terça-feira, 19 de janeiro de 2016

"The Big Short": A crise financeira para principiantes

Por Miguel Stichini.

A economia mundial entrou em colapso em 2008, muito por causa do poder sem controlo do sector bancário e da sua predilecção para realizar apostas arriscadas e gigantescas face ao mercado imobiliário. O sector investiu milhares iludido que o retorno seria astronómico. Eis que lhes saiu o tiro pela culatra. Banqueiros por toda a América decidiram tratar as poupanças e empréstimos de milhares de pessoas como fichas de póquer num casino pessoal. Eventualmente acabaram por perder e quem pagou foram os contribuintes.

Talvez o póquer não seja a melhor das metáforas. Talvez eles estivessem antes a jogar blackjack ou roleta russa. Ou quem sabe estivessem a jogar Jenga e quando as pessoas deixaram de poder pagar empréstimos ou hipotecas a torre cedeu e caiu. O realizador e argumentista Adam McKay recorre a todas estas metáforas e mais alguma, ao ponto de colocar em cena uma mulher nua dentro de uma banheira para apimentar os argumentos sobre o assunto.

No seu mais recente filme o cineasta decide recontar, sem paninhos quentes, a história de um esquema financeiro que destruiu milhares de vidas em todo o mundo. É exactamente isso que ele faz, com as devidas precauções capta a raiva que os americanos sentiram quando viram milhares de dólares dos contribuintes serem gastos no resgate de um sistema defeituoso, fornecendo um pára-quedas aos bancos e assegurando que mais tarde ou mais cedo estes voltarão a governar.

A dupla de argumentistas, composta pelo realizador e por Charles Randolph, adapta o romance homónimo de Michael Lewis sublinhando cada detalhe repugnante com um ligeiro despeito contido, focando os grandes nomes por detrás destes acontecimentos enquanto coloca todas as cartas na mesa. Existe um momento em particular onde Mark Baum se senta à mesa com Mr. Chau,  que se ri na cara de cada pobre coitado que caiu no erro de comprar um dos seus pacotes CDO (collateralized debt obligation). Outra personagem, interpretada por Max Greenfield gaba-se de se aproveitar da ignorância de dançarinas exóticas quando estas concordam em contrair ultrajantes empréstimos que nunca conseguirão pagar.

Pode parecer ficção hollywoodiana, mas quando pensamos na difícil situação financeira que estas acções provocaram, como podemos negar a veracidade de tamanhas atrocidades que a sangue frio conseguiram afundar um mercado outrora indestrutível?

A transparência com que o assunto é abordado rapidamente se torna num dos pontos fortes do filme, pois este sabe o que os espectadores querem e sabe como servi-lo na perfeição. Apelativo às grandes massas, movido por estrelas com uma carinha laroca que nos alimentam com dados históricos e que nunca deixam o brilho de Hollywood prejudicar uma sensação de obscuridade e secretismo subjacentes aos referidos eventos.

Teria sido mais fácil focar o argumento na ambiguidade moral dos indivíduos que saíram a ganhar com a maior queda financeira americana, mas o argumento não poderia deixar de colocar o seu holofote sobre os bancos e entidades governamentais que tentaram (e que em quase todos os sentidos foram bem sucedidos) negar os seus actos fraudulentos e negligências. O realizador destaca a natureza duvidosa da indústria, mesmo quando troça dela. Por exemplo, a linguagem complicada do sector bancário é possivelmente útil para aqueles que nele trabalham, mas para os leigos não passam de meros sons, principalmente quando reduzida a siglas e acrónimos. Para desenvolver explicações visuais, o realizador recorre a um grupo de nomes conhecidos – Anthony Bourdain, Margot Robbie e Selena Gomez – que trocam por miúdos o significado de CDO ou subprime mortgage rates. Ainda assim, este filme demanda que o visualizemos algumas vezes para compreendermos plenamente a extensão da teoria económica e fiscal. Não nos podemos esquecer que não se trata de um documentário e não deve ser visto como tal.


Do esmagador elenco destaca-se um impressionante Steve Carell, que uma vez mais prova que o seu lado profundo e dramático tem sido mal aproveitado. Ele polvilha a sua personagem Mark Baum com o desprezo social de Michael Scott de The Office e com a intensidade de John Du Pont de Foxcatcher, adicionando uma raiva moral que une tudo isto de forma surpreendente. Christian Bale, um actor que parece incapaz de não submergir completamente nas suas personagens, combina o distanciamento e o peso da genialidade num personagem desconexa de tudo o resto, sendo talvez a mais empática e inspiradora.

No entanto, a verdadeira estrela do filme é, de longe, o seu realizador, que de forma retroactiva faz com que as suas comédias Talladega Nights: The Ballad of Ricky Bobby (2006) e Step Brothers (2008) ganhem um lado profundamente astuto, ao conseguir demonstrar a forma clara como habilmente consegue comicamente reflectir sobre o drama da vida real.

Por entre alguns pequenos problemas com os quais podemos facilmente lidar, há um que deixará muitos ligeiramente irritados. O filme é sobre Wall Street e como tal grande parte das suas personagens será do sexo masculino. Quando faz sentido que um filme apenas tenha um elenco masculino, como acontecera com The Thing (1982) de John Carpenter, a maioria das pessoas deixa passar esse lado pouco feminista. Contudo, só porque um filme é sobre referido género, não significa que tem de ser completamente patético no retratato que faz das mulheres. Todos os personagens femininos aqui presentes são caricaturas frágeis colocadas na história para apoiar ou impedir um dos personagens ou simplesmente como objectos sexuais com o mero intuito de manter o público interessado em algo que tende para o aborrecido. Margot Robbie aparece nua num banho de espuma para nos falar sobre hipotecas e uma stripper semi-nua para nos falar sobre o mercado imobiliário na Florida. Serão elementos como este totalmente necessários? Anthony Bourdain aparece para nos explicar um termo financeiro e está completamente vestido.


The Big Short poderia ser descrito como se tratasse de uma anomalia ou, pior, um projecto de vaidade ou prestígio de alguém que está a tentar algo diferente. Ainda assim, é um retrato de como os líderes mundiais nem sempre têm o interesse dos comuns em mente enquanto tomam decisões arriscadas. É uma das mais divertidas lições sobre história contemporânea e matemática dos últimos tempos.

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