segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Semana em Crítica - 26 de Setembro

Like Someone in Love (2012), de 


Não é de imediato que se sente Kiarostami neste filme, seduzidos por uma abordagem lindíssima à circulação pela noite de Tóquio que faz lembrar os esforços digitais de outros realizadores. A verdade é que será a cidade a causa maior dessa sensação, impondo-se naqueles reflexos que o realizador capta em torno do rosto de Rin Takanashi. A cidade não chegará a ser uma personagem, mas durante aquela cena tem uma presença inesperada que o resto do filme tratará de apagar - o que chega a ser um problema identitário do filme - enquanto relembramos os métodos de compelir à conversa de Ten e reencontramos aquele tempo para respirar que Kiarostami concede às personagens que dele precisam para mostrar que já tinham vida para lá dos acontecimentos confinados no tempo da narrativa. Com o feito adicional do realizador ter transformado Tadashi Okuno num protagonista de genial sabedoria sem que ele o soubesse. Uma história de identidades cujo entendimento se apressa ou se demora sempre por culpa do peso dos outros sobre as personagens e com um final que fala eloquentemente de como a realidade perturbada pela difracção do olhar pode terminar com violência.
Apesar de serem belíssimos filmes os que Kiarostami faz fora do seu país, não deixam de ser momentos de adaptação a condições estranhas (de várias ordens) ao realizador. Mas têm sido passos firmes que, com mais calorosas ou comedidas reacções, permitem esperar obras sempre melhores dos seus périplos que não parecem poder terminar para já. Uma estrelaUma estrelaUma estrela½ Carlos Antunes

Um novo filme de Abbas Kiarostami é sempre um dos eventos cinematográficos do ano. Depois de Itália, o iraniano viaja ao Japão e capta através da sua lente algumas das idiossincrasias do país. Perdoem-me o cliché da associação, mas aqui Kiarostami - que mantém a sua notável assinatura - remete ainda mais para Ozu, com a sua câmara estática, atenta ao ambiente circundante e uma mise-en-scène bem cuidada. Faz ainda uma curiosa ligação temática com o seu antecessor, Copie conforme, quase como uma extensão do mesmo. Permite-se a um intrincado puzzle, por vezes ambíguo e repleto de metalinguagem, sempre com o tema da encenação, do amor e da obsessão. Mudam os actores, mas as personagens são as mesmas. Kiarostami é o mesmo: elegante, atento, adepto do(s) jogo(s) de associações, de histórias dentro de histórias, do artificial, do encenado, da solidão e do amor. Uma estrelaUma estrelaUma estrelaUma estrela Tiago Ramos


Diana (2013), de Oliver Hirschbiegel


Perto do seu fim, percebemos que há um lado corajoso neste filme que é assumir por inteiro o seu tom sensacionalista e não tentar ser mais que uma visão romanceada do que aconteceu com a Princesa Diana nos últimos dois anos da sua vida. O problema é que entre uma montagem apressada e episódica, uma realização demasiado deslumbrada com a "normalidade" da vida de uma presença e um argumento açucarado e sobretudo, muito pouco credível, fica ali desperdiçada (mais) uma excelente composição de Naomi Watts. Watts é Diana, não há sombra de dúvida. Capta-lhe os jeitos, a voz, mas não a torna num mero boneco (como havia feito Meryl Streep com a sua Thatcher) e dá-lhe uma personalidade e vivacidade próprias. Pena que depois tudo caia por terra quando o argumento insiste em dar-lhe um ponto de vista demasiado tolo e pateta, desperdiçando os melhores momentos que o filme tem (pena que sejam poucos e muito breves) - aqueles que envolvem o seu trabalho humanitário ou aqueles, mais curiosos e impressionantes, que evidenciam uma manipulação fabulosa da imprensa. No final fica a certeza de um desastre e a tristeza por a oportunidade de retratar no cinema uma mulher tão interessante, ter sido tão gravemente desperdiçada. Uma estrela½ Tiago Ramos



