terça-feira, 18 de maio de 2010

LOST: Across the Sea (6.15)

"Every question I answer will lead to another."

"Across the Sea" pode ser considerado um episódio standalone, mas surge exactamente no momento certo para mostrar a origem do monstro de fumo, depois do seu acto mais cruel em toda a série. Ao contrário do muitos esperavam, a história da Ilha não começa com Jacob e o monstro. É com estes dois, no entanto, que começa toda a história contada nesta série e seria surpreendente que algo anterior aos eventos aqui relatados fosse mostrado nas 3h e meia restantes. Um aspecto interessante é a forma como muitos dos acontecimentos relatados neste episódio se repetem ao longo do tempo, reforçando a ideia de que há um padrão nas características e no comportamento dos vários grupos que foram chegando à Ilha ao longo dos tempos.

Ao mesmo tempo, este foi o episódio que mais dividiu os espectadores até ao momento. Num episódio com um número tão elevado de revelações que, ainda por cima, foi visto por muitos espectadores casuais (houve um aumento significativo de audiências nesta semana), era de esperar que as respostas entrassem em rota de colisão com as convicções individuais de cada espectador. Ironicamente, a polarização de reacções acabou por representar bem a posição dos personagens retratados no episódio, que se mostrou ser essencialmente uma reflexão sobre a própria série e a sua audiência. Enquanto a maioria dos fãs se mostrou satisfeita com o episódio, muitos outros manifestaram a sua frustração, desde a lista infindável de questões acerca da nova personagem (Mother), ao facto de se continuar sem um nome para dar ao irmão de Jacob. Curiosamente, enquanto muitos se queixam da grande quantidade de revelações, há também muitos que se queixam do contrário, dizendo que pouca coisa foi revelada.

"Across the Sea" é um episódio sobre LOST. A narrativa referencia constantemente a própria série, unindo finalmente algumas pontas soltas e mostrando mistérios irresolúveis: portas que abrem um conjunto ilimitado de possibilidades e cuja interpretação fica sujeita às crenças de cada espectador. Dias antes do episódio ser transmitido, Damon Lindelof falava em "Negative Capability, a capacidade de uma pessoa aceitar a incerteza e o irresolúvel. Segundo o poeta John Keats, os grandes homens são capazes de aceitar que nem tudo pode ser resolvido. Jacob, descrito na série como um "grande homem", mostra neste episódio ser possuidor desta qualidade. Por outro lado, o seu irmão é incapaz de ficar na incerteza: procura incessantemente por respostas, qualquer mistério resolvido serve apenas para o deixar mais curioso. É essa mesma "negative capability" que a série espera dos seus espectadores, dizendo-lhes que é impossível responder a todos os mistérios sem que novos sejam levantados.

"Raised by Another"

O episódio começa com a chegada de Claudia, uma mulher de origem aparentemente romana, há cerca de dois mil anos atrás, grávida e sobrevivente de um naufrágio. Em  vários aspectos, a sua história é semelhante à de Claire e Rousseau: todas elas chegaram à Ilha grávidas e por consequência de um acidente, onde deram à luz, mas não tiveram a possibilidade de criar os próprios filhos. Os problemas de maternidade formam um padrão que se repete, ironicamente, na ilha onde construíram uma estátua em homenagem à deusa egípcia da fertilidade.

Claudia procura água na floresta mas, quando encontra finalmente um riacho, é interpelada por uma misteriosa mulher que lhe fala em Latim – embora Claudia tenha provavelmente uma origem romana, a mulher aparenta estar na Ilha há já muito tempo. Esta mulher leva-a para as grutas e ajuda-a, dizendo estar sozinha na Ilha e também ter lá chegado por acidente. Claudia tenta perguntar-lhe há quanto tempo vive na Ilha, mas a mulher interrompe-a: qualquer pergunta que lhe responda irá apenas originar uma nova pergunta.

