Muitas vezes, enquanto visualizamos um filme, damos por nós atraídos como que magicamente
pela história. Alguns filmes exigem toda a nossa atenção, outros hipnotizam os nossos sentidos,
deixando-nos perdidos pela exuberância e técnica do cinema dito clássico.
O filme de John Crowley tem a sua quota-parte de sequências emocionalmente manipuladoras,
principalmente porque a banda sonora é frequentemente arrogante e excessiva, sendo as suas
nuances e perspectivas sobre o amor jovem e como uma pessoa consegue evaporar os medos e
incertezas de alguém meramente peculiares. Tudo isto é consideravelmente poderoso. As cenas
entre os dois protagonistas são inegavelmente românticas e nada exageradas ou representadas de
forma pouco credível, como se tratassem de uma adaptação cinematográfica de um qualquer
romance de Nicholas Sparks. Os dois exalam uma química bastante natural, que é impulsionada
pela sua inocência, pelos seus sorrisos claramente autênticos e pelo carinho que nutrem entre si.
O argumentista Nick Hornby, autor dos romances About a Boy (2000) e High Fidelity (2000), desenvolve uma
história que segue a linha tradicional de outras cautelosamente optimistas como Avalon (1990) e In America (2002).
Estes filmes não são dramas, comédias ou romances, mas antes recaem num agradável lugar entre
todos esses géneros. Como acontece em ambos, aqui o argumento também cria um mundo cheio
de personagens texturizadas que ajudam a construir uma sensação de lugar e tempo. O
argumentista adapta o romance de Colm Tóibín, articulando lindamente os sentimentos de
alienação, perda, amor e esperança.
A protagonista não é apenas uma menina a ser cortejada, mas uma mulher que busca
incessantemente pelo seu devido lugar, entre a América e a Irlanda. Simpatizamos com ela
facilmente, porque ela demonstra uma interminável empatia pelo próximo. A mudança de humor e
perspectiva é subtilmente espelhada peça câmara de Yves Bélanger. Durante as cenas de abertura
em Enniscorthy, os seus movimentos são cautelosos, constrangidos, como se relutantes em chamar
a atenção para si. Uma vez em Nova Iorque, os movimentos tornam-se mais soltos, surge uma
sensação de liberdade e facilidade, mesmo por entre as ruas mais movimentadas ou por entre a
azáfama de Coney Island. Quando regressa ao ponto de partida, parte dessa liberdade transatlântica
viaja com ela. Esta transformação é ainda mais instigada pela textura da iluminação, que aos poucos
passa de moderada a expansiva.
Ao mesmo tempo, o filme intrinsecamente americano e incrivelmente multi-cultural, apresenta,
de forma complexa e emocional, a experiência daqueles que optaram por imigrar. O facto de
recorrer à perspectiva de uma vibrante jovem irlandesa é o que faz com que a história seja
excelente. É um triângulo amoroso, sem dúvida, mas a batalha interior da protagonista é o factor
mais interessante. Yves Bélanger faz Brooklyn de 1950 emocionante e estranha, de início, e
romântica à medida que a jornada de auto-descoberta da personagem principal avança. As imagens
da Irlanda são espaçosas, abertas e caseiras.
Saoirse Ronan, que desde a sua estreia em Atonement (2007) tem vacilado na sua escolha de papéis,
apresenta-nos uma performance subtil e discreta enquanto Ellis, uma jovem mulher que largamente
instigada pela sua irmã mais velha deixa para trás a claustrofobia fofoqueira de uma cidade
provincial da Irlanda e ruma em direcção ao burburinho impessoal de Nova Iorque.
O tempo, início dos anos 50, não é menos importante que o lugar. John Crowley recria ambos
sem falhas, com uma desconcertante atenção aos detalhes, tanto no que diz respeito ao guarda-
roupa, como ao diálogo. Aqui a distância torna-se mais importante que a conformidade social.
O momento mais comovente do filme surge mais cedo que o habitual. No primeiro Natal longe
de casa, a protagonista ajuda o padre a servir um almoço para um grupo de idosos expatriados
irlandeses que numa busca pelo sonho americano acabaram por cair em desgraça. Por entre o calor
e o álcool que descongela a sua desolação, um dos homens presentes levanta-se e decide cantar em
Erse, uma língua gaélica. Na sua voz encontra-se contida toda a doçura, dor e mágoa subjacente ao
exílio.
Brooklyn é actual pois as questões que levanta sobre imigração e tolerância, no que diz respeito à
diversidade racial, religiosa e étnica, continuam a ser as mesmas mais de cinquenta anos depois. Não
apresenta nada de revolucionário, no entanto, a sua restrição com uma pitada tensão dramática, faz
com que as suas diversas e complexas camadas emocionais se tornem intrigantes. O filme é uma
bonita ilustração da experiência de um imigrante em meados do século XX, centrada num
comovente romance.
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