terça-feira, 13 de outubro de 2015

30 Minute Love Affair - Arrested Development

Por Joaquim da Silva.

Arrested Development é uma das mais progressistas comédias de sempre. Esta série, que contou com três temporadas entre 2003 e 2006, revelou uma nova forma de ver e fazer comédia. Sem a quase omnipresente e profundamente insuportável laugh track, assentou preferencialmente na escrita de diálogo inteligente, subtil, de interpretação dúbia. E é essencialmente nesta última que reside a genialidade da série, que se apresenta ao espectador no início de cada episódio («Now the story of a wealthy family who lost everything, and the one son who had no choice but to keep them all together».) Desengane-se quem acha que vai ser mais uma série de lugares-comuns acerca de ex-ricos a passarem por "situações dos pobres". Apesar de terem perdido tudo, ninguém está disposto a admiti-lo, sendo que se comportam de forma bastante alheada da sua realidade. É esse o ponto de partida de Arrested Development. Contudo, a série é muito mais que uma infindável sucessão de paródias. Oferece uma luz séria sobre a dificuldade de aceitar a mudança, seja essa de estado social, estado civil - Lindsay (Portia de Rossi) e Tobias (David Cross), presos num casamento infeliz, que tentam tudo para fugir ao divórcio - ou apenas o estado de estar. Arrested Development não faz só piadas fáceis. Desde as frases sexualmente dúbias de Tobias, aos delírios de Lucille (Jessica Walter) e ao comportamento infantilizado de Buster (Tony Hale), todos os personagens experimentam situações quase sempre plausíveis, não forçando o comic relief em casos inusitados e com consequências imprevisíveis.

Considere-se por exemplo o desempenho de Portia de Rossi, que dá vida a Lindsay Bluth. Aparentemente fútil e vazia menina rica, que ao longo dos episódios e do desenrolar da trama vai evidenciando uma pluralidade de traços pessoais, como sejam o desligamento emocional do casamento, a busca de um novo amor (tentativas frustradas, típicas da peripécia de uma comédia), a ligação profunda que sente com o irmão gémeo ao mesmo tempo que quase não interage com o irmão mais novo.

Em última instância, Lindsay não é unidimensional, característica comum a todos os personagens principais, que neste ou naquele momento se descolam da sua imagem e revelam uma outra face. Lucille, ácida e distante, que é também uma mãe preocupada; G.O.B. (Will Arnett), o mulherengo inconsequente, é também um irmão disponível, ajudando Michael (Jason Bateman) diversas vezes, em esquemas mais ou menos mirabolantes; Buster, a criança-adulta, que é o mais sensato dos irmãos, que presta atenção real às palavras de Michael. Verifica-se assim profundidade narrativa, essencial para o espectador encadeie os acontecimentos que não são vistos, mas que são necessários inferir quando se analisa o porquê de a situação não piorar drasticamente com cada asneira de cada um.

Quando se abre a janela da piada à interpretação das personagens, forçando-as a tecer comentários e considerações sobre a sua própria condição, consegue-se um tipo de humor inteligente, direccionado a quem gosta de ler nas entrelinhas, de esmiuçar motivações e de encontrar respostas no silêncio, na linguagem corporal, nos elementos cénicos.

Arrested Development é assim uma série à frente do seu tempo, que desbravou horizontes e caminhos, e que deu origem a uma nova face do humor. Arrisco dizer que séries aclamadas como The Office, Parks and Recreation, Modern Family, Veep, e algumas novidades como The Last Man on Earth, partilham desta característica de humor inteligente, focado em acontecimentos plausíveis na vida de personagens com ligação não aleatória - famílias, colegas de trabalho - como mote de narrativa.


Por isso mesmo, é com regozijo que escrevo, com doze anos de atraso: Parabéns, Arrested Development. Michael, Lindsay, G.O.B., Buster, Tobias, George-Michael, Maeby, George Sr., e sem dúvida a minha preferida, Lucille Bluth, e bem-vindos de novo à nossa vida.

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