Quando Claudia entra em trabalho de parto, a mulher ajuda-a e dá-lhe a novidade de ser um menino. "His name is Jacob", responde Claudia. A mulher envolve-o numa manta branca e demonstra uma felicidade pela criança, mas nenhuma delas esperava uma segunda criança. Ao nascer o segundo menino, a mãe mostra-se preocupada por só ter pensado num nome, enquanto a mulher o envolve numa manta escura e o deita ao lado do irmão. Um detalhe interessante é que Jacob sossegou muito rapidamente, mas o seu irmão gémeo chora com todas as forças. Claudia pede para ver os meninos, mas a mulher ataca-a e fere-a mortalmente com uma pedra. A misteriosa mulher assume assim o papel de mãe para Jacob e o seu irmão, que fica assim sem um nome. Mesmo que, num dado momento, lhe tenham atribuído um nome próprio, este episódio não o revela.

"Special"

O rapaz de negro é curioso e sonhador, procura conhecer o que existe além do horizonte. Gosta de observar o mar e imaginar o que estará do outro lado. Curiosamente, é precisamente junto ao mar que se encontra quando surge sob a forma de Christian e, mais tarde, como John Locke. Nesses momentos, estaria a imaginar como seria se conseguisse sair da Ilha, o que haveria do outro lado? Provavelmente, fazia-o na esperança que esta nova forma o colocasse mais próximo da morte de Jacob, podendo assim libertar-se.

Numa das suas caminhadas pela praia, encontra uma caixa com um jogo de Senet. Jacob encontra-o com o jogo e pergunta-lhe como o sabe jogar, ao que o rapaz responde que simplesmente sabe. É bastante óbvia a associação ao jogo de Gamão mencionado no primeiro episódio da série e a explicação das suas regras, dada por John Locke. Jacob quer aprender a jogar, mas o irmão pede-lhe que não conte a Mother sobre a descoberta. Quando regressa às grutas, a mulher pergunta pelo irmão, e Jacob responde que este ficou na praia a observar o oceano. Mother é autoritária para Jacob, percebe que ele está a ocultar algo e faz chantagem emocional para descobrir a verdade. Sabendo que a descoberta do jogo irá fazer o irmão de Jacob levantar novas questões, a mulher procura-o junto ao mar.

O rapaz de negro percebe imediatamente que Jacob contou a verdade sobre o jogo. Mother diz com desdém que Jacob é incapaz de mentir, ao contrário dele, que é especial. Ao longo da série, vários personagens foram considerados "especiais", principalmente no caso de Walt e John Locke, mas também no caso de Desmond. O rapaz de negro pede a Mother para ficar com o jogo, ao que esta responde que sim, uma vez que foi a própria a deixar o jogo para ele. De onde mais poderia ter vindo o jogo, senão da própria? O rapaz imagina que o jogo possa ter vindo de outro lugar, para além do mar. A mulher criou os dois rapazes numa alegoria da caverna, fazendo-os acreditar que tudo o que existe é aquilo que conseguem ver.

O rapaz é inteligente e perspicaz, pergunta de onde terão eles vindo se não existe mais nada no mundo. Mother diz que vieram dela, da mesma forma que ela veio da sua mãe, explicando que esta morreu, mas a morte é algo com que o rapaz nunca terá de se preocupar. Mas o rapaz de negro não se mostra satisfeito com a explicação e o tempo só lhe irá dar motivos para desconfiar das palavras desta mulher. Jacob e o seu irmão tentam caçar um javali, quando este é subitamente morto por uma lança. Assustados, escondem-se e observam dois homens a esventrar o animal. Para estes dois rapazes, esta foi a primeira percepção de que haveria outros na Ilha. Os irmãos correm para Mother, assustados, e contam que viram outras pessoas. Jacob pergunta de onde eles possam vir, pois parecem-se com eles próprios. Mother afirma que eles são diferentes e não pertencem à Ilha, mas há uma razão para ela e os rapazes estarem lá. A curiosidade do rapaz de negro é imparável, ele insiste em saber qual é essa razão.

