período de transição como personagem animada da própria história.
Trata-se de um argumento com enorme carinho para com os seus temas, mas sem verdadeiro arrojo. Não que isso impeça que o argumento seja dos mais perspicazes no domínio das suas emoções e ritmos, sobretudo na sempre difícil boa comédia e na forma como esta virá a temperar tudo até ao final.
Entende-se, no entanto, que esse argumento simplista - como os créditos iniciais muito discretos e directos - acabe por servir para melhor mergulhar o espectador na crença de que está a ver um cinema que não é uma reconstituição formal mas uma descoberta feita muitas décadas depois.
Um argumento que na sua linha clara dá, também, mais espaço a Jean Dujardin para mostrar uma composição deliciosa.
Ele recombina o que já vimos da sua plasticidade em Agente 117 (infelizmente com apenas a sua primeira aventura estreada por cá) e Lucky Luke com uma seriedade que dá credibilidade à hipótese de haver diversas histórias como aquela para descobrir.
A sua reprodução caricatural e exagerada dos maneirismos das estrelas da época não os desmerece mas torna-os parte de uma composição recordaremos ainda muito tempo.
A par dele é inevitável destacar a força da música - que assume mais importância do que em muitos casos do cinema citado - mas expressa tanto quanto os movimentos acentuados dos actores, e que sabe até mesmo usar o silêncio com a mesma sabedoria do próprio som. A presença de Ludovic Bource em Lisboa acabou por reconhecer essa importância, até porque como ele disse não é comum serem os autores da banda sonora a apresentar um filme ao público.
Seja pela música, por Jean Dujardin ou por outro motivo que cada cinéfilo encontrará por si mesmo, a paixão com o filme repetir-se-á a cada projecção, pois é paixão que ele filma e é por paixão que ele filma num estilo que já não se usa.

 


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