domingo, 13 de janeiro de 2013

Guia para um Final Feliz, por Tiago Ramos


Título original: Silver Linings Playbook (2012)
RealizaçãoDavid O. Russell
Argumento: David O. Russell
Elenco: Bradley CooperJennifer LawrenceRobert De Niro e Jacki Weaver

Face à expectativa e atenção dada ao mais recente filme de David O. Russell, uma das dúvidas que mais impera na mente de muitos espectadores é precisamente qual o motivo de tanta referência e o que há de novo aqui. A resposta, pois bem, não poderia ser mais assertiva: não há nada de novo. O que merece então a aclamação que tem tido nos últimos meses? Tudo e precisamente por não ter nada de novo. Uma das maiores dificuldades para um cineasta é fazer um filme de género e criar algo de novo. A comédia romântica é um dos géneros que mais filmes produz anualmente e uma grande maioria deixa a desejar, nunca conseguindo sair dos lugares comuns e raras vezes oferecendo algo digno de nota. O dado mais curioso é que em Guia para um Final Feliz também não se sai dos lugares comuns - a nível da fórmula das comédias românticas, temos direito a todas (até à câmara que roda com um beijo entre os protagonistas) - e não há nada que possamos dizer que seja absolutamente refrescante ou original para o género. Mas o que não existe em originalidade propriamente dita, é esbanjada em competência, carisma e ternura.

A começar por David O. Russell, cuja câmara inicialmente parece demasiado esquizofrénica e pouco convencional para uma história do género, mas que se revela afinal uma decisão acertada e que torna as personagens bem mais aproximadas do espectador e que reflecte o ambiente alucinado em que estas se inserem. Ao contrário da câmara de Tom Hooper em Les Misérables que boicota o quadro completo do filme, em Guia para um Final Feliz temos um mecanismo (como por exemplo o de close-ups frequentes) aproximado a este, mas que simplesmente complementa a narrativa, sem a afectar negativamente. Essa inquietude visual permanece também evidente na narrativa, com excelentes diálogos entre os protagonistas, raras vezes meramente banais ou desinteressante, sabendo sempre amplificar a questão da doença mental, com as temáticas da solidão e do amor. E esse olhar íntimo e focado da direcção de Russell é ainda mais harmonizado pelos seus actores. Bradley Cooper tem aqui o melhor papel da sua carreira, conciso e directo na sua intenção, competentemente equilibrado dentro do desequilíbrio da sua personagem e uma grande surpresa para quem imaginava que o actor não conseguisse prestações do género. Ainda assim é Jennifer Lawrence que tem o efeito dinâmico na narrativa, com uma interpretação fenomenal e energética, numa personagem distante das que nos tem apresentado na sua breve, mas memorável carreira. A química e dinâmica entre os dois actores consegue segurar o espectador na narrativa sentimentalista e bem-disposta, que em muitos outros filmes do género não é suficiente para o fazer. O investimento inicial que a narrativa faz, em desenvolver a personagem de Bradley Cooper e a sua dinâmica familiar com a mãe (Jacki Weaver) e pai (Robert De Niro) - este último com uma das suas melhores interpretações dos últimos anos - permite que nos adensemos nos pequenos grandes problemas e que funcionam como propulsor da história.

A narrativa prolonga-se nessa dinâmica familiar e entre a relação dos protagonistas - ambos problemáticos e com a habitual dinâmica atracção-repulsa que pontua o género, com direito ao conflito perto do clímax final e à redenção final. A estrutura é tão típica e convencional que convence o espectador precisamente por isso. É o regresso às velhas fórmulas e tendências, mas com uma competência já rara nos últimos anos (um fenómeno semelhante, mas no drama, acontece também este ano com filmes como Flight ou Arbitrage). É a fórmula que não sabemos explicar bem como mas que efectivamente resulta: rodeia-se de elementos técnicos excelentes, uma excelentes banda sonora e bons actores, numa história previsível, mas simpática e bem-intencionada. É charmosa e amorosa, com os seus rasgos de bizarria - excelentes cenas a fazer recordar a frescura de Little Miss Sunshine, por exemplo. E por vezes isso é bem mais que suficiente.


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