O nome de Lars von Trier tornou-se aparentemente quase indissociável da palavra marketing, não só por culpa do próprio, mas também por conta da máquina promocional que se aproveita do seu próprio potencial polémico. Daí não vem mal maior, por si só, mas permite avaliar um dos motivos para muita da incapacidade de apreciar o produto isolado do seu autor. Isto para dizer que Nymphomaniac, desde o seu processo de pré-produção, esteve sempre rodeado desse burburinho que parece ser cada vez mais atreito, directa ou indirectamente, ao realizador dinamarquês. Uma dessas decisões que advêm do marketing correspondeu à divisão do filme em duas partes e por isso sim, de sumária importância analisar. Isto porque logo no início, ainda a tela está a preto - e assim continua por alguns minutos - é-nos anunciado que essa mesma divisão foi feita com autorização do realizador, mas alheia de certo modo à sua vontade. "Sem o seu envolvimento", como que a avisar-nos que aquilo que estamos prestes a ver, não era necessariamente aquilo que o seu autor queria que víssemos. Daí que se torna difícil avaliar esta primeira metade por si só - atendendo ao facto de ser isso mesmo, uma metade de um filme, para além da óbvia questão moralista da censura.
Na verdade, o filme é propenso a menos polémica do que a sua própria campanha de bastidores sugere, já que apesar de ter o sexo como óbvio e claro tema transversal, parece mais inclinado a ser um interessante estudo filosófico e psicológico acerca das motivações humanas. E esse estudo é o que faz do filme, simultaneamente, o mais e o menos interessante. Porque teoricamente e na sua ambição, Nymphomaniac tinha de facto tudo para resultar, tendo como principal recurso a vontade de criar uma espécie de charada com o espectador. Essa charada, repleta de metáforas (é o filme ele mesmo, uma delas?), que faz inteligentes (?) associações entre o sexo e a pesca, entre o sexo e a sequência de Fibonacci ou entre o sexo e a música de Bach. É um jogo válido, uma brincadeira interessante e altamente teórica, que embora merecedoras de atenção individualmente (nem que seja por uma mera e simpática curiosidade), acabam por perder a sua força em todo o conjunto. O exagerado didactismo das intervenções e que teimam em explicar em demasia o significado por detrás das metáforas tornam todo este primeiro volume uma amálgama de conceitos, uma enciclopédia visual, que se torna demasiado bizarro em alguns momentos. A insistência nessa estrutura de capítulos propicia ainda mais o sentido dessa intenção (ou casualidade?), que faz permanecer a dúvida se estamos perante algo forçado, genial ou genialmente forçado. É a mística de Lars von Trier em acção que, dentro e fora da tela, permite esse jogo de aparências, fazendo voltar a à apreciação inicial: é o filme indissociável do seu autor?
Ainda assim há que admitir que este Ninfomaníaca: Volume 1 permite-se a momentos divertidos e curiosos, dotados dessas invulgar manipulação do espectador, fazendo-nos sentir constrangidos (mas nunca chocados) não necessariamente pelo que estamos a ver, mas pela forma como o tema nos é apresentado. E estamos rodeados de momentos (in)voluntariamente divertidos, com destaque para o clube das jovens, com a máxima "Mea vulva maxima vulva" ou a brilhante sequência protagonizada por Uma Thurman, genial na intenção passivo-agressiva do seu autor. Nota ainda para a brilhante Stacy Martin, uma revelação na forma ambígua como se passeia entre a sua ingenuidade e a sua intensa sexualidade.
Até agora e ironicamente, o primeiro volume de Ninfomaníaca é divisivo na apreciação, não sabemos ainda se por conta do objecto ou da sua estrutura forçosamente bipartida. Mas na realidade, de chocante, apenas a inocuidade do produto. Espera-se pelo segundo volume.
Sem comentários:
Enviar um comentário