quarta-feira, 22 de maio de 2013

Torres e Cometas, por Carlos Antunes



Título original: Torres e Cometas
Realizador: Gonçalo Tocha

Gonçalo Tocha tem um método de filmar em que se torna sujeito activo mesmo quando não se coloca em frente à câmara.
Em Balaou partia para a filmagem interpelando a sua família para que se materializasse a memória da mãe que procurava. Tal como interpelava depois o mar para que houvesse matéria onde fazer reflectir o seu próprio pensamento.
Em É na Terra não é na Lua a matéria do documentário era já palpável, mas Gonçalo Tocha teve de se tornar parte dela antes de a filmar. Tornar-se parte dela e, naquilo que continua a ser o melhor e demasiado breve no seu filme, surgir no documentário como sujeito da relação emocional com o espaço e as pessoas.
Na encomenda para Guimarães 2012, o realizador mostra como esse processo de identificação emocional com o tema lhe é essencial mas, igualmente, como o método ameça transformar o realizador no seu próprio factor limitante.
Gonçalo Tocha parece partir ao encontro de Guimarães com enorme sinceridade mas sem o envolvimento que víamos nos filmes anteriores - o confronto físico com o mar em Balaou, o descobrimento pessoal da pertença em É na Terra não é na Lua.
Como o realizador diz logo ao início "Recebemos um convite, ir viver Guimarães... e, se tudo correr bem, fazer um filme.". Nessa introdução falar em ver, escutar e sentir a cidade, mas diz claramente que nunca lá viveu e que lá esteve a passar uma temporada.
Para É na Terra não é na Lua levou vários anos e várias viagens para chegar ao resultado, portanto seria impossível chegar a ser de Guimarães como fora da Ilha do Corvo.
Por isso o seu tom parece diferente do que fora antes, menos inocente. Desde logo na montagem final em que não há aquela abrangência de quem quer mostrar tudo.
As escolhas de Tocha tornaram-se mais argumentativas e menos demonstrativas, sem aquela abrangência de quem está tão fascinado que não tem coragem de cortar momento algum para tentar mostrar o que um lugar é em plenitude.
Começa a notar-se isso mesmo pelas suas chamadas telefónicas que filma e onde demonstra a abordagem irónica com que está ali na cidade junto da História alterada pela vontade dos governantes ou à sobra dos edifícios (mamarrachos) pagos pelos fundos europeus.
Depois veremos uma longuíssima cena de um protesto que espera o Presidente, mas o que realmente demonstra o que Tocha vai acabar por dizer várias vezes ao longo do filme é a montagem que faz de uma lição de história sobre as imagens dos discursos oficiais de abertura dos eventos de Guimarães 2012.
Esta forma crítica de juntar a sua crítica à do "povo" no local que é o Berço da Nação, dizendo que a História de Guimarães é mais importante de registar do que os discursos de circunstância que morrem logo de seguida, é certamente justíssima.
Tocha vagueia entre a História e a Crítica, entre o Passado que se valoriza e o Futuro que se olha com medo. Por isso é que inclui tanto diálogos sobre torres desaparecidas como uma tertúlia que, no interior de uma livraria, debate as notícias do dia.
E o jogo vai funcionando, entre o elogio da preservação da memória feita pelos habitantes - que ainda recriam as espadas de Dom Afonso Henriques, por exemplo - e a demonstração da crítica que está na rua. Sobretudo porque Tocha deixa para o momento culminante uma actuação dos Minhotos Marotos no centro histórico da cidade - que, finalmente, explica o título do filme.
A (inevitavelmente) trauteável música interpretada ali é a afirmação de que a cultura não se impinge em recintos erigidos com dinheiro a rodos. A cultura vem "de baixo" e de dentro do que ainda resiste.
Das torres que existiam sobra apenas uma e quanto aos cometas, parecem haver cada vez mais disponíveis para os dedicarem a quem vem com outra "grande lição".
Daí que seja infeliz que Rocha tenha de continuar, como nos outros filmes, de ambos os lados da câmara (mais ou menos literalmente).
Aqui, essa inocência de ser o pessoal a conduzir a filmagem e a montagem surge como uma necessidade de Tocha vincar o estilo que lhe conhecemos. Aplicá-lo a um filme que de inocente já tem muito pouco.
Dos momentos em que se filma no processo de preparar a cena - com indicações sobre como preparar o espaço e a luz, por exemplo - fica a ideia de falsidade teatral, desnecessária composição do cenário para que Gonçalo Tocha interprete o seu Eu passado.
Assim, sempre que Tocha - ou Dídio Pestana - surgem na imagem, parecem estar a preencher uma quota de reconhecimento cinematográfico e dão ao público a sensação de terem perdido o rumo ao que estavam a dizer.
Como momento intermédio de tentativa e erro, Torres e Cometas é um filme interessante, mas Gonçalo Tocha terá de dar um passo em frente ou dois atrás para recuperar o fascínio que o seu trabalho exercera até aqui.


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