Por Walter Neto, cinéfilo, licenciado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de Coimbra com ênfase em Cinema.
Foi um caminho tortuoso que levou o público até esta edição dos Oscars. Foi o ano no qual finalmente não pudemos mais virar nossas caras para não vermos o problema do qual a premiação se tornou o maior sintoma: a falta de diversidade em Hollywood. Chris Rock, em determinado momento de seu monólogo de abertura – brilhantemente escrito- pergunta para seu público:
Por quê agora?
Ora não chegamos a 89.ª edição da premiação vendo só actores brancos indicados pela primeira vez? Então por que só agora? O primeiro motivo e o mais claro de todos são as mudanças sociais e conquistas de direitos pelas minorias; uma vez que sua representatividade social aumenta, a arte como um reflexo da sociedade, deve acompanhar isso. Então, começamos a nos perguntar qual o motivo de isso não acontecer. Mas 2015 foi o ano no qual um filme como Creed, uma releitura, de um dos maiores nomes e personagens do cinema americano, pelo ponto de vista de jovens negros, Coogler, Jordan, Tessa Thompson, foi de frontrunner a esnobado, mas uma coisa foi constante: o reconhecimento, ainda que merecido, do único actor branco em cena, Sylvester Stallone. O mesmo ocorreu com Straight Outta Compton e sua única indicação ao Óscar pelos seu roteiro, escrito por roteiristas brancos. Os casos ao longo da história da premiação são vários, e assim um padrão claro pode ser estabelecido: mesmo quando os actores, realizadores, e outros artistas negros conseguem espaço, não conseguem o reconhecimento.
Outra pedra no caminho da realização dos Oscars desse ano foi sua posição histórica de prémio que encerra a temporada de premiações. Já se falava em Oscars So White quando membros de outras premiações como SAG, Spirit e outras guildas de críticos votavam em seus respectivos prémios. Aqui está uma parte do problema pouco comentada: o Óscar não é o problema, ele é um sintoma. Assim uma febre não é a doença em si, mas sim, um sinal que há algo de errado. A indústria é culpada pela falta de oportunidade, mas a indústria entrega o que o público de uma maneira geral espera ver. Temos culpa pelo estado das coisas. As premiações acabam reflectindo isso também.
Vencedores do Spirit 2016 nas categorias de interpretação.
Vencedores dos Oscars 2016 nas categorias de interpretação.
A Academia tentou tomar providências, anunciou mudanças nas regras da premiação, mas como qualquer decisão tomada rapidamente no meio de uma crise está longe de ser suficiente. A instituição ainda está entendendo o problema. Um exemplo de como o momento é complicado foi o não convite para a cantora Anohni , segunda transexual indicada a um Óscar na história, cantar sua canção indicada ao prémio, mesmo com toda a promessa de inclusão e diversidade.
Mas nem tudo são críticas.
Ainda que esteja longe de solucionar o problema de falta de diversidade em suas indicações, a Academia definiu com esta premiação o tom de como lidará com o problema: reconhecendo que há um problema. O monólogo de Chris Rock deixou muitas pessoas presentes desconfortáveis porque essa era a intenção. Era um riso nervoso. Um riso por saber que o problema existe e ninguém se incomodou em reconhecer sua gravidade. Falamos de racismo, homofobia, machismo quando esses assuntos ganham as manchetes dos principais jornais, geralmente ligadas a um crime de ódio. Mas e no dia-a-dia como fica esse debate e como ficam nossas atitudes? Rock não escolheu o caminho mais fácil, porque o problema não é fácil e não será resolvido logo. Mas seu acerto foi deixar claro que a abertura foi para todos os actores negros presentes na premiação como convidados, não indicados. Para todos que acompanham os Oscars e não se vêem representados quando os indicados são anunciados. O monólogo não foi para uma Academia que é formada maioritariamente por homens, brancos, cisgéneros, heterossexuais com uma média de idade superior aos sessenta anos. O discurso de abertura foi para todo que não fazem parte desse clube e ficam de fora assistindo ainda que continuem contribuindo para a arte em geral.
Pós o conturbado 2015/2016 para a Academia fico com a certeza que ano que vem teremos alguma diferença em relação aos indicados este ano. No ano seguinte mais mudanças, e no outro, mais ainda. Ainda que a passos lentos, a mudança está chegando e não há espaço para o que ocorreu este ano se repetir. Para abraçar a diversidade a Academia se viu obrigada a abraçar seus críticos e ouvi-los.
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