domingo, 5 de abril de 2015

A Ilha de Giovanni, por Carlos Antunes



Título original: Jobanni no shima
Realização: Mizuho Nishikubo
Argumento: Shigemichi Sugita, Wendee Lee, Yoshiki Sakurai
Elenco: Aleksandr Golovchanskiy, Natalie Hoover, Masachika Ichimura


Afirmar que o contexto histórico é o mais chamativo n'A Ilha de Giovanni não implica desde logo desprezar os resultados gráficos ou narrativos do filme. Antes compreender que os momentos em que a história das duas crianças interage de forma mais modesta com a História poderosa e desconhecida do Japão pós-Segunda Guerra Mundial.
A transformação que a inocência das crianças pode ter no espectro das relações entre ocupantes (Russos) e ocupados (Japoneses) não é tema novo mas tem sempre a eficácia de uma perspectiva mais inocente.
O interesse jovem mútuo particularizado pelos dois irmãos e a loira Tanya, gera mesmo uma belíssima cena que termina com um beijo no pátio da escola.
Nessa cena o realizador resgata uma música - Katyusha - que aprendemos a associar ao Exército Russo e ao belicismo (era a alcunha de várias peças de artilharia) e devolve-lhe o sentido original na voz de crianças de ambas as nacionalidades cantando em uníssono.
A ternura e o entendimento - até linguístico - que pode surgir por entre o choque dos povos sugere um olhar que tem algo mais além da inocência, como um revisitar dos frutos daquele período feito à distância temporal de muitas décadas. Algo que se pressente na discussão sobre a electricidade que os Russos trazem à ilha.
Só que mais adiante os dois irmãos são levados da ilha e o filme deriva para uma fuga melodramática entre campos de concentração que reduz por completo os opositores a figuras vagas de arma em punho e sem tempo para compaixão.
O filme abdica da potencial construção dramática que vinha da primeira metade e se assim foge ao idealismo impossível da reconciliação acaba por ceder ao fantasioso pela via quase aventurosa para carregar os traços de comoção.
Nesta segunda metade do filme as personagens têm mais relevo do que os cenários. Se esses eram o que de mais belo o filme mostrava, o trabalho pouco evoluído - datado talvez seja mais justo - com que lida com as figuras humanas remete para as séries animadas de outrora protagonizadas por jovens à sua própria sorte.
Essa lembrança é, apesar de tudo, menos prejudicial do que a d'O Túmulo dos Pirilampos a que a segunda parte do filme muito se assemelha. Não conviria a este filme ser comparado com a obra-prima de Isao Takahata...
Ainda para mais o elemento fulcral da história que poderia ligar o realismo à dose de fantasia é explicado tarde demais para ter propósito.
A obsessão dos irmãos com comboios e a sua fuga para o Comboio Galáctico só farão sentido imediato para os iniciados na cultura nipónica.
Sem desmerecer o trabalho em torno das músicas populares quer russas quer japoneses ou a coragem na escolha dos temas, este filme deixa uma sensação de falhanço.
Haveria para explorar os problemas das relações entre os próprios japoneses sem sequer sair da ilha e fazê-lo através dos pai e tio de Giovanni e Campanella (uma escolha de nomes que requer uma pesquisa acerca do trabalho de Kenji Miyazawa) e como tal se reflectiria nas próprias crianças.
O argumento opta por adicionar elementos avulsos, como um triângulo amoroso inútil porque sempre adiado.
Voltando ao início, o contexto histório é o que fica com o público que será comovido por traços de beleza e por cenas a puxar ao lamento sem que se veja tais elementos unirem-se para criar um filme devidamente memorável.




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