quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O desastre e o fim do mundo no cinema e televisão


Desde cedo que o ser humano se preocupou com o fim. Viesse ele através de uma doença, acidente, simples velhice ou um desastre natural, a humanidade pareceu desenvolver uma obsessão com o tema, visível em profecias de civilizações antigas (Maias inclusive, que supostamente teriam previsto o fim do mundo já neste dia 21 de Dezembro de 2012), em gravuras, em peças de arte, na literatura e também no cinema. Até os relatos bíblicos fazem inúmeras referências ao tema (é daí que vem a nossa obsessão?): desde o Dilúvio, passando pela destruição de Sodoma e Gomorra, ao grande Apocalipse final.


Aliás, essa obsessão é tão frequente que o tema da catástrofe no cinema é já bastante antigo, sendo que um dos primeiros casos surge na curta-metragem muda Fire! (1901) que, em menos de cinco minutos, retrata uma casa em chamas e um bombeiro que tenta salvar os seus habitantes das chamas. Nada com uma escala global, portanto, mas os primórdios do subgénero disaster movie, poderão ser encontrados aqui e posteriormente em outros casos como Night and Ice (1912) e Atlantis (1913), os primeiros filmes sobre o desastre do Titanic, sendo o primeiro assumido e segundo, apenas semelhante. Ou logo em 1928, com Noah's Ark, a adaptação cinematográfica da histórica bíblica de um dilúvio de proporções globais, com poucos sobreviventes entre seres humanos e animais. Em 1933, dois grandes filmes abordavam o mesmo tema: Deluge sobre um tsunami que devastava a cidade de Nova Iorque e King Kong, um gorila que fazia basicamente o mesmo, também no mesmo local. 

O desastre no cinema vem em vários formatos e cada um deles pode ser mais ou menos global, aplicando-se por vezes apenas a uma pequena região ou cidade, a um continente ou por vezes por todo o mundo. E a desgraça surge também de diferentes formas: o desastre natural (geológico - avalanches, terramotos, distúrbios eléctricos, meteoros, asteróides e cometas, vulcões, cheias e tsunamis, alterações climáticas, incêndios, localizadas na terra ou no espaço), a doença (vírus misteriosos, vírus aparentemente extintos que regressam, no formato epidémico ou pandémico), os monstros (extra-terrestres, gorilas gigantes, dinossauros, animais ou plantas geneticamente modificados ou não), provocados pelo homem (desastres químicos ou nucleares) ou simplesmente desastres relacionados com transportes ou locais (barcos, comboios, aviões, naves, parques de diversões) e uns com um rasto mais apocalíptico que outros. Há ainda o subgénero pós-apocalíptico que, conforme o próprio nome indica, a acção se centra precisamente no período que sucede à grande destruição e que se foca sobretudo na sobrevivência do(s) protagonista(s) em meios hostis.


Na década de 50 e principalmente inspirado pelo fim da Segunda Guerra Mundial, vários filmes utilizaram elementos narrativos que envolviam desastres mundiais, desde When Worlds Collide (1951) (um grupo de sobreviventes de uma Terra condenada a construir um foguetão que os conduzirá até uma nova morada), The War of the Worlds (baseado no livro homónimo de H. G. Wells sobre uma invasão de marcianos na terra) e que depois teve uma sequela realizada por Steven Spielberg e protagonizada por Tom Cruise, que deu ainda a conhecer uma jovem (e estridente) Dakota Fanning ou ainda o monster movie japonês Gojira (1954), onde armas nucleares norte-americanas criam uma besta, semelhante a um dinossauro (conhecido como Godzilla) e que destrói a cidade de Tóquio - o filme recebeu posteriormente dezenas de sequelas e remakes, sendo o mais popular o de 1998 (realizado pelo mestre contemporâneo dos disaster movies, Roland Emmerich e o mais recente, ainda por estrear, com estreia marcada para 2014 (às mãos de Gareth Edwards).

Já nos anos 60, dois ícones influenciaram posteriormente o género: La Jetée, curta-metragem de Chris Marker, ambientado numa Paris pós-Terceira Guerra Mundial; e o início da saga Planet of the Apes (com várias sequelas, remakes e reboots que duram até ao dia de hoje), que começa com uma tripulação humana a chegar a um planeta num futuro distante, onde macacos inteligentes são a espécie dominante e os humanos são oprimidos e escravizados.

Posteriormente nos anos 70, o subgénero ganhou novo fôlego - talvez seja essa a idade de ouro do tema - com a estreia de Airport (1970), que apesar de não se focar exclusivamente num desastre (e este nem era de proporções globais), seguia um gerente de um aeroporto que o tenta manter aberto durante uma tempestade de neve, enquanto um bombista suicida explode um Boeing 707. O filme é conhecido por estabelecer as convenções contemporâneas do subgénero, com um microcosmos melodramático, combinado com uma acção relacionada a uma catástrofe. Foi nomeado a dez Óscares da Academia, incluindo Melhor Filme.