Ouro (2013), de 


Fala-se em Nina Hoss como referência mais fácil, mas o verdadeiro protagonista de Gold é o grupo. Personagem central que vai da formação à extinção, com todo o complexo percurso de deterioração a ser feito ao mesmo tempo do percurso pela paisagem americana. Arslan explora a realidade de como o sonho - que, sabemos de antemão, se tornou na ilusão de muitos - só pode chegar a funcionar para algumas personalidades: sobretudo aquelas que já nada têm para colocar no seu lugar. Tudo aumentado por serem forasteiros agarrados a convenções de um "velho Continente" que nunca poderão carregar até ao Klondike. Não se trata de um western, mas de uma espécie de confronto sociológico com o cenário do mito, o que faz com que aqueles dois pistoleiros em perseguição de Carl (Marko Mandic) sejam o elemento estranho a um confronto que é do grupo com os problemas quotidianos da aproximação ao ouro. As dificldades da viagem a fazerem as vezes da dificuldade da adaptação a uma vida comum. Uma estrelaUma estrelaUma estrela½ Carlos Antunes



De Coração Aberto (2012), de Marion Laine


Uma pena que a união no cinema de dois actores como Juliette Binoche e Édgar Ramírez tenha acabado por ser desaproveitada. Para o seu incrível talento interpretativo, o argumento reserva-lhes algumas cenas intensas (e também cheias de lugares comuns, como o chavão do cirurgião alcoólico), erroneamente ciente que pela sua força dramática é suficiente para sustentar todo o arco narrativo. O sentimento de descalabro e espiral descendente que a vida das personagens sofre ao longo da história é também ele reflectido para o espectador, mas no mau sentido - sentimos que também o filme entrou num ponto sem retorno e que se tornou totalmente dispensável.  Uma estrelaUma estrela Tiago Ramos



2 Tiros (2013), de 


Pode ser uma ideia que se repete a cada novo filme e que durará apenas até que outro deste filmes surja, mas aqui vai: Denzel Washington e Mark Wahlberg fazem a melhor dupla de buddy cops desde há muitos anos! Ou, lá está, nem tantos assim se nos lembrarmos que até era Wahlberg quem protagonizava The Other Guys. Seja como for, 2 Guns sabe explorar todo o humor que faz sentido na dinâmica entre as duas personagens e, com isso, gerar uma química muito intensa entre os protagonistas. Com o realizador a servir essa química com um trabalho competente e que não se tenta evidenciar, o filme consegue gerar um sentimento de verdadeiro prazer de um filme que pouco parecia ter para se distinguir de entre os vários que apenas preenchem os ecrãs. Com o benefício acrescido do seu cenário realista - emigração, tráfico de droga e agências governamentais - se dar a leituras mais sérias sob essa camada de humor eficaz. Uma estrelaUma estrelaUma estrela Carlos Antunes





Uma das melhores estreias da semana chegou com quatro anos de atraso e mereceu apenas uma exibição discreta em duas cidades do país (e curiosamente não foi Porto nem Lisboa). Prova-se aqui o que venho há alguns anos a afirmar: há muito bom cinema brasileiro a descobrir, porque não chega ele a este lado do Atlântico, nem que seja pela justificação da língua ou pela relativa proximidade das culturas? Dois dos mais notáveis realizadores contemporâneos do Brasil juntaram-se para criar um road movie num formato documental ficcionado, de tom impressionista e existencialista (mas nunca presunçoso). Belamente estruturado e, em última instância, puro, fornece uma reflexão única, singular e comovente, do amor e da perda. Uma estrelaUma estrelaUma estrelaUma estrela Tiago Ramos



