sexta-feira, 9 de março de 2012

Florbela, por Carlos Antunes


Título original: Florbela
Realização: Vicente Alves do Ó
Argumento: Vicente Alves do Ó
Elenco:  Dalila Carmo, Ivo Canelas e Albano Jerónimo

Esta não é a Florbela dos livros, é uma Florbela para lá deles. Os seus versos até se fazem sentir no filme mas é da sua vida que Vicente Alves do Ó faz matéria moldável.
Essa é a bravata do realizador, atirar-se aos traços revolucionários da mulher e não à recriação de uma vida interna moldada a versos que pertencem à leitura privada de cada um.
Ela é uma mulher rompendo as convenções do seu tempo e vivendo intensamente (e caoticamente) paixões com as quais rompe sem justificação ou remorso.
A rápida vertigem dos seus estados de alma antagónicos é surpreendente e, por vezes, tenebrosa. Fonte propícia ao melodrama que insinua rumores e ficções que levam Florbela Espanca da mulher cruel de impenetrável à libertina subitamente arrependida.
Em nenhum momento tal será feito com mais eloquência do que a abrir o filme, numa cena que serve ao genérico mas cujo teor é o mais intrigante para a personagem que o realizador está a (re)criar.
A cena parece feita apenas do prazer de Florbela para não deixar dúvidas que ela é mulher no filme e não apenas uma figura pura sentada a escrever versos. Mas a longa representação do prazer interrompe-se com um grito dela enquanto o marido a arrasta de volta ao quarto.
Ficam as dúvidas do que sente, de facto, esta mulher que ao fugir do agressor é acusada de ser a mais egoísta que Vila Viçosa conheceu.
O melodrama anda perto de adensar tal cariz duvidoso, mas apenas à conta do trabalho de Ivo Canelas que investe as suas cenas a solo de uma evidência silenciosa e as suas cenas com Dalila do Carmo de uma urgência discreta.
A interpretação da actriz é igualmente merecedora de elogios, mas a sua Florbela é uma anti-heroína sobreexposta num argumento que é o mais fraco dos elementos envolvidos no filme.
Vicente Alves do Ó investe na recriação plástica (quase) irrepreensível do melodrama mas não consegue evitar que o seu argumento descuide a maioria das personagens que estão em redor de Florbela - mais severo com o marido interpretado por Albano Jerónimo - fazendo com que ela própria se torne numa figuração da mulher que o autor esperava mostrar.
As evidências dessa transformação em figura insubstancial de ficção tornam-se gritantes quando o realizador recorre ao que parecia determinado em evitar, a filmagem dos delírios poéticos - a neve - e as metáforas pessoais - a pantera - em cenas tão falsas que estão já completamente purgadas de vida.
Como sem vida está tanto do realismo do filme que tem de recorrer a expedientes absurdos para fazer palpitar o cenário.
Escrevo isto e penso de imediato na cena entre Apeles e Mário em que estes dialogam sobre como se convive com o feitio de Florbela e que é interrompida pela perseguição de um homem a uma jovem nua. Mário olha a cena e ri-se como um tolo antes que, de chofre, volte a ficar compenetrado no que diz Apeles. Tanta composição para fingir uma verdade que se revela o ridículo da falsidade.
São, no entanto, os diálogos que custam mais a quem vê o filme. Nada contra que Florbela não fale como se declamasse a própria poesia, mas as interacções das personagens soariam mal no quotidiano e muito mais soam na ficção. Confrangedores é a única forma justa de os adjectivar.
Num filme sobre uma poetisa apresto-me a dizer que poderá ser esse o seu maior crime que não se redime nem por ver que o biopic procurou com esse desfasamento linguístico evitar caminhos evidentes para o género.
Esta não é, repito, a Florbela dos livros. E ainda bem pois precisamos de ter um poiso onde voltar e onde voltar a apreciá-la condignamente

 

1 comentário:

  1. "Florbela": 2*

    "Florbela" tinha tudo para ser um filme esplêndido, mas foi apenas razoável.

    Cumprimentos, Frederico Daniel.

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