Realização: J.J. Abrams
Argumento: Lawrence Kasdan, J.J. Abrams, Michael Arndt
Elenco: Daisy Ridley, John Boyega, Oscar Isaac, Mark Hamill, Carrie Fisher, Harrison Ford, Adam Driver, Gwendoline Christie, Domhnall Gleeson, Lupita Nyong'o, Andy Serkis
“A psique humana é essencialmente a mesma, em todo o mundo. A psique é a experiência interior do corpo humano, que é essencialmente o mesmo para todos os seres humanos, com os mesmos órgãos, os mesmos instintos, os mesmos impulsos, os mesmos conflitos, os mesmos medos.”
Joseph Campbell em O Poder Do Mito
Pouco importa se você tenha nascido em uma vila europeia, ou em algum lugar dos trópicos, ainda que as diferenças culturais existam e sejam muitas, em todos os três casos sofremos as mesmas experiências comuns a condição humana: nascimento, aprendizagem, construção do “Eu”, descoberta sexual, dor, alegria e por fim, a morte. E é em cima dessas semelhanças que a narrativa do mito se constrói- ou seja, da análise de elementos comuns e que se repetem. E ainda, de como eles poderiam ser organizados. Este, talvez, seja o segredo, ou um deles, por trás do sucesso da saga Star Wars – Guerra nas Estrelas, agora em seu sétimo capítulo, o ótimo O Despertar da Força, de J.J. Abrams. A série se estrutura claramente em cima da ideia da jornada do herói/mito para narrar as histórias de um universo tão plural, seja em planetas ou formas de vida, e na dicotomia entre bem e mal, moral e imoral; representados pelo constante combate entre a Força e seu próprio lado negro. Dualidade comum a qualquer um de nós.
Ora, é exatamente isso que o antropólogo Joseph Campbell abordou em suas teorias: a dificuldade de se estabelecer um equilíbrio entre o nosso lado da luz e o lado sombrio, entre a capacidade de uma mesma pessoa fazer o bem e o mal. E a jornada que nos levaria a fazer tais escolhas. Este é o principal ponto positivo do novo elemento da franquia, entre meio a muitas homenagens ao material clássico, Abrams consegue desenvolver seus personagens e seus conflitos de uma forma que o criador daquele universo, George Lucas teve alguma dificuldade. Principalmente, na questionável trilogia que serve de prequela para a série clássica: A Ameaça Fantasma (1999), O Ataque dos Clones (2002) e A Vingança dos Sith (2005), na qual, os personagens escolhem entre um “bem” e um “mal” muito demarcados e nada na narrativa parece ser forte o suficiente para justificar a sua escolha.
Como o filme de Abrams usa e abusa de referências aos filmes anteriores é impossível não comparar O Despertar da Força com seus antecessores. O primeiro ato do filme se preocupa em homenagear e quase recriar planos do Uma Nova Esperança (1977). Se o filme de Lucas já começa com a Princesa Leia (Carrie Fisher), pedindo socorro através de uma mensagem enviada pelo robô R2D2 e ainda nos primeiros minutos de projeção, sendo capturada por Darth Vader, que surge ocupando todo o plano e já se apresentando, não apenas como o antagonista, mas mostrando toda sua obsessão por controle e poder; o filme de Abrams começa com o piloto Poe Dameron (Oscar Isaac) em uma missão para a resistência, procurando pistas sobre o paradeiro de Luke Skywalker (Mark Hemill) e após esconder a chave para encontra-lo em seu robô BB-8, durante uma tentativa de fuga, ele é capturado por Kylo Ren (um maravilhosos Adam Driver, que em poucas cenas sem sua máscara, constrói um personagem extremamente complexo e dividido, cuja vestimenta é uma clara referência a de Vader.). Por falar em referências, Abrams em determinado momento, surpreende ao construir uma clara rima visual com uma cena de Apocalypse Now (1979).