A Minha Vida Dava Um Filme (2012), de  e 


Teria de acontecer um dia, que um dos filmes desta dupla não conseguisse manter o fascínio de vir quebrar as regras dos géneros mais comuns a Hollywood com um humor irreverente e nada domado. Em a Girl Most Likely parece ter-lhes faltado a centelha de prazer que conseguiam encontrar em transformar material alheio em algo de seu, a que não deve ser estranho o facto de trabalharem sobre um argumento alheio. Um argumento que é tristemente formulaico, perfeitamente indistinto de outras tantas versões da descoberta de identidade no seio de uma família disfuncional, de tal maneira que as curvas surpresa que o argumento deveria conter - a questão do agente secreto ou a cena final com a carapaça, por exemplo - acabam por ser dos mais previsíveis momentos do filme. Por mais que Kristen Wiig teve avivar os seus diálogos ou que Annette Bening dê o tom exacto à extravagância da sua personagem, não conseguem escapar ao peso desse argumento. À parte duas cenas de diálogo tão irreverentes quanto subtis - ambas passadas a mesas de refeição, curiosamente - e que parecem ter sido improvisadas por Wiig e os realizadores, o filme parece pertencer a meros tarefeiros, que nenhum dos três é. Uma estrelaUma estrela Carlos Antunes






Estamos perante um notável elenco feminino, é verdade. Mas do talento evidente de Elizabeth OlsenCatherine Keener e Jane Fonda, pouco sobra, já que o argumento se resume a um conflito de gerações e de filosofias, já revisitado demasiadas vezes no cinema, pelo menos neste tom excessivamente formulaico e romanceado. Tem mais uma vez a sua simpatia, dada a energia empregue pelas suas actrizes (a composição de Fonda é curiosa e Keener consegue dar muito, com o pouco que lhe é dado), mas ainda assim não consegue libertar-se da formatação do género. Uma estrelaUma estrela Tiago Ramos

Uma má coincidência, que este filme consiga demorar dois anos a estrear por cá e depois consiga calhar na mesma semana de Girl Most Likely fazendo com que ambos recordem ainda mais o quanto estes modelos estão gastos. Por serem tão semelhantes naquele refazer da relação entre mãe e filha, com acusações permanentes de um lado e sabedoria do falhanço do outro. Aqui esse conflito tem duas gerações mas abusa dos estereótipos: são hippies contra yuppies e vegetarianos contra talhantes que acabam por se reconciliar com uma enorme ajuda do neto/filho/irmão que realiza um comovente filme a partir dos momentos familiares que foi filmando. O elenco feminino é bom, mas tanto esse como a sua contraparte masculina foram justapostos a papéis que parecem a repetição do que os mesmo actores já tinham feito. Uma chatice que, ainda para mais, ficou com um nome de comédia romântica tola - Outras Confusões deveria ter ficado como Desentendimentos à falta de proposta melhor - que cala a importante referência musical do original. Uma estrelaUma estrela Carlos Antunes



A Deusa (2013), de 


Um musical sem nada de extravagante senão a sua origem. Se faz um pouco de postal cinematográfico ao colocar dois britânicos bem conhecidos na Tasmânia, isso é algo que não se leva a mal porque o filme não pretende ser mais do que uma animada visão do conflito (ainda activo) sobre o papel da mulher na sociedade com a inclusão de detalhes da moderna fama por via tecnológica. Um feel good movie que concretiza essa sua missão e que merecia mais divulgação perante um público que tem disposição para este género de produções como demonstrou com algo bem menos interessante como Mamma Mia!. Único lamento, que o filme não explore mais o lado realista da encenação musical que está na origem de toda a história. Já agora, alguém deveria fazer de Laura Michelle Kelly uma protagonista a tempo inteiro, pois o seu talento (de muitos anos no teatro musical) transparece com notória facilidade. Uma estrelaUma estrelaUma estrela Carlos Antunes

É um daqueles filmes simpáticos que chegam quase sempre desapercebidos (que é como quem diz, basicamente sem promoção) às nossas salas de cinema. Nada tem de inovador, mas tem uma graça e singularidade especiais, ainda mais porque a sua protagonista, Laura Michelle Kelly, evidencia talento (vocal e não só) a cada instante em que ocupa a tela. Comédia romântica que apresenta aquele conflito familiar comum, no que diz respeito aos papéis do homem e da mulher no casamento. As músicas são boas e divertidas, mesmo que as situações nem sempre tenham a graça que podiam ter - parece que às vezes são tristemente desaproveitadas. Contudo é a simplicidade do sue tom que lhe concede a (merecida) simpatia. Uma estrelaUma estrela½ Tiago Ramos

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