quarta-feira, 31 de julho de 2013

Semana em Crítica - 25 de Julho

Só Deus Perdoa (2013), de Nicolas Winding Refn


Só Deus Perdoa é aquilo que parece: um objecto formalista, preocupado com uma concepção visual e de composição de estilo muito forte. Adopta uma narrativa rasa (um de filme de vingança muito linear e superficial), com um fraco desenvolvimento narrativo, mesmo que proporcione personagens particularmente interessantes nem que seja do ponto de vista estilístico, como a interpretada por Kristin Scott Thomas (talvez o melhor do filme) e que transmite uma ideia de um curioso complexo de Jocasta. Não é nem de longe o melhor de Nicolas Winding Refn, mas é um produto corajoso e absolutamente estilizado, tão electrizante quanto fascinante. Uma estrelaUma estrelaUma estrelaUma estrela Tiago Ramos

Falar-se-á sempre do estilo de Only God Forgives como se a isso estivesse reduzido, mas há informação transmitida nas imagens. Sensorial e interpretativa, informação que constrói uma narrativa sobre o universo de onde vêm (e para onde vão) as personagens sem precisar de um narrativa preenchida, de diálogos expositivos ou de personagens complexificadas. Mesmo se, em certos momentos, o estilo vale mais do que o conteúdo das imagens, não deixa de ser uma fascinante exploração-limite da psicologia do masoquismo em que as personagens se encerram; disfarçada como um "filme de sensações" (Gaspar Noé tem um agradecimento no final dos créditos, mas a dedicatória de abertura vai para Alejandro Jodorowsky) que está tão em voga. O culto da imagem aqui visto - como já em Drive - caminha para a fazer valer por si mesma, um cinema a caminhar de volta ao mudo. Uma estrelaUma estrelaUma estrela½ Carlos Antunes



The Wolverine (2013), de James Mangold


The Wolverine não pode escapar ao terceiro acto dos "filmes de super-heróis" em que combate uma grande máquina e prepara algumas hipóteses a serem exploradas nos próximos filmes. Até aí, em contrapartida, investe seriamente num drama sobre um personagem, sem o mero propósito de fechar um arco de acção para logo deixar outro em suspenso. Fá-lo sem desleixo para a componente de entretenimento que deve gerar mas sem abdicar do tom que o filme deve ter. Com James Mangold ao leme, a realização e a montagem são quase revolucionárias por serem tão ponderadas para um blockbuster de acção. Um investimento de duas horas na construção de um herói em vez de um mero rimbombar de acção (como era o péssimo X-Men Origins: Wolverine) mostrando que pode haver - tal como devia sempre ser - um pensamento a médio prazo neste tipo de sagas. Uma estrelaUma estrelaUma estrela½ Carlos Antunes



Paixões Proibidas (2013), de Anne Fontaine


O problema principal da realização de Anne Fontaine é um excesso desejo de compor cada imagem como se fosse um quadro, uma abordagem mais ou menos estilizada, com recurso a alguns slow motions e uma banda sonora melancólica que é transversal a todo o filme. Mas pega num interessantíssimo conto de Doris Lessing e explora-o sem nunca lhe atribuir julgamento (frequentemente sentimos a sensação que algo negativo vai acontecer, a eventualidade de um conflito, que raras vezes chega a acontecer efectivamente), apesar das complicações que o mundo social facilmente lhe impõe. Não é polémico como muitos afirmam, já que explora as convenções do melodrama de um modo absolutamente natural e sem ser exibicionista, pelo que o julgamento vem do espectador por si só (dependendo dos seus conceitos sociais e morais) e nunca do produto da realizador. Naomi Watts e Robin Wright (duas das actrizes mais notáveis da sua geração) fazem um trabalho incrível e comovente, simultaneamente forte e frágil, mesmo quando a narrativa proporciona alguns momentos desconcertantes, com as suas pequenas reviravoltas. Uma estrelaUma estrelaUma estrela½ Tiago Ramos

Um drama de enorme maturidade assente em temas que estão muito para lá da sexualidade mais ou menos expressiva dos corpos - e cuja expressão última poderia ter sido totalmente ignorada pelas imagens. Do tipo de relacionamento que se deve manter entre pais e filhos à inércia do conforto instalado, os temas conseguem colocar de lado a dúvida sobre se isto se passaria num universo realista em que os corpos não fossem todos esculturais - se eles são "jovens deuses" como diz a personagem de Robin Wright, elas são mulheres para lá do conceito de idade. O academismo de Anne Fontaine que costuma testar a paciência do público serve muito bem o filme, permitindo que Naomi Watts e Robin Wright tenham o tempo para se exprimir com as expressões e os gestos. São duas das melhores interpretações que veremos este ano e ajudam a substanciar a ideia de que, ao passar à língua inglesa, a realizadora reencontrou o fôlego que lhe faltava desde Nathalie.... Pena que os diálogos, sendo do mais arriscado que o filme tem, sejam encarados por boa parte do público com risos de quem continua desconfortável em encarar de frente os temas tratados. Uma estrelaUma estrelaUma estrela½ Carlos Antunes



