Realização: Juan Antonio Bayona
Argumento: Sergio G. Sánchez
Elenco: Naomi Watts, Ewan McGregor e Tom Holland
Logo nos primeiros minutos apercebemo-nos das origens do realizador. Aqui filma-se como se de terror se tratasse: estamos a bordo de um avião, com uma protagonista a sofrer uma pequena crise de ansiedade. Vive-se uma pequena tensão para depois estarmos afinal num lugar paradisíaco, em família e num momento de tranquilidade absoluta. Movimento clássico que Juan Antonio Bayona usa para manipular o espectador, tal como já o havia feito em El orfanato (2007), replicando as regras do cinema de terror para um filme que se vem a revelar um melodrama clássico. Mas é precisamente na forma segura e inventiva com que o espanhol segura as rédeas da produção que reside o interesse naquele que é na realidade um filme de narrativa simplista e linear. Sabemos, à partida, imediatamente o desfecho que esta história terá. Mas não é na utilização de uma narrativa inventiva, repleta de pequenas reviravoltas, que o realizador está interessado. A calma que o filme estabelece inicialmente, através da união da família, estabelece o contraponto para a sensação de inquietude constante que o espectador espera. Aqueles pequenos momentos que antecedem o embate do tsunami contra o resort são cruciais para esse objectivo. E quando o esperado ocorre, mesmo assim o espectador não consegue deixar de se sentir surpreendido. A técnica do género resultou e Bayona sabe-o. E enquanto a onda devasta tudo à sua frente, a câmara do realizador não poupa o espectador à sua arrebatadora crueza. Filma aquela corrente incontrolável de um modo quase fetichista da dor da sua protagonista, aponta os seus golpes, as suas fustigações, os ramos que a cortam, o sangue. Filma a solidão, a espera, a angústia, a expectativa de ter perdido os ente queridos. Filma o desastre, o horror, o terror. E o espectador até sabe no que isto vai dar, mas não deixa de se sentir emocionalmente devastado. Por isso, Bayona continua e parte para o aparato emocional do melodrama e faz questão de o realçar: tem a música, tem os momentos de tensão - repete pequenas cenas de terror, por exemplo como quando o filho pensa ter perdido a mãe - tem até a pieguice e lamechice que seria de esperar. Mas mesmo essa lamechice é usada pelo realizador para maltratar o espectador, para o deixar no meio da tragédia, afligido, entre os sucessivos quase reencontros, entre a expectativa esperada de um reencontro. É um jogo que usa porque sabe que resulta e o talento deste seu trabalho reside precisamente na forma como usa uma narrativa linear e básica para conquistar o espectador.
Parte dessa táctica existe na forma como trabalha com a sua actriz. Naomi Watts tem uma interpretação dura e sofrida, porque a câmara insiste em tornar o seu sofrimento real. A dor dela trespassa o espectador e a actriz torna a sua interpretação física num meio de atingi-lo. O seu desempenho é merecedor de destaque precisamente porque, com uma personagem limitada a um estado físico extremo, continua a ser capaz de infligir o espectador com o mais duro sofrimento emocional. Mas a surpresa reside no jovem actor Tom Holland, ele que segura a narrativa na grande maioria do tempo, num dos mais surpreendentes desempenhos do ano, construindo uma personagem rica, detalhada e complexa, mesmo quando estamos perante uma narrativa linear. As ambiguidades que a sua interpretação transmite trespassam a mera história melodramática da busca pela sobrevivência ou do reencontro familiar. É ele que faz com que, mesmo nos pequenos momentos que apenas servem como manobra de diversão ou obstáculo para a conclusão que o espectador espera, a intensidade do filme não se perca nunca.
Obviamente que um trabalho como este não é isento de falhas. Até porque a narrativa vê-se prejudicada com a divisão de tempo para contar o ponto de vista da personagem interpretada por Ewan McGregor e que, raras vezes, consegue ser tão emocionalmente pungente, como a de Naomi Watts e Tom Holland. Isto porque nem o actor consegue fazê-lo de uma forma convincente, mas também porque a sua parte da história é meramente um factor de distracção para o seu clímax. Perde-se em lamechices desnecessárias, nunca oportunas para contribuir para o clima emocional da história, soando até forçadas, servindo apenas como motivação para o trabalho dos outros actores. O mesmo acontece com Bayona que se perde, especialmente na rota final da história, num tom mais fantástico, ao som da banda sonora operática de Fernando Velázquez e de uma fotografia mais poética de Óscar Faura, que apenas se opõe ao tom cru e realista que tinha vindo a procurar na fase inicial do filme.
Mesmo assim, nunca poderemos tirar o mérito à forma incrivelmente talentosa, como o realizador espanhol transforma uma linear história melodramática de sobrevivência, numa obra tão emocionalmente forte e ao mesmo tempo, redentora, incapaz de deixar o seu espectador indiferente. É verdade que O Impossível não foge ao esquematismo das obras do género - mesmo quando Bayona o dirige como se fosse um filme de terror - mas é ao usar as convenções do género, de uma forma tecnicamente irrepreensível, que o filme consegue provocar a comoção no espectador, tornando-se emocionalmente devastador e humanamente rico.