Mother venda os olhos aos dois rapazes, para que não descubram o caminho para o local onde os leva. A mulher admite saber das pessoas que vivem na Ilha, mas afirma serem perigosos. Jacob questiona o que faz deles perigosos, mas Mother explica que todos os homens são perigosos: they come, they fight, they destroy, they corrupt, and it always ends the same – as mesmas palavras que um dia o irmão irá repetir para Jacob, séculos depois. A mulher sente desdém por todos os homens, referindo-se a eles como se não fosse também uma pessoa. O irmão quer saber de onde vêm esses homens, mas a mulher responde que vêm de outra parte da Ilha, mas nunca os deixou ir até lá porque as pessoas os podem magoar. Quando o rapaz questiona se ele e o irmão também se podem magoar um ao outro, Mother explica que fez com que eles nunca se pudessem magoar. Surgiu assim a regra que fez com que o monstro manipulasse Ben de forma a matar Jacob, após várias tentativas falhadas. Os irmãos nunca se poderão matar, a não ser que um deles encontre um loophole para essa regra, fazendo com que o outro seja morto indirectamente.

Chegados ao local, Mother retira-lhes as vendas e mostra uma caverna de onde se pode observar uma forte luz dourada. Tanto a luz como o som emitido do interior da gruta são familiares, de outros fenómenos ocorridos na série. Aquele local é o motivo pelo qual estão ali, diz a mulher, proibindo-os de entrar na gruta. O rapaz de negro está fascinado, quer saber o que há no interior. A mulher descreve a luz como a mais bela e morna que existe, e por isso deve ser protegida para que nunca seja encontrada. Mother explica que há um pouco daquela luz no interior de cada homem, mas a sua ganância faz com que queiram sempre mais e a tentem roubar – algo que não conseguirão fazer, mas que poderá apagar a luz e fazer com que esta se apague em todo o mundo. A mulher diz que não a poderá proteger para sempre e, por isso, terá de ser um dos irmãos a fazê-lo. O seu olhar durante toda a cena mostra que já depositou as suas esperanças no rapaz de negro para a substituir.

Mas o rapaz terá a prova definitiva de que não pode confiar nesta mulher. Durante um jogo de Senat, Jacob e o irmão discutem as regras. O rapaz de branco tentou fazer uma jogada contra as regras e questiona as regras, mas o irmão diz que foi ele quem encontrou o jogo – um dia Jacob terá o seu próprio jogo e toda a gente terá de as seguir. É nesse momento que o rapaz de negro tem uma visão. Não é uma manifestação do monstro e Jacob não a consegue ver, mas o irmão é especial. Tal como Hurley, consegue ver pessoas mortas e Claudia, sua verdadeira mãe, aparece para lhe revelar a verdade. O rapaz segue-a e descobre o pequeno castro onde o seu povo se instalou após ter naufragado. Claudia diz-lhe que vieram do outro lado do mar, tal como os dois rapazes, e revela que Mother a assassinou logo após o parto. Na expressão do rapaz, é visível a sua revolta e angústia.

Já de noite, chega à gruta onde vivem e acorda Jacob, levando as suas coisas. Jacob não quer aceitar a verdade sobre Mother e tenta espancar o irmão, mas a mulher interrompe-o. O rapaz de negro confronta-a com a revelação feita por Claudia e pede a Jacob que o siga, mas este recusa e fica com a mulher. Mother insiste para que o rapaz fique e diz-lhe que nunca será capaz de sair da Ilha, independentemente do que lhe tenham dito, mas este garante que um dia irá provar que consegue sair. O rapaz deixa-os, para desgosto da mulher. Na manhã seguinte, Jacob pergunta-lhe se o irmão irá voltar, mas esta sabe que não. Jacob pergunta porque ela matou a sua verdadeira mãe, e Mother justifica-se dizendo que o fez para impedir que Claudia os levasse para o seu povo, que são más pessoas. A mulher criou-os para que se mantivessem bons. Jacob pergunta se é bom e, sendo assim, porque razão Mother prefere o irmão. Esta responde que os ama de formas diferentes, e pede a Jacob que fique com ela.

O monstro dizia a verdade quando contou a Kate que foi criado por uma mãe louca. Provocar a separação entre Claire e o seu filho, talvez tenha sido o seu acto mais humano – fazer com que a criança fosse criada longe da Ilha e, especialmente, longe de uma mãe que tinha sido contaminada pela infecção que faz com que as trevas se apoderem do seu coração. Dado o seu historial, colocar o Aaron fora da Ilha seria a melhor maneira de impedir que a história se repetisse. Mother foi um péssimo exemplo maternal para os dois rapazes, a culpada da sua visão distorcida da humanidade. Ao mesmo tempo, promoveu no rapaz de negro as priores características desses mesmos homens, mostrando até algum desdém pela bondade de Jacob, pelo menos até ao dia em que o irmão os abandona.