Essa década continuou a explorar o tema com The Andromeda Strain, sobre um grupo de cientistas que investigam um novo e mortífero vírus extraterrestre antes que se propague (realizado por Robert Wise e que já não era inexperiente nesta área - em 1951 realizou The Day the Earth Stood Still, sobre um alien que informa os humanos que eles devem viver em paz ou serão destruídos e que em 2008 recebeu um remake). The Andromeda Strain recebeu duas nomeações ao Óscar (Melhor Direcção Artística e Montagem). No mesmo ano, The Omega Man focava-se também na pandemia - um médico do Exército tenta criar uma cura para uma praga que devastou quase toda a raça humana. No ano seguinte, The Poseidon Adventure detalhava as tentativas de um grupo de pessoas a tentarem escapar de um cruzeiro afundado por um tsunami, com oito nomeações ao Óscar e um especial pelo seu trabalho a nível dos efeitos visuais. George A. Romero, que nos anos 60 criou o conceito da epidemia de zombies com Night of the Living Dead, volta à carga com The Crazies (1973), onde mais um vírus (desta vez feito por humanos) provoca a permanente loucura e morte dos seus infectados, desta vez numa pequena cidade da Pensilvânia. No final da década regressa ao mesmo tema (dos mortos-vivos) com Dawn of the Dead.


Outros dos grandes filmes sobre catástrofes dessa década foram: Earthquake (1974), com um grande sismo a atingir Los Angeles; The Hindenburg (1975), sobre o zeppelin homónimo em chamas; The Cassandra Crossing (1976), onde passageiros de um comboio na Europa eram sujeitos a um vírus mortal; The Swarm (1978) com Michael Caine a lutar contra um exame de abelhas-africanas que matam milhares de pessoas por cidades americanas ou Meteor (1979), sobre um asteróide de 8 km de largura que, após colidir com um cometa, se dirige vertiginosamente contra o planeta Terra. Em 1979, também um fenómeno cinematográfico veio trazer novas visões sobre o género da catástrofe: Mad Max - que teve direito a várias sequelas - ambientava-se num futuro apocalíptico na Austrália, mesmo que a história principal fosse a vingança de um polícia pelo seu parceiro, mulher e filho, às mãos de um gang de motoqueiros. Além das várias sequelas, o recente Bellflower (2011) tinha leves inspirações no mesmo ambiente.

Outra das sagas importantes para o género começou na década seguinte. Em 1984 temos The Terminator (realizado por James Cameron, que experimentou várias vezes o subgénero, sendo o mais popular a sua visão sobre os eventos do Titanic), onde um robô assassino de um futuro pós-apocalíptico viaja no tempo para eliminar uma mulher cujo filho cresceu e liderou a humanidade numa guerra contra as máquinas. A sequência mais recente dessa mesma saga deu-se em 2009 com Terminator Salvation, depois de Skynet ter destruído grande parte da humanidade através de um holocausto nuclear. Esta ideia de humanos contra máquinas a resultarem no fim do mundo como o conhecemos foi também várias vezes explorada: uma das mais icónicas pelas mãos dos irmãos Wachowski, com a saga Matrix (regressaram este ano a um tema semelhante com Cloud Atlas). Antes disso, em 1981, Escape from New York tinha um icónico Kurt Russell como Snake Plissken, a tentar salvar o Presidente dos Estados Unidos num futuro então distante (falamos de 1997), onde Manhattan era uma enorme prisão de segurança máxima.


Os anos 90 foram igualmente prolíferos em filmes-catástrofe. Sendo grande parte deles ou sobre desastres naturais (degelo com Waterworld, tornados com Twister ou vulcões com Dante's Peak e Volcano), epidemias (Outbreak ou Twelve Monkeys), impactos de asteróides ou cometas contra a Terra (Deep Impact ou Armaggedon) ou outros como Daylight ou Virus. É também nessa década que Roland Emmerich se inicia na constante revisitação do género. Apesar de já ter visitado o tema futuro e destruição com Das Arche Noah Prinzip (1984), destaca-se com Moon 44 (num futuro de 2038) para se tornar mundialmente famoso com Independence Day, um sucesso de bilheteira de 1996, com a história clássica da invasão da Terra por aliens. Repetiu-se no género com Godzilla (1998), The Day After Tomorrow (2004), 10,000 BC (2008) e em 2012, este último que retrata o fim do mundo como profetizado pela civilização Maia a 21 de Dezembro. Também nos anos 90, o género começou a ser abordado no cinema europeu: Jean-Pierre Jeunet situou o seu Delicatessen num futuro pós-apocalíptico, com nuances de comédia surrealista.