Logo nos primeiros minutos apercebemo-nos das origens do realizador. Aqui filma-se como se de terror se tratasse: estamos a bordo de um avião, com uma protagonista a sofrer uma pequena crise de ansiedade. Vive-se uma pequena tensão para depois estarmos afinal num lugar paradisíaco, em família e num momento de tranquilidade absoluta. Movimento clássico que Juan Antonio Bayona usa para manipular o espectador, tal como já o havia feito em El orfanato (2007), replicando as regras do cinema de terror para um filme que se vem a revelar um melodrama clássico. Mas é precisamente na forma segura e inventiva com que o espanhol segura as rédeas da produção que reside o interesse naquele que é na realidade um filme de narrativa simplista e linear. Sabemos, à partida, imediatamente o desfecho que esta história terá. Mas não é na utilização de uma narrativa inventiva, repleta de pequenas reviravoltas, que o realizador está interessado. A calma que o filme estabelece inicialmente, através da união da família, estabelece o contraponto para a sensação de inquietude constante que o espectador espera. Aqueles pequenos momentos que antecedem o embate do tsunami contra o resort são cruciais para esse objectivo. E quando o esperado ocorre, mesmo assim o espectador não consegue deixar de se sentir surpreendido. A técnica do género resultou e Bayona sabe-o. E enquanto a onda devasta tudo à sua frente, a câmara do realizador não poupa o espectador à sua arrebatadora crueza. Filma aquela corrente incontrolável de um modo quase fetichista da dor da sua protagonista, aponta os seus golpes, as suas fustigações, os ramos que a cortam, o sangue. Filma a solidão, a espera, a angústia, a expectativa de ter perdido os ente queridos. Filma o desastre, o horror, o terror. E o espectador até sabe no que isto vai dar, mas não deixa de se sentir emocionalmente devastado. Por isso, Bayona continua e parte para o aparato emocional do melodrama e faz questão de o realçar: tem a música, tem os momentos de tensão - repete pequenas cenas de terror, por exemplo como quando o filho pensa ter perdido a mãe - tem até a pieguice e lamechice que seria de esperar. Mas mesmo essa lamechice é usada pelo realizador para maltratar o espectador, para o deixar no meio da tragédia, afligido, entre os sucessivos quase reencontros, entre a expectativa esperada de um reencontro. É um jogo que usa porque sabe que resulta e o talento deste seu trabalho reside precisamente na forma como usa uma narrativa linear e básica para conquistar o espectador.
Parte dessa táctica existe na forma como trabalha com a sua actriz. Naomi Watts tem uma interpretação dura e sofrida, porque a câmara insiste em tornar o seu sofrimento real. A dor dela trespassa o espectador e a actriz torna a sua interpretação física num meio de atingi-lo. O seu desempenho é merecedor de destaque precisamente porque, com uma personagem limitada a um estado físico extremo, continua a ser capaz de infligir o espectador com o mais duro sofrimento emocional. Mas a surpresa reside no jovem actor Tom Holland, ele que segura a narrativa na grande maioria do tempo, num dos mais surpreendentes desempenhos do ano, construindo uma personagem rica, detalhada e complexa, mesmo quando estamos perante uma narrativa linear. As ambiguidades que a sua interpretação transmite trespassam a mera história melodramática da busca pela sobrevivência ou do reencontro familiar. É ele que faz com que, mesmo nos pequenos momentos que apenas servem como manobra de diversão ou obstáculo para a conclusão que o espectador espera, a intensidade do filme não se perca nunca.
Obviamente que um trabalho como este não é isento de falhas. Até porque a narrativa vê-se prejudicada com a divisão de tempo para contar o ponto de vista da personagem interpretada por Ewan McGregor e que, raras vezes, consegue ser tão emocionalmente pungente, como a de Naomi Watts e Tom Holland. Isto porque nem o actor consegue fazê-lo de uma forma convincente, mas também porque a sua parte da história é meramente um factor de distracção para o seu clímax. Perde-se em lamechices desnecessárias, nunca oportunas para contribuir para o clima emocional da história, soando até forçadas, servindo apenas como motivação para o trabalho dos outros actores. O mesmo acontece com Bayona que se perde, especialmente na rota final da história, num tom mais fantástico, ao som da banda sonora operática de Fernando Velázquez e de uma fotografia mais poética de Óscar Faura, que apenas se opõe ao tom cru e realista que tinha vindo a procurar na fase inicial do filme.
Mesmo assim, nunca poderemos tirar o mérito à forma incrivelmente talentosa, como o realizador espanhol transforma uma linear história melodramática de sobrevivência, numa obra tão emocionalmente forte e ao mesmo tempo, redentora, incapaz de deixar o seu espectador indiferente. É verdade que O Impossível não foge ao esquematismo das obras do género - mesmo quando Bayona o dirige como se fosse um filme de terror - mas é ao usar as convenções do género, de uma forma tecnicamente irrepreensível, que o filme consegue provocar a comoção no espectador, tornando-se emocionalmente devastador e humanamente rico.
Sem comentários:
Enviar um comentário