"Man of Science, Man of Faith"

Anos depois, Jacob apercebe-se que Mother está cansada. A ausência do irmão acelerou o seu desgaste e Jacob, preocupado, procura-o na aldeia romana. Os irmãos matam saudades com uma partida de Senat, e Jacob admite observar os habitantes da aldeia para saber se Mother tem ou não razão em relação à humanidade. O homem de negro, que conviveu todo este tempo com aquelas pessoas, diz que ela tem razão: os homens são gananciosos, manipuladores e egoístas. Para Jacob, que observa à distância, eles não parecem assim tão maus. Ao longo dos 30 anos que viveram separados, Jacob e o irmão foram desenvolvendo perspectivas distintas acerca da humanidade. Assim se percebe a conversa que os dois têm junto à estátua em "The Incident" (5.17), em que o homem de negro diz que acaba sempre da mesma forma, mas Jacob responde que só acaba uma vez, tudo o resto é progresso. A cada grupo de humanos, Jacob foi reforçando a sua esperança de que os homens sejam capazes de viver em paz e, dada a escolha, optem pelo caminho do Bem e não o do Mal.

O homem de negro só continua a viver com aquele povo por interesse – acredita ter descoberto uma forma de sair da Ilha. Jacob pensa ser impossível, mas o irmão mostra-lhe um fenómeno "mágico": ao atirar a sua adaga numa direcção próxima de um poço, esta muda de direcção e é atraída pelo poço, ficando colada ao muro. É esta a adaga que, mais tarde, Smoke irá dar ao Richard e, posteriormente, Dogen irá dar a Sayid para tentar matar o monstro. O homem de negro explica que há pessoas muito inteligentes na povoação, que descobriram vários locais onde o metal reage de forma estranha. Em cada um desses locais, escavaram um poço, até que encontraram um onde encontraram algo especial. O homem de negro tenta convencer o irmão a sair da Ilha com ele, mas Jacob não quer sair – é a sua casa.

Mother, ao saber os planos do homem de negro, dirige-se até ao local da escavação. Este revela que passou a sua vida à procura da caverna de luz que viu na infância, mas nunca a encontrou. O povo com quem vive, no entanto, encontrou uma forma diferente de aceder a essa luz e tem algumas ideias do que se possa fazer com ela. Mother fica preocupada com o que possa acontecer, mas o homem culpa-a por nunca ter explicado nada acerca da luz. Para lhe mostrar o que fizeram, retira uma pequena pedra da parede e deixa um feixe de luz iluminar a câmara subterrânea, revelando a roda da nora que pretendem colocar num mecanismo que se servirá desta luz.

O homem de negro revela a Mother os seus planos para a roda, que lhe permitirá finalmente sair da Ilha. A mulher questiona como poderá ele saber se o plano irá funcionar, mas ele responde que é "especial". Tal como quando descobriu o jogo de Senet, não sabe explicar como, mas sabe que funciona. De facto, este homem tem razão: dois milénios depois, Ben Linus irá encontrar este mecanismo concluído, girar a roda e ser projectado para a Tunísia. A presença de hieróglifos na câmara parece confirmar que os egípcios só estiveram na Ilha depois deste povo, e que foram estes a concluir a obra do homem de negro. Mother tenta convencê-lo a ficar, mas este recusa definitivamente. A mulher despede-se e abraça-o, o que o comove, mas é imediatamente traído, quando esta o atira violentamente contra o muro. Não se percebe se o faz mais pela sensação de abandono ou pelo receio de que a luz seja posta em risco, mas não há dúvidas quanto à sua intenção de o matar.