As Vidas de Arthur (2012), de Dante Ariola


Arthur Newman é um romance em modo road movie entre duas personagens danificadas por dentro e em vias de se consertarem uma à outra. O género de filme que o cinema indie (ou das franjas dos estúdios que recebem menores orçamentos) cristalizou e depois gastou. A diferença aqui estaria em Colin Firth, com uma personagem já longe da inconsciência livre dos anos da juventude, antes com a motivação opressiva da idade e das responsabilidades. Mas a personagem dele, em viagem, tem a mesma inconsciência do seu próprio passado que têm aqueles que ainda não viveram o suficiente para o criar. Aliás, é o abandono cruel e irreflectido desse passado que coloca as vidas de Arthur em andamento, mas o filme prefere torná-lo numa figura acarinhável em vez de lidar com a sua crueldade. A busca de viver vidas "alheias" como maneira de fugir à sua torna-se nada mais do que matéria para o filme se aproximar de uma comédia romântica em vez de um tratamento sincero da(s) personagem(ns) e dos seus problemas. Uma estrelaUma estrela Carlos Antunes



A Malta e Eu (2012), de Michel Gondry


Depois de uma incursão pelos terrenos do blockbuster com The Green Hornet (2011), Michel Gondry regressa à originalidade e plasticidade que lhe são muito características. Com A Malta e Eu apresenta um magnífico exercício, de difícil definição quanto ao género (anda ali entre a ficção e o documentário), mas por exemplo bem mais próximo de um filme como Be Kind Rewind (2008), quando ligado ao seu contexto social. É um retrato de personagens ou pelo menos personagens-tipo, já que raramente entramos no terreno das individualidades, mas mais no do realismo social e atento às complexidades das figuras juvenis. Uma estrelaUma estrelaUma estrela Tiago Ramos

Um microcosmos onde toda a dinâmica do liceu pode estar encerrada e sob pressão, com esporádicas interacções com o exterior de si mesmo. Michel Gondry encontrou o confinamento perfeito para um drama da juventude em confronto com os outros e, depois, consigo mesma. Não se trata do "nós" e do "eu", mas do movimento do "nós" para o "eu" (até porque The I é o nome do capítulo final do filme), num percurso de isolamento que segue, naturalmente, as várias paragens do percurso do autocarro. Os estereótipos vão ganhando realidade e substância, negando uma redução do liceu a algumas expressões humanas estanques. Fica apenas uma impressão menos positiva, que o movimento do grupo para a individualidade a poder ser melhor urdido, sobretudo no que toca àquele primeiro capítulo, The Bullies, em que os comportamentos se repetem e que facilmente poderia ter sido unido ao seguinte, The Chaos. Até porque um percurso de autocarro de quase duas horas para chegar da escola a casa começa a parecer um exagero. Uma estrelaUma estrelaUma estrela½ Carlos Antunes



Porno Caseiro (2012), de Franck Gastambide


Há muitas opiniões sobre qual a nacionalidade europeia que tem o mais difícil humor de partilhar com o resto do continente, mas pela amostra de Porno Caseiro o humor (socialmente?) moderno Francês merece o prémio de ser absolutamente intraduzível. O que não impede que seja, também, execrável. Recorrendo ao básico e cultivando o nojento, o filme coloca umas figuras parelhas do Da Ali G Show a cumprir - ou a levar mais longe - os acontecimentos que The Hangover deixava para as fotografias, colocando de permeio uma qualquer forma absurda de comentário social. Quando até gags absolutamente racistas - uma mulher de burca vai contra um poste - são usados para preencher tempos mortos tem de se concluir que esta comédia nada tem de popular mas tem tudo de metencapto.  Carlos Antunes

Um daqueles filmes absolutamente terríveis, sem objectivo e que nem na sua aparente intenção de divertir é bem-sucedido. Com gags de mau gosto (onde nem a presença estereotipada de anões é dispensada) e um humor que tenta ser transgressivo, mas é apenas ridículo. Uma estrela Tiago Ramos

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