Já tinha realizado duas curtas-metragens de ficção e uma longa-metragem documental, em co-realização, mas foi com Um Fim do Mundo que o lisboeta Pedro Pinho se deu a conhecer ao mundo. Quase literalmente, já que a sua antestreia mundial foi no Festival de Berlim 2013, numa sala com 1200 pessoas e onde, pela primeira vez, os actores viram o filme.

Porquê então Setúbal e não uma qualquer outra cidade? «Tenho uma relação familiar e pessoal com a cidade. Quando imaginei o projecto, pensei-o em Setúbal, na altura em que estavam a construir vários empreendimentos turísticos em Tróia. Mas a Filipa Reis [realizadora de Cama de Gato e produtora de Um Fim do Mundo] foi convidada a concorrer a um concurso da Câmara de Municipal de Setúbal e como conhecia este projecto, convidou-me».
Para o filme, uma ficção assumida, escolheu não-actores. «É uma opção com a qual simpatizo. Neste caso, para evitar o excesso de postura e o excesso de trabalho a partir das personagens, uma série de maneiras de agir e encenar, muito próprias dos actores. As coisas eram muito construídas na relação, durante a rodagem. Os actores não tinham os dados todos do que ia acontecer. Ia dando informações, de maneira a que alguém pudesse dizer alguma coisa que eu pedisse, mas os outros não sabiam e teriam que reagir, como reagem naturalmente. Havia lugar para o improviso, para o imprevisto». Quase parece um documentário, estão estas pessoas reais a encenar-se a elas próprias? «São personagens ficcionais que incorporam factores e traços da vida real dos actores. Os actores não se conhecem nos mesmos moldes do filme, são personagens criadas, mas aproveitando algumas características próprias.»
Um Fim do Mundo é um filme colectivo, assinado por Pedro Pinho. «Um método de trabalho que partia de um esqueleto narrativo base e depois, em contacto com as pessoas do bairro, onde iríamos filmar, construirmos o resto da história. Isso aconteceu com o Fim do Mundo e Cama de Gato» [de Filipa Reis e João Miller Guerra] - dois filmes que contêm algumas cenas complementares entre si, das mesmas pessoas, das mesmas histórias, do mesmo local e que estrearão em sala em conjunto. «Ao mesmo tempo que estávamos a ensaiar com os não-actores e a escolher as pessoas que iriam trabalhar no filme, estávamos a construir a dramaturgia das personagens e a acabar o argumento do filme durante o processo».
«Eu tinha um guião escrito no início da rodagem, que foi cumprido», diz-nos Pinho. «Mas é um guião sem diálogos. Tem algumas frases, alguns pontos por onde os diálogos deviam passar, mas a personalidade não está lá. Os diálogos foram improvisados. Os actores eram obrigados a responder às solicitações que nós fazíamos e acabavam por improvisar a partir do que era pedido».
Porquê então o preto e branco? «Desde o início do projecto que quis logo que fosse a preto e branco. Porque o filme tinha que ver com uma intimidade e proximidade que o preto e branco melhor podia seguir, assumindo o registo minimalista da narrativa. Interessava-me aceder a esse lado mais íntimo e mínimo das relações, olhares, tensão e do ambiente, de sentir-se aquela sensação de suspensão temporal e eu achei que com o preto e branco se tinha mais facilmente acesso a isso: reduzia o ruído da cor. Com a cor, o espectador sente-se mais influenciado».
Um Fim do Mundo estreará em sala comercial em Portugal, a 7 de Novembro, em Lisboa no Cinema City Alvalade e em Setúbal, no Auditório Charlot. No Porto, haverá uma única sessão, em data a anunciar, no Passos Manuel. Em complemento estrearão as curtas-metragens de Filipa Reis e João Miller Guerra, Cama de Gato e Bela Vista. «Para mim é importantíssimo estrear em sala. Isto é um final lógico de um processo de trabalho. É pena que seja tão raro. Cada vez há menos salas, há cada vez menos circuitos de distribuição e os públicos também estão cada vez mais desligados por desconexão entre si. O meu outro filme passou em muitos sítios em Portugal, mas não estreou comercialmente em sala. Cada vez é mais difícil que isso aconteça e é extremamente frustrante: estás a trabalhar um ano ou o que for, mesmo que seja bem recebido, que vá a festivais e que receba prémios, depois não chega a estrear. Não há salas para receber esses filmes e não faz sentido. São investimentos demasiado grandes para que as pessoas não tenham acesso acesso a isso. Eu acho que há pessoas, não há é trabalho para fazer chegar esses filmes às pessoas».
Pedro Pinho assume ainda que «o problema maioritário é de articulação entre a produção e a distribuição. Enquanto houve produtores que tenham a cadeia de produção, exibição e distribuição, os filmes circulavam. Agora está tudo muito desarticulado, não há relação entre os produtores e os distribuidores, entre os distribuidores e os exibidores. Está tudo divorciado e a cadeia não funciona. A ZON Lusomundo nunca quer passar os filmes que fazemos. Estão uma semana e, se não fazem um número mínimo de espectadores, saem. Mesmo que na semana seguinte estreie lá um filme americano, que tenha ainda menos espectadores. Mas eles não querem saber disso. Compram tudo em pacote, é mais barato, têm contratos com distribuidores americanos onde têm que exibir aquilo, mesmo que não tenham espectadores. É um ciclo vicioso».
Até ao fim do ano, Pedro Pinho termina a montagem do seu próximo projecto. É um documentário, chamado As Cidades e as Trocas. Um filme «à volta dos fluxos económicos, provocados pelo desenvolvimento da indústria do turismo e todas as mudanças de paisagem - humana e física - que isso provoca». Até lá está agora ansioso pela estreia comercial de Um Fim do Mundo, mesmo que veja o futuro à sua volta, como nos disse, «um bocado sombrio».
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