De regresso à sua gruta, Mother acorda Jacob e leva-o até à caverna que lhe mostrou na infância, desta vez sem lhe vendar os olhos, dizendo-lhe que terá de proteger a luz. Jacob pergunta o que há no interior, ao que a mulher responde que existe vida, morte e renascimento – a luz é o coração da Ilha. Mother pede-lhe que prometa nunca ir ao interior da gruta, pois o que acontece será algo muito pior que a morte. O seu tom indica que o sabe de experiência própria ou de alguém próximo. Enquanto murmura uma espécie de oração em Latim, enche um copo com vinho e oferece-o a Jacob, pedindo-lhe que beba e aceite o cargo de protector da luz, que o faça por quanto tempo conseguir e se encarregue de encontrar um substituto. Jacob recusa – não quer ser o protector, sabe que sempre foi a vontade da mãe que o sucessor fosse o seu irmão. Mother diz-lhe que não tem escolha, Jacob aceita o cargo contra a sua própria vontade. Talvez seja este o motivo pelo qual Jacob é defensor do livre arbítrio: se algum dos candidatos realmente lhe suceder no cargo de protector, terá de o fazer de livre e espontânea vontade.

As palavras de Mother relativamente à luz são o ponto chave deste episódio. Numa época muito anterior à descoberta da electricidade e em que o próprio magnetismo era um fenómeno pouco compreendido, não se poderia esperar que a mulher começasse a falar de bolsas de energia electromagnética ou física quântica avançada. O seu conhecimento acerca da luz será um misto das suas experiências pessoais com o que o anterior protector lhe possa ter contado. Esta forte energia poderá ser realmente a fonte de todos os fenómenos ocorridos na Ilha, incluindo curas milagrosas e problemas de fertilidade. Daniel Faraday (e talvez até mesmo Zoe) nunca diria que aquela energia fosse a luz que existe no coração dos homens. Por sua vez, Mother nunca acreditaria que fosse possível replicar aquela luz com uma máquina e utilizá-la para efectuar um teste de resistência a Desmond. Mas depois de ter sido exposto a esta energia e sobrevivido, Desmond acordou iluminado, sem sentir qualquer receio do Black Smoke. Este episódio pode ter tentado revelar as verdadeiras intenções de Widmore ao trazer Desmond para a Ilha, mas a revelação mais importante é que a resposta para a Ilha poderá não estar na ciência ou na fé, mas sim no equilíbrio entre as duas perspectivas.

Na manhã seguinte, o homem de negro recupera os sentidos. Embora não haja confirmação que tivesse morrido, é plausível admitir que este tenha ressuscitado da mesma forma que Sayid e Claire, com o seu coração invadido pelas trevas. Para seu desgosto, o poço que lhe permitiria escapar da Ilha foi tapado e a povoação com quem passou toda a sua vida adulta foi dizimada. Este foi claramente o trabalho de Mother, mas seria ela um monstro de fumo, para conseguir arrasar completamente com aquela aldeia? dos destroços, o homem de negro recupera apenas a caixa com o seu jogo, enquanto a raiva toma conta de si. É assim revelado que o extermínio da Dharma Initiative não foi o primeiro genocídio ocorrido na Ilha – já vários grupos tiveram a oportunidade de habitar aquele local, mas foram eliminados conforme a sua curiosidade os deixava cada vez mais perto de descobrir e interagir com a sua fonte de energia.

Mother despede-se de Jacob por uns momentos, mas parece saber o destino que lhe está reservado. Ao regressar à sua gruta, vê que o interior foi arrasado e encontra o jogo de Senat. Quando abre a caixa, retira uma pedra branca e outra preta e observa-as, quando o homem de negro lhe crava a adaga pelas costas, sem que esta tenha tido a oportunidade de falar. O homem pergunta-lhe por que motivo não o deixou sair, ao que Mother responde ter sido por amor. A mulher agradece por ter sido libertada da imortalidade e o homem de negro chora a sua morte, quando Jacob chega ao local e agride o irmão.

