La grande bellezza impôs-se enquanto objecto cinematográfico ousado, ao apresentar-se enquanto actualização do clássico La dolce vita (1960), de Federico Fellini; uma tentativa evidente de reconhecer Paolo Sorrentino enquanto afilhado espiritual do mestre italiano. No seu mais recente trabalho, Paolo
Sorrentino volta a inspirar-se na filmografia do realizador, mais precisamente em 8½ (1963). Contudo, enquanto a obra de Federico Fellini se preocupava em explorar a natureza da crise criativa de um
artista no topo da sua carreira, a de Paolo Sorrentino foca-se nos eclípticos anos de uma vida e o
sentimento de se ser deixado apenas com um legado. Tudo isto enquanto se mistura a ansiedade
subjacente à tentativa de se ser aceite pela sociedade e uma distracção meditativa. Os floreados
surrealistas do mestre deram lugar a uma abordagem algo inexpressiva, embora não menos absurda,
enquanto a câmara se deambula entre formas humanas, algumas velhas, algumas jovens.
O filme arranca enquanto reflexo brilhante e alegre sobre o que pensamos que queremos quando
estamos demasiado embriagados sentimentalmente, para fazermos escolhas acertadas. Drapeando o
elegante hotel e a sua luxuriante encosta montanhosa com um suave toque de melancolia, faz com que
os nossos arrependimentos e memórias ganhem vida através dos irrisoriamente desenfreados gestos
e palavras da personagem de Michael Caine. Esse suave toque envolve os convidados, na flor da idade, do hotel com viris e núbeis membros do staff, como se a sublinhar a diferença entre paixão e
perspectiva. Ocasionalmente é-nos dado a observar ambos os lados a interagir.
O realizador Paolo Sorrentino deliberadamente recorre a um ritmo lento, de forma a retratar o
tédio e a sensação de rotina que se vive no resort, onde cada uma daquelas pessoas deambula entre
espaços com apenas as suas memórias para lhes fazer companhia. Volta e meia surgem pequenas
variações deste compasso: a relação do protagonista com a filha; o desejo de fazer um filme do
segundo protagonista, bem como a relação com o seu filho; o medo de uma das personagens de ser
para sempre recordado por algo insignificante, um trabalho onde o público nem conseguia ver o seu
rosto. O cineasta alterna entre cenas lentas e explosões emocionais, tal como a curta cena de Jane Fonda ou o monólogo de Rachel Weisz. Ao surgirem por entre cenas onde pouco ou nada acontece, as
cenas de explosão emocional ganham um maior impacto. Por outro lado, a natureza estilizada pode
abrandar as coisas a ponto em que tudo se parece arrastar.
O argumento contém momentos tão subtis como subliminares. Quando a personagem de Paul Dano
finaliza o desenvolvimento da sua personagem, profere as seguintes palavras: «I have to choose, I
have to choose what is really worth telling: horror or desire? And I choose desire. You, each one of
you, you open my eyes, you made me see that I should not be wasting my time on the senseless fear...» Estas palavras não podiam encontrar-se mais desprovidas de subtileza, mesmo que tivessem sido
escritas por Michael Bay.
As personagens secundárias pouco dizem e as suas contribuições tendem a ser concisas e
abstractas. Nada ou ninguém se movimenta, entra ou sai de cena em demasia; a todos lhes foi
atribuída uma posição fixa no tableux vivants do filme, criando um perfeito quadro para a história.
Estilo adquire assim uma importância sublime, sendo artisticamente capaz de elevar o familiar a novas
profundidades.
O método de Paolo Sorrentino é arriscado, bem como é a sua ambição e grandeza no que toca à
execução maximizada de cada uma das suas ideias. Desta forma, os momentos e observações
deliciosas do filme tornam-se ainda mais deliciosas, e os poucos momentos maçantes ainda mais
maçantes, especialmente quando estão demasiadamente elaborados. Com um público disposto a
entregar-se e a perder-se por entre a magia das imagens, o cineasta consegue colocar o foco sobre
questões como: de que forma reagimos e percebemos à passagem do tempo e de que forma o mundo
olha para nós sob esse efeito? Todos estamos interessados ao tempo que passa e ao que fazemos com
ele.
A liderar um elenco de luxo, Michael Caine restringe em si uma existência equilibrada contra o
mundo que o rodeia. O seu lado frio e distante apenas se quebra com a chegada do fime, após um
acidente, que nos remete para o abrupto desenlace de Ida (2013), de Pawel Pawlikowski. Nesse momento, o
seu eventual compromisso trai a resignação das convicções de um rígido homem/marido/pai. Harvey Keitel sempre foi um actor de personagens em busca de uma gradação de versatilidade. A sua última
frase é deveras comovente «emotion is everything», proferida num momento em que se tornara
mártir das suas crenças, após uma fatal traição que abre portas para que as suas emoções
comandem a sua vida uma vez mais. Jane Fonda numa versão larger-than-life de si própria, por entre
uma maquilhagem ridiculamente pesada e um guarda-roupa ousado, apresenta-nos em sete minutos
aquela que é uma das melhores cenas do filme, aquele que é um desempenho mais vistoso.
A imagem, requintadamente cristalina, de Luca Bigazzi dá vida às pretensões de padrões visuais de
Paolo Sorrentino, contemplando os corpos humanos as mesmo tempo crus e abstractos, umas vezes
pátinas artisticamente dispostas de luz e sombra, outras digitalizadas descuidadamente francas.
Estas imagens ajudam o trabalho do realizador italiano a encontrar a profundidade certa na sua
declaração sobre a forma humana durante a juventude e a velhice, a vida e a morte.
A obra não olha para os corpos das suas personagens enquanto frágeis vasos numa galeria. A
imagem mais interessante onde o estado de um corpo se torna um ponto de obsessão surge quando
contemplamos Maradonna, um outrora deus do desporto que agora se arrasta sobre uma massa de
gordura, mas ainda com uma genialidade física remanescente enquanto alegremente pontapeia uma
bola de ténis. Um mundo contido numa sequência de imagens, um monólogo mudo.
Youth consegue a proeza de nos fazer recordar do passado, bem como antecipar o futuro, ao
mesmo tempo que nos mantém completamente de pés assentes no presente perante uma exibição
deslumbrante e sinfónica da emoção humana.
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