sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

"Brooklyn": Exílio faz o coração crescer (e dividir-se)

Muitas vezes, enquanto visualizamos um filme, damos por nós atraídos como que magicamente pela história. Alguns filmes exigem toda a nossa atenção, outros hipnotizam os nossos sentidos, deixando-nos perdidos pela exuberância e técnica do cinema dito clássico.

O filme de John Crowley tem a sua quota-parte de sequências emocionalmente manipuladoras, principalmente porque a banda sonora é frequentemente arrogante e excessiva, sendo as suas nuances e perspectivas sobre o amor jovem e como uma pessoa consegue evaporar os medos e incertezas de alguém meramente peculiares. Tudo isto é consideravelmente poderoso. As cenas entre os dois protagonistas são inegavelmente românticas e nada exageradas ou representadas de forma pouco credível, como se tratassem de uma adaptação cinematográfica de um qualquer romance de Nicholas Sparks. Os dois exalam uma química bastante natural, que é impulsionada pela sua inocência, pelos seus sorrisos claramente autênticos e pelo carinho que nutrem entre si.

O argumentista Nick Hornby, autor dos romances About a Boy (2000) e High Fidelity (2000), desenvolve uma história que segue a linha tradicional de outras cautelosamente optimistas como Avalon (1990) e In America (2002). Estes filmes não são dramas, comédias ou romances, mas antes recaem num agradável lugar entre todos esses géneros. Como acontece em ambos, aqui o argumento também cria um mundo cheio de personagens texturizadas que ajudam a construir uma sensação de lugar e tempo. O argumentista adapta o romance de Colm Tóibín, articulando lindamente os sentimentos de alienação, perda, amor e esperança.

A protagonista não é apenas uma menina a ser cortejada, mas uma mulher que busca incessantemente pelo seu devido lugar, entre a América e a Irlanda. Simpatizamos com ela facilmente, porque ela demonstra uma interminável empatia pelo próximo. A mudança de humor e perspectiva é subtilmente espelhada peça câmara de Yves Bélanger. Durante as cenas de abertura em Enniscorthy, os seus movimentos são cautelosos, constrangidos, como se relutantes em chamar a atenção para si. Uma vez em Nova Iorque, os movimentos tornam-se mais soltos, surge uma sensação de liberdade e facilidade, mesmo por entre as ruas mais movimentadas ou por entre a azáfama de Coney Island. Quando regressa ao ponto de partida, parte dessa liberdade transatlântica viaja com ela. Esta transformação é ainda mais instigada pela textura da iluminação, que aos poucos passa de moderada a expansiva.

Ao mesmo tempo, o filme intrinsecamente americano e incrivelmente multi-cultural, apresenta, de forma complexa e emocional, a experiência daqueles que optaram por imigrar. O facto de recorrer à perspectiva de uma vibrante jovem irlandesa é o que faz com que a história seja excelente. É um triângulo amoroso, sem dúvida, mas a batalha interior da protagonista é o factor mais interessante. Yves Bélanger faz Brooklyn de 1950 emocionante e estranha, de início, e romântica à medida que a jornada de auto-descoberta da personagem principal avança. As imagens da Irlanda são espaçosas, abertas e caseiras.

Saoirse Ronan, que desde a sua estreia em Atonement (2007) tem vacilado na sua escolha de papéis, apresenta-nos uma performance subtil e discreta enquanto Ellis, uma jovem mulher que largamente instigada pela sua irmã mais velha deixa para trás a claustrofobia fofoqueira de uma cidade provincial da Irlanda e ruma em direcção ao burburinho impessoal de Nova Iorque.


O tempo, início dos anos 50, não é menos importante que o lugar. John Crowley recria ambos sem falhas, com uma desconcertante atenção aos detalhes, tanto no que diz respeito ao guarda- roupa, como ao diálogo. Aqui a distância torna-se mais importante que a conformidade social.

O momento mais comovente do filme surge mais cedo que o habitual. No primeiro Natal longe de casa, a protagonista ajuda o padre a servir um almoço para um grupo de idosos expatriados irlandeses que numa busca pelo sonho americano acabaram por cair em desgraça. Por entre o calor e o álcool que descongela a sua desolação, um dos homens presentes levanta-se e decide cantar em Erse, uma língua gaélica. Na sua voz encontra-se contida toda a doçura, dor e mágoa subjacente ao exílio.

Brooklyn é actual pois as questões que levanta sobre imigração e tolerância, no que diz respeito à diversidade racial, religiosa e étnica, continuam a ser as mesmas mais de cinquenta anos depois. Não apresenta nada de revolucionário, no entanto, a sua restrição com uma pitada tensão dramática, faz com que as suas diversas e complexas camadas emocionais se tornem intrigantes. O filme é uma bonita ilustração da experiência de um imigrante em meados do século XX, centrada num comovente romance.

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