Apocalypse Now, 1979 & The Force Awakens, 2015 |
Os paralelos entre o filme de Abrams e a trilogia original são muitos e talvez este seja o ponto negativo da franquia, não confiar apenas em sua narrativa para remeter ao material canónico, mas ter que criar constantes referências aos filmes clássicos constantemente.
A New Hope, 1977 & The Force Awakens, 2015 |
Basicamente, em O Despertar da Força, 30 anos após a destruição do Império Galáctico, uma nova força surge, a Primeira Ordem, que pretende continuar o trabalho iniciado e não concluído por Vader. Em meio ao fanatismo e obediência cega de seus seguidores que acreditam que tudo o que fazem é para um bem maior – outro paralelo com a realidade, neste caso com governos ditatoriais; conhecemos Finn (John Boyega) um stormtrooper que que recusa a obedecer a ordem de matar inocentes que estavam em uma vila atacada por Kylo e deserta. Boyega se mostra competente em construir um personagem que descobre para que recebera todo seu treinamento e ao ver os horrores da sua ordem, foge, mas não sabe ao certo o que fazer com sua vida. É ele também o responsável por muitos dos momentos cómicos do filme, que foram escritos com competência pelos roteiristas, o próprio Abrams e Lawrence Kasdan, que funcionam como um alívio para o público em uma trama claramente mais pesada e violenta que a dos filmes originais.
Para fechar o triângulo de protagonistas temos a jovem catadora de lixo Rey (Daisy Ridley) que não se lembra de seu próprio passado e descobre possuir em si a Força que até então, acreditava ser apenas histórias contadas pelos mais velhos. Toda a evolução da personagem lembra muito, novamente, o Uma Nova Esperança e a jornada de Luke. E é com seu novo trio de protagonistas, que em parte mais avançada da sua narrativa, O Despertar da Força consiga romper com a obrigação de ser apenas uma homenagem e se mostre como um filme que se sustenta sozinho.
Se Luke, na trilogia clássica, e Anakin, nas prequelas, são atraídos constantemente pelo lado negro da Força; não é um acaso que os dois personagens comecem sua respectiva narrativa num deserto – o mito cristão coloca a passagem de Jesus Cristo pelo deserto e a tentação feita a ele por um demónio como um dos momentos mais importantes de sua história. Mas Kyle já inicia sua narrativa completamente inserido no lado negro, ainda que seja atraído pelo lado da Luz da Força. É uma inversão e um acréscimo extremamente bem-vindo a franquia. E nesses momentos de apropriação e recriação que fazem o filme de Abrams ser tão bom e eficiente.
Basicamente vemos em Kylo e Rey, um novo Luke e Leia. Voltamos, então, ao ciclo do mito/herói criado por Campbell. Para ele, o herói passa por doze passos na sua jornada de descoberta e auto-conhecimento, senso a jornada dividida em três momentos principais: partida, iniciação e retorno.
Rey , por exemplo, não se lembra de seu passado, mas vive presa em seu planeta, esperando o retorno de uma família que ela não conhece ao certo. Graças ao seu encontro com BB-8 ela é chamada à aventura e ao seu destino, o que inicialmente é recusado e só após encontrar seu mentor, um velho Han Solo (Harrison Ford) ela rompe com seu mundo e embarca, ainda que relutante em sua missão. Durante sua jornada, encontra em Finn um parceiro e vê em seu confronto final com Kylo – uma sequência de luta com sabres de luz de deixar para trás qualquer filme clássico da série, um motivo para aceitar seu papel na Força e já transformada levar o público a resolução do mistério: onde está Luke Skywalker.
O saldo final não poderia ser mais positivo, para fãs antigos e para aqueles que ainda engatinham no universo criado por George Lucas, mantendo um ritmo constante e crescente até seu ato final, sua melhor parte por se distanciar mais do tom de homenagem e consegue funcionar como um filme independente do universo no qual está inserido, ele funciona além do cânone da franquia da qual faz parte. E o universo criado por Lucas agradece o fôlego novo recebido pelo seu sétimo episódio.
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