Os anos 2000 não ficaram também isentes ao género. 28 Days Later... (2002) tinha um misterioso e incurável vírus a espalhar-se pelo Reino Unido (Danny Boyle regressou ao género com Sunshine - 50 anos no futuro, um grupo astronauta tenta "reacender" um sol em falência), filme que teve uma sequela com 28 Weeks Later (2007). Em 2002, a saga Resident Evil regressou ao tema do apocalipse através de uma pandemia de zombies, com sequelas que duram até hoje. Eli Roth aborda um tema semelhante no mesmo ano, mas com impacto local: Cabin Fever. No mesmo ano, M. Night Shyamalan regressa com Signs, com a humanidade ameaçada por aliens. O cineasta revisitou o subgénero com The Happening (2008) - onde a Natureza inicia uma série de eventos catastróficos contra o ser humano - e agora em 2013 num mundo pós-apocalíptico com After Earth.

Em 2003, a única forma de salvar a Humanidade da desgraça quase certa foi cavar um buraco até ao núcleo da Terra, com The Core. Outras catástrofes (naturais, extra-terrestres, vírus, zombies), alguns em mundos pós-apocalíticos, aconteceram com Children of Men (2006), Slither (2006), The Invasion (2007), I Am Legend (2007) ou o início da saga espanhola [REC]. J. J. Abrams explorou também o género nesta década: Cloverfield - um monstro estranho ataca Nova Iorque - e Super 8 - também com um tema muito semelhante, mas passado no final dos anos 70 e numa perspectiva mais dócil e inspirada em Spielberg.


Grande parte deste género de filmes são habitualmente sucessos estrondosos de bilheteira, com orçamentos milionários e com o ser humano a demonstrar mais uma vez a sua obsessão pelo tema e como a destruição do mundo como o conhecemos, afecta também a forma como a sociedade se rege. Filmes do género, com uma visão mais "artística" surgem com Blindness (2008) - adaptação do clássico Ensaio sobre a Cegueira, do Nobel português José Saramago, sobre uma estranha cegueira branca que afecta a Humanidade - Perfect Sense (2011) - gradualmente e no formato de uma pandemia, os humanos começam a perder os cinco sentidos. John Hillcoat visita um mundo pós-apocalítico com The Road em 2009, subgénero presente também em The Book of Eli (2010), Monsters (2010), Hell (2011) - este último produzido por Roland Emmerich.


Ainda recentemente, Abel Ferrara centrava-se no género, mas longe das histerias habituais. Com 4:44 Last Day on Earth, o cineasta preferiu assistir calmamente à reacção de um casal perante o já anunciado e esperado exacto dia do fim do mundo, no centro de Nova Iorque. No mesmo ano, Lars von Trier torna-se multi-premiado (e persona non grata em Cannes) com a sua visão do fim do Mundo em Melancholia ou Steven Soderbergh e a sua visão da gripe A em Contagion. Mas nem comédia escapou ao subgénero: Shaun of the DeadZombieland e Juan de Los Muertos revisitavam a clássica epidemia de zombies criada por George Romero, mas num tom cómico; o recente Seeking a Friend for the End of the World assemelhava-se ao conceito do filme de Abel Ferrara, mas num tom ligeiramente mais cómico-melancólico. Na animação, os casos mais flagrantes são o de Wall-E (2008), Monsters vs Aliens (2009) e 9 (2009).

Como é evidente, nem a televisão escapou ao género e especialmente nos últimos anos. Entre as mais variadas séries cujos protagonistas em dada altura tiveram de enfrentar um potencial cataclismo global (alguns episódios de 24, por exemplo), existem ainda séries mais focadas, directa ou indirectamente, no tema: The 4400, Fringe, V, The Walking Dead ou ainda The Event e FlashForward.


A obsessão pelo fim do mundo parece ela, curiosa e ironicamente, sem fim. A obsessão e o medo da morte reflectem-se no cinema e televisão, que tentam sobretudo reflectir o carácter humano (e o seu pessimismo), bem como a sua transformação face a cataclismos. Garantias não temos, mas por via das dúvidas, este artigo é publicado um dia antes do anunciado fim do mundo.

3 comentários:

  1. "Vulcão" prendeu-me ao ecrã do início ao fim.
    "Volcano" é excelente e está repleto de ação.

    Análise integral em http://osfilmesdefredericodaniel.blogspot.pt/2016/01/vulcao-titulo-nacional-e-uma-peca.html

    Cumprimentos, Frederico Daniel

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  2. Apenas ontem vi o Mad Max - As Motos da Morte: 4*

    "Mad Max - As Motos da Morte" é um filme bastante bom e mostra-nos a história de Max e da sua transformação em Mad Max, logo recomendo que o vejam.
    "Mad Max" viaja entre dois polos, um com cenas mais monótonas para nos dar a conhecer os personagens e outro com sequências repletas de boa ação.

    Cumprimentos cinéfilos, Frederico Daniel.

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  3. Vi recentemente A Invasão: 4*

    Gostei da história, mas tem vários plot holes. A doença COVID-19 já estava em fase pandémica no mundo quando vi isto e há algumas semelhanças, arrepiante.

    Cumprimentos, Frederico Daniel.

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