terça-feira, 9 de julho de 2019

Homem-Aranha: Longe de Casa, por Eduardo Antunes

https://splitscreen-blog.blogspot.com/2019/07/homem-aranha-longe-de-casa-por-eduardo.html

Título originalSpider-Man: Far From Home (2019)
RealizaçãoJon Watts

A mais recente narrativa dedicada ao trepador de paredes da Marvel sofre de um mesmo problema base que Avengers: Endgame. Se à primeira visualização é possível a apreciação de um filme com muito e bons momentos de puro entretenimento, face uma análise posterior começam a surgir os problemas que parecem estar escondidos. Neste caso, essa análise revela uma falta de equilíbrio entre duas visões opostas sobre como interpretar esta personagem no seu novo contexto, que cada vez mais parece afectar as personagens que surgem neste universo narrativo cada vez maior e mais complexo.

Este filme tem a mesma estrutura, os mesmos genes do seu antecessor de há dois anos. Mas se o anterior conseguiu manter-se como uma estória menor com riscos mais pessoais sobre o nosso protagonista, influenciado subtilmente por um universo já estabelecido de personagens e consequências, o equilíbrio aqui já não é possível, por cada vez mais estes filmes se focarem em narrativas mais épicas ou excêntricas, que mais têm em conta a consolidação deste universo narrativo do que das viagens pessoais das suas personagens.

Isto é rapidamente patente pela falta de resolução dada à cena final de Homecoming. A personagem de Peter passara o filme preocupado com a possibilidade da sua tia descobrir o seu alter-ego, receio auxiliado pela sua revelação ao antagonista do filme. No entanto, no final, quando May encontra Peter de fato vestido, fica em aberto as consequências disso na vida de ambos.
Não é dada, no entanto, qualquer resolução a este ponto narrativo, tendo May aceite perfeitamente o facto do seu sobrinho de dezasseis anos ser um vigilante com poderes, e utilizando inclusivemente esse facto em benefício de outras causas. E ainda que seja interessante essa aceitação, é meramente utilizado de forma cómica, e rapidamente deixado de lado, para passar ao resto da narrativa.
Isso deve-se muito ao facto de, pelo contínuo narrativo entre filmes a que este universo se propôs desde o início, entre estes filmes dedicados ao Homem-Aranha terem sido lançados os terceiro e quarto filmes dos Vingadores, cujas consequências maiores nunca permitiriam retornar aos elementos menores da estória desta personagem.

E são essas mesmas consequências que obrigam o filme a equilibrar tantos elementos tão diferentes, que não nos permite focar no nosso protagonista de uma forma constante. Entre os elementos amorosos dedicados aos adolescentes (principal elemento do primeiro acto do filme e claro enfoque do realizador desde o primeiro filme), passando pelo legado da morte de Tony Stark e a responsabilidade que Peter sente perante a possibilidade de tomar o seu lugar (feita através de poucas cenas e bastante dispersas, que face outros heróis mais adultos e experientes nem fará tanto sentido, ainda que refiram a indisponibilidade destes), e uma narrativa geral que pega em elementos de uma escala que não coaduna com estes outros elementos nem tira partido suficiente dos mesmos para reforçar a falta de preparação do noss herói contra elementos de cariz tão avassalador.



Novamente, a vontade de focar pontos narrativos anteriores (com literais flashbacks a cenas de filmes passados do universo cinemático da Marvel) e suas consequências posteriores nunca deixa o filme inteiramente valer por si próprio, tentando esconder esse facto com acção e piadas que, tendo bom valor de entretenimento, não chega para deixar uma impressão memorável no expectador.
A própria cena que surge nos créditos finais mostra uma mudança drástica no paradigma da personagem que, tendo em conta passadas tentativas semelhantes (seja a cena do filmes anterior referida acima, ou por exemplo a cena final de Black Panther, em que o protagonista se revela ao mundo, mas cujas consequências não foram exploradas até agora) deixa a dúvida de que será dada uma resposta conveniente a essa provocação, ainda para mais dado o longo período que agora ficará para o próximo filme dedicado à personagem. Parece ser apenas uma desculpa para retirar um elemento da personagem que mais complicações trazia do que oportunidades.

Ainda assim, o filme não deixa de ter importantes méritos. Tom Holland, ainda que agora num ritmo mais inconstante da sua personagem, continua-nos a convencer da estranheza deste adolescente desconfortável nas suas decisões aparentemente racionais. Gyllenhaal também demonstra uma interpretação variada e polivalente, que nos capta sempre que aparece em ecrã, mesmo em cenas de exposição narrativa forçada. Zendaya oferece um pouco mais à sua personagem, com a subtileza de um comportamento irónico que resulta de uma insegurança patente na sua falta de sociabilidade.
Existem também sequências dignas de uma nota especial, nomeadamente uma cena que tira total partido, visual e narrativo, dos poderes da personagem de Mysterio, servindo como epítemo da estória e do impacto emocional na nossa personagem principal.

Surge, assim, mais um episódio na longa narrativa deste universo cinemático. Não se afirma como um dos melhores filmes, por não ter um foco claro na narrativa que quer contar, mas volta a demonstrar o que costuma acertar nestas estórias, ainda que aqui peque pelo carácter da personagem, menos adulta e matura, à qual poderia servir um crescimento menos apressado. Com um final deixado em aberto, esperemos que o próximo capítulo dedicado ao Homem-Aranha possa tirar maior partido das consequências de tal universo num joven que, apesar de ter viajado para fora da Terra, ainda não entende a totalidade das suas acções na sua própria vida pessoal e dos que mais proximamente o rodeiam.



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