domingo, 29 de março de 2015

Procurando por uma despedida: Um adeus (forçado) a "Looking"

Por Walter Neto, cinéfilo, licenciado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de Coimbra com ênfase em Cinema.


“I wish I was a more secure person, but I’m sorry. I’m not.”

Aquele que provavelmente é o último capítulo de sempre acaba e me pego imediatamente pensando em um livro que li há algum tempo – ainda que somente o tenha descoberto pela capa. Engraçado estar pensando mais em Arlington Park, o livro; que em Looking, a série. Mas aquele diálogo vai me assombrar por muito tempo ainda.

A insegurança e falta de confiança na minha própria identidade sempre foi meu demônio mais familiar. Minha batalha mais constante. E talvez tenha sido exatamente tal problema que fez com que eu me identificasse com Patrick (Jonathan Groff) e me fizesse seguir literalmente seus passos nesta season/series finale.

Looking, assim como seu protagonista, sempre sofreu pela busca de sua própria identidade como seriado e consequentemente, seu lugar na opinião pública. "Girls com gays" e vários outros termos foram usados para definir o programa que lutou para se entender com o seu próprio formato: os 30 minutos comuns a comédias e ao reduzido número de episódios de uma produção para a TV fechada, algo em torno de 10 episódios. Mas ao longo da segunda temporada, o problema com o ritmo, plots secundários e outros vários foram resolvidos, dando lugar a um programa infinitamente mais maduro e consciente de seu objetivo: retratar a diversidade e complexidade da vida daqueles amigos em uma São Francisco que poderia ser qualquer outra cidade. O que é ser gay em um mundo onde o tema está constantemente em debate? Independente se pelos motivos certos ou errados estamos falando sobre o assunto, mas o que estamos falando? Qual é esta identidade por trás da G-word.

“I am completely talked out.”

É assim que Patrick se reaproxima de Richie (Raúl Castillo) nesta finale e é assim que Agustin (Frankie J. Alvarez) se entrega ao seu relacionamento com Eddie (Daniel Franzese) superando suas inseguranças em relação ao fato do parceiro ser seropositivo. As inseguranças existem, o medo de uma eventual contaminação, a falta de informação, tudo está presente. Mas o que ele sente é mais forte e isso deve ser vivido até as últimas instâncias. Don, o mais velho, mas ainda assim, um dos que mais precisava crescer, entende que não poderia continuar vivendo em um casamento com a sua amiga Doris (Laureen Weedman) e que deveria aprender, por mais difícil que fosse, a andar com suas próprias pernas e honrar o legado do pai para quem nunca pode sair do armário.


Como o videojogo criado por Patrick e Kevin, estereótipos da comunidade LGBT são revirados, recriados e abordados em Looking para que a série consiga cumprir a difícil e ingrata missão de retratar o quotidiano. Ativos, passivos, ursos, soros positivos e negativos, monogâmicos ou não, e por fim até o “gay-home wrecker”, todos ali para fazer da suporta diversidade da atual programação da TV realmente diversa.

Volto a pensar naquele livro, e faço isso por que assim como em Looking seu final é marcado com uma grande mudança física. Lá, Juliet, mãe de dois e casada, se vê cansada não de sua vida, mas de explicar porque está cansada... “I am completely talked out.” De novo esta fala… assim sem nenhum tipo de planejamento, ela caminha para um salão e pede para que lhe cortem o cabelo. – TODO. – ela diz. Patrick faz o mesmo. E o mais simbólico é que isso seja feito por Richie, com quem nunca teve realmente chance de colocar todos os pingos nos i’s. Assim, Richie finalmente consegue cortar o cabelo do homem para quem ele mais se entregou.

É estranho pensar que é justamente com este tom de “inacabado” de “decisões para se tomar” que Looking se despedirá de seu público, ainda que um especial tenha sido prometido para concluir as histórias de Patrick, Don e Agustin. Há claramente um fôlego final para a história, embora acredite que um especial não será suficiente para terminamos aquilo que começamos a acompanhar: o crescimento daquelas pessoas, principalmente de Patrick.

É de senso comum que não temos como organizar a narrativa da nossa própria vida, as coisas vão acontecendo e vamos vivendo sem ser possível saber até quando. Por isso, nunca vi problema com histórias que terminam em cliffhangers ou com final em aberto. Exatamente assim é a vida e a arte não tem feito outra coisa senão imitá-la. Mas Patrick precisava de mais tempo que um dia morando com Kevin, Agustin também precisava de tempo, mas para lidar com suas inseguranças em relação a saúde do namorado e Don para reformar o lugar onde abrirá seu primeiro negócio. Já nós, precisávamos de mais tempo para nos prepararmos com a futura ausência destas histórias. E assim, caso o cancelamento seja mesmo irrevogável, Looking terminará com sua história não resolvida, algo contra o que seus próprios personagens lutaram durante as duas temporadas do programa.

Nada pior que conviver com o peso dessas irresoluções. Nada pior do que nos confrontarmos com nossa própria imobilidade. Com a insatisfação crónica que nos impede de crescer e seguir em frente. Com Richie ele não estava pronto, eram muito diferentes um do outro. Com Kevin não estão no mesmo lugar quanto a monogamia. Há e sempre haverá um problema, sempre haverá uma questão, um motivo para desistir e é isto que Patrick ainda não entendeu e é provável que ainda leve um tempo para entender.

O ato de cortar o cabelo, naquela que para mim será uma das cenas do ano, em Looking, ou em Arlington Park, sempre me seduziu. Naquele ato está a clara declaração de que ao menos sobre o cabelo exercemos algum controle. Eles decidem o que fazer com o cabelo, já que na vida não parecem ter o mesmo poder. E assim, externalizam uma necessidade, interna, de mudança, de recomeçar. E como é justamente a identificação que nos prende a esses personagens e histórias, assim como Patrick e Juliet também raspei meu cabelo pouco antes de escrever este texto por também me deparar com uma situação da qual não conseguiria sair apenas falando a respeito. Algo precisava ser feito e algo foi feito.

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