Por Miguel Stichini.
Inúmeras vezes a indústria de Hollywood abordou a história da chamada Lista Negra. Dedos
foram apontados àqueles que elencaram nomes, numa época onde fascistas tremiam perante os
comunistas, ainda que sem grande razão aparente. Vários artistas foram vítimas desta caça às
bruxas, sendo impedidos de trabalharem em frente ou atrás das câmaras. Contudo, na sua maioria,
essas dramatizações de uma época negra de McCarthy, onde a pergunta ‘têm ou alguma vez teve
ligações a’ surgia em tom histriónico pelos corredores do Congresso Americano.
O argumento de John McNamara, baseado na biografia de Bruce Cook, vai mais longe
afirmando que todas as audiências da altura foram feitas enquanto teatro político, originando
apenas uma indústria que vivia sob o medo de se ser banido e que via o número de desempregados
a aumentar diariamente. No momento em que Hollywood e a Guerra Fria colidem é que o trabalho
do argumentista nos apresenta algo de novo.
A obra de Jay Roach encontra o balanço perfeito entre entretenimento e representação de
assuntos sérios de foro político, tal como seria de esperar por parte do cineasta que anteriormente
tinha sido responsável pelo drama político Recount (2008) e pela trilogia sobre um homem internacional
envolto em mistério, Austin Powers. Desta vez o realizador segue a vida de Dalton Trumbo, um dos
dez argumentistas que constavam na lista negra de Hollywood por apoiar a ideologia comunista.
O cineasta, conhecido pelos seus trabalhos em comédias, deu o primeiro passo em caminhos
dramáticos com o referido telefilme. De certa forma, podemos considerar este filme como a sua
primeira tentativa de desenvolver um verdadeiro objecto de prestígio. Contudo, as suas
predisposições cómicas colocam em causa grande parte das suas dignas ambições.
Desenvolver um argumento sobre a vida de um argumentista que documenta a sua luta contra a
indústria cinematográfica através das suas obras vencedoras de um Oscar, parece torna-se em algo
tão intrincado quanto Inception. Contudo, John McNamara fá-lo na perfeição, documentado a longa
luta que actores, escritores, realizadores e produtores empreenderam durante mais de uma década
contra a opressão governamental de alguns dos seus mais básicos direitos. Através de rápidos e
impressionantes recursos léxicos da língua inglesa, a veia cómica e hilariante da história percorre
toda a narrativa de forma a enfatizar os ridículos crimes pelos quais os protagonistas foram
acusados. O argumento é impecável por entre momentos de raciocínio rápido e outros que nos
colocam pensar. Existem alguns diálogos memoráveis que nos levam a questionar os nossos
pensamentos, a nossa perspectiva face ao assunto e até nós mesmos.
Bryan Cranston é simplesmente incrível enquanto protagonista desta história. Ele eleva de tal
modo a fasquia que o restante elenco não teve outro remédio que não segui-lo. O actor transforma-
se em Dalton Trumbo perante os nossos olhos, encarnando verdadeiramente a personagem. O
elenco secundário é igualmente soberbo. O comediante Louis C.K. é colocado contra o
protagonista nas cenas iniciais, provando a existência de uma faceta do actor desconhecido do
público. Helen Mirren consegue desenvolver alguém que é totalmente deplorável enquanto ser
humano. Os actores que tiveram a cargo retratar pessoas tão conhecidas como John Wayne, Kirk Douglas e Otto Preminger submergem de tal forma nos seus personagens que criam a sensação de
que estamos perante os verdadeiros. Todos estes actores em muito contribuem para criar
profundidade e dimensão ao mundo em que habitam.
Apesar de grande parte do elenco ter em mãos personagens interessantes, algumas foram mal
desenvolvidas e rapidamente percebemos que não levarão a lado algum. Existem narrativas
paralelas como a que envolve a intriga entre o protagonista e a intolerante personagem de Adewale Akinnuoue-Agbaje, que não deviam existir. A única narrativa paralela importante, a que envolve a
família de Dalton Trumbo, acaba por nos passar ao lado. Diane Lane é praticamente negligenciada,
tendo apenas uma cena memorável enquanto esposa do protagonista.
O filme tem um esquema de iluminação e um humor musical familiar, que claramente invoca de
forma nostálgica um Hollywood antigo, mas que acaba por dar ao produto final um tom caricatural.
A introdução de figuras históricas da indústria torna-se num acto auto-congratulatório e os
momentos de excessiva ode à indústria surgem como rebuscados uma vez que o foco principal do
filme é um dos momentos mais negros da mesma.
É interessante verificar o frisson existente em torno deste filme, numa tentativa de nos recordar
que os argumentos de Dalton Trumbo continham mensagens socialistas, como se isso revelasse o
seu grau de cumplicidade num esquema magistral que não o absolve totalmente. Considerando os
iniciais filosóficos do comunismo, parece questionável que alguém os incluísse no acto de contar
uma história. Se as pessoas que tentam denegrir o nome do argumentista tivessem o mesmo grau de
sensibilidade para com o filme de temas bíblicos, poucas seriam as obras cinematográficas a não
serem consideradas propaganda.
Trumbo sente-se frequentemente como se se tratasse de uma história repetida inúmeras vezes. A
forma como dramatiza um dos capítulos mais negros da história do cinema não produz nada de
revelador sobre a indústria, ou sobre o seu protagonista, mas ainda assim consegue ser um retrato
preciso de uma personagem central a uma trágica injustiça social.
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