quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Por um Fio, por Carlos Antunes

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Título original:
Bringing Out the Dead
Realização: Martin Scorsese
Argumento: Paul Schrader
Elenco: Nicolas Cage, Patricia Arquette, John Goodman e Ving Rhames

Tal como Nova Iorque Fora de Horas, não há uma narrativa em Por um Fio, mas antes um deambular lado a lado com um personagem.
Tal como Taxi Driver temos uma personagem rasgando a noite de encontro aos becos escuros onde a morte se esconde.
No entanto, Por um Fio não podia ser um filme mais distinto e único.


Por um Fio é o tormento de Frank Pierce, que tem como missão salvar as pessoas que ainda precisam de ajuda nesta Nova Iorque poluída por tantas vidas enegrecidas.
No entanto essas pessoas parecem teimar em morrer-lhe nas mãos, como se a sua verdadeira missão fosse a de carregar cadáveres para onde os chamam.
Por isso