Furioso, Jacob leva-o até à caverna onde a luz é visível. O irmão pede a Jacob que não o mate, lembrando-lhe que Mother os impediu de o fazer, mas Jacob diz que não o pretende matar: se a teoria do homem de negro estiver correcta em relação à luz, atirá-lo para aquela gruta irá finalmente fazer com que saia da Ilha. Mas o resultado de enviar para lá o irmão surpreende-o: uma sombra aproxima-se, acompanhada por sons estranhos, e uma gigantesca coluna de fumo negro liberta-se da gruta. Jacob apanhou o susto da sua vida. Smoke é a encarnação do Mal, toda a raiva que o homem de negro levava no seu interior, o desdém que sentia pela humanidade, a raiva com que o irmão o enviou para a luz – tudo isso foi expelido no monstro. Por causa de Jacob, o homem de negro perdeu o corpo e a humanidade, apenas ficaram as trevas que lhe rodeavam o coração.

O monstro das trevas surguiu da fonte da luz. Em "Walkabout" (1.04), John Locke tem o seu primeiro encontro com o monstro, mas não é revelado aquilo que vê. Mais tarde, em conversa com Jack, Locke diz que olhou directamente para o coração da Ilha, e o que viu era extremamente belo. Já na segunda temporada, em conversa com Eko, descreve o que viu como uma luz bela e brilhante. Locke foi sempre considerado "especial" e mostrou desde o início uma forte ligação à Ilha. Não deixa de ser curioso, no entanto, que tenha visto a verdadeira origem do monstro no seu primeiro encontro. Smoke representa a combinação de todas as emoções negativas, mas é também ele feito da própria energia da Ilha. Será que John Locke viu através do monstro, ou que este lhe revelou intencionalmente a beleza daquela luz para o manipular?

Jacob encontra o corpo do irmão, sem vida, e apercebe-se que lhe provocou a morte e não a desejada saída da Ilha. Pegando no corpo, transporta-o para as grutas e coloca-o deitado numa concavidade. De seguida, dirige-se ao corpo de Mother e encontra duas pedras do jogo de Senat junto à sua mão. Como símbolo dos dois irmãos, guarda as pedras num pequeno saco. Deitando a mulher ao lado do homem de negro, une-lhes as mãos e coloca o saco com as pedras nas mãos do irmão, despedindo-se dele. Apesar de ter sido um final poético para este episódio, teria sido interessante ver-se o momento em que Jacob descobre que o seu irmão não está morto, mas pior. Todas as conversas mostradas entre os dois irmãos em episódios anteriores ocorreram depois destes eventos – Black Smoke tem a capacidade de assumir a forma dos mortos e, por esse motivo, reclamou para si a forma do corpo em que viveu até ser atirado para a luz.

A revelação de que os corpos de Mother e do homem de negro são os esqueletos conhecidos por Adão e Eva desde a primeira temporada é acompanhada por imagens do episódio "House of the Rising Sun" (1.06). Na altura, os produtores comentaram que aqueles esqueletos seriam uma das várias referências que gostavam de colocar, de forma a que os espectadores percebessem no final da série que as suas principais linhas de história estiveram bem planeadas desde o início. À primeira vista, qualquer revelação da identidade dos esqueletos poderia ser uma "resposta", mas dificilmente provaria alguma coisa. É então interessante notar a escolha dos personagens que fazem a descoberta dos esqueletos. Tal como o homem de negro, aquele Jack era um céptico, um homem de ciência e não um homem de fé. Kate chegou à Ilha atormentada pelos problemas com a sua mãe mas, tal como Mother, ajudou ao nascimento de uma criança que acabou por criar. O terceiro a chegar ao local é John Locke, que observa os corpos do mesmo ponto onde Jacob se despede deles. Locke, tal como Jacob, é o homem de fé que aceita sem questionar o que a Ilha lhe oferece. A história destas três pessoas cuja presença marcou a Ilha durante milhares de anos teve, de facto, uma influência directa na vida dos passageiros do voo Oceanic 815.

"Across the Sea" mostra a forma como a história se repete. Tal como Mother e Smoke afirmaram um dia, acaba sempre da mesma forma. Jacob acredita que só termina uma vez – tudo o resto é progresso na tentativa de provar que os homens podem viver em paz. É também o episódio que solidifica a mitologia da série que, muitas vezes, tinha sido mostrada apenas de forma mais subtil.

