segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O Legado de Bourne, por Carlos Antunes


Título original: The Bourne Legacy
RealizaçãoTony Gilroy
Não tenho apreço pela saga Bourne que se foi convertendo da história original de uma personagem em busca das memórias que lhe foram sonegadas numa intriga esticadíssima na medida inversa da sua verdadeira complexidade.
Uma transformação alimentada sempre a doses de acção. É a violência a resposta - fácil! - à teia de relações criadas.
Por isso a mudança de personagem num filme que continua a ostentar o nome do personagem original não é mais do que a prova cabal de que esta é uma série de filmes que não depende das suas personagens mas apenas do seu alcance visual.
Facto mais curioso é que as mudanças - porque são de facto várias as mudanças, algumas delas estruturais - tornaram este no filme mais interessante do conjunto - a par do primeiro, o que pode querer dizer que na origem das personagens, por mais ténua que seja, há ainda uma fundamento dramático.
Numa série que alguns foram elogiando pela sua aproximação ao realismo, a escolha de um cenário de ressonância política que nos últimos anos tem vindo a lume repetidamente, os limites das experiências conduzidas com vista à criação de um "super soldado", acaba por ser um risco pela especulação que envolve.
Não haja dúvidas que essa especulação acaba por influenciar o estilo do filme, na cena fabril pelo menos, mas se há algo que subtrai a esse elemento o seu desvario é a presença de Jeremy Renner como protagonista.
Bem menos carismático do que Matt Damon nos tempos mais recentes da saga, Renner compensa com um estilo sóbrio e uma presença discreta enquanto protagonista.
Com ele segue Rachel Weisz, talvez a interpretação em que mais investimento houve - com a devida réplica de Edward Norton - e que acaba por contribuir para uma interacção dinâmica em que a resposta feminina tem importância em vez de se limitar a servir de rebate às intenções do papel masculino dominante.
Nota-se que Tony Gilroy está a investir em criar uma história onde a dupla tem igual preponderância, numa viragem que fazia falta à série. Basta notar que a cena de acção final, uma perseguição de motos, é resolvida pela personagem de Rachel Weisz que acaba por salvar o protagonista com o devido pragmatismo feminino.
Infelizmente, essa preparação de uma história para continuar por (pelo menos) outro filme leva a que O Legado de Bourne não satisfaça mais e se sustente como filme independente.
Se estas são as principais mudanças, aquilo que não mudou, para satisfação dos fãs mais empedernidos, foi o ritmo das cenas de acção, visto que não houve troca do responsável pelas coreografia e a captação dessas sequências.
Mesmo assim, a origem de argumentista de Tony Gilroy conseguiu levar a que, como realizador, se impusesse e abrandasse um pouco o ritmo das mesmas para servir a composição dos seus actores. Raramente são estas as cenas ideais para tal, mas ao menos o esforço nesse sentido é coordenado.
As melhorias consideráveis ajudam a disfarçar o que é uma mera introdução mas que beneficia da sensação - veremos se é uma promessa vã - de que o filme está pensado na relação com os seguintes, sequelas que não se espera que encaixem à força neste filme.
Isso não torna imediato o que é a grande revelação do filme. Aquela que foi a saga que levou à reinvenção de James Bond mostra que quer ser tal e qual essa outra.
Com alguns processos diferentes - o protagonista muda mas não herda o nome da personagem, por exemplo - mas com aquela mesma vontade de se encher do exotismo das mais diversas paragens. Ou de criar uma linha de protagonistas que se encaixem na memória popular como símbolos de uma linha contínua.
A cena que acompanha o genérico parece dar conta disso, num estilo em que costumávamos ver Bond e que não não associamos Bourne/Cross: a feliz partida em direcção ao horizonte com a rapariga a seu lado - não descartável, neste caso, e ainda bem.
Para que se equiparem falta a Bourne convencer-se que o essencial é a personagem que se esboça e não a conspiração mirabolante em que a personagem é um peão.
Até lá a antiga solução da tradução portuguesa fazia mais sentido, retirando do título o nome da personagem central que definia menos os filmes do que a imagem geral que eles transmitiam e que passa sem dificuldades para mãos alheias.


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