6 comentários:

  1. Resumo mais uma vez muito bom! Depois de seis seasons é fantástico como tudo se começa a juntar! Uma coisa que me ocorreu quando estava a ler este post era o facto da lz ter um poder de evidenciar as características mais marcadas numa pessoa, ou seja, da mesma forma que o homem de negro virou black smoke em contacto com a luz, marcado essencialmente pela ambição e raiva, não poderia ter sido esta mesma entidade a mudar o Desmond tornando-o um iluminado, já que este sempre possuiu características melhores no contexto de lost?

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  2. Obrigado! :)

    Penso que sim, até um certo ponto. Aquela energia realmente mudou-o e fez com que visse o mundo de outra forma, mas não parece que lhe tenha dado super-poderes. Por outro lado, fico a pensar no que aconteceria se o Desmond fosse pela caverna abaixo...

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  3. eu acho que os dois passaram pelo mesmo processo, ou seja, foram expostos à luz! A minha interpretação baseia-se um pouco na justiça divina mas neste caso de acordo com a ilha. Ou seja, se a tua essência estava de acordo com os princípios da ilha, eras recompensado e tornavas-te iluminado, se não estivesse... era mau :P

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  4. Puxa vida! Mas que descrição detalhada de tudo o que passou no episódio, Telmo. É quase ao segundo... deves ter uma trabalheira louca para escrever assim com tanta descrição (e menor síntese).

    Gostei do episódio, e posso ser apenas eu mas desta vez fiquei do lado do irmão do Jacob. O comportamento dele enquanto criança é totalmente normal e pensando bem no meio disto tudo é ele quem estava certo. Jacob pareceu um mero seguidor apático e sem vontade própria... aceita tudo o que se lhe dá sem reservas. O homem de negro, consigo compreendê-lo plenamente e até lhe dar a total razão. Lembremos ainda que os dois irmãos gémeos são oriundos do mundo além da ilha (é de lá que veio por acidente a verdadeira mãe deles). Jacob resignou-se facilmente a tudo aquilo mas o irmão sempre manteve a chama acesa de reaver o rumo da sua vida.
    Concordo com ele em questionar as coisas, questionar a razão da gruta com a luz/coração da ilha. Quem não faria isso?
    No fundo, a mulher que os criou foi quem lhes matou a mãe verdadeira, quem sempre os impediu de sair da ilha, mantendo-os á força como prisioneiros dela e sem outra escolha. Depois de tudo isso tenho de dar razão ao Homem de negro em querer sair da ilha e voltar ao mundo "normal".

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  5. Geralmente, consigo resumir duas ou 3 cenas num só parágrafo mas, neste caso, acabou por ser o contrário. Cada uma das cenas deste episódio parecia carregada de segundos e terceiros significados profundamente ligados à história da série.. é de louvar o trabalho dos escritores neste episódio.

    Penso que foi também propositado mostrar o Jacob como o menos interessante dos dois. O irmão era inteligente, curioso, perspicaz e reactivo, enquanto que Jacob sempre aceitou as coisas passivamente. Infelizmente a falsa mãe sempre estimulou o pior que havia nele, mas ele tinha realmente razão em querer sair e conhecer o mundo que sempre lhe foi negado. Dito isto, só mesmo em LOST é possível vermos alguém cometer as maiores monstruosidades e, no episódio seguinte, sentir que até o compreendemos.

    De qualquer maneira acho que é tarde demais para ele sair da Ilha. O monstro já não é aquele homem, mas o que restou dele... e o que restou não é coisa boa, não...

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  6. Sim, eu percebo o que queres dizer. Não sei se o processo é o mesmo ou não... mas como o objectivo do Widmore era apenas fazer um teste, penso que o objectivo é fazer com que o Desmond faça alguma coisa com aquela energia, seja para a libertar ou para a destruir.

    Não penso que a energia por si tenha uma identidade moral (posso estar errado), mas que tenha o poder de amplificar o que vai no coração das pessoas. Mas se tiver, na minha opinião, as únicas pessoas merecedoras da Ilha neste momento são a Rose e o Bernard, que realmente dão razão ao Jacob. Os restantes, enquanto não encontrarem a paz interior, não vão ter paz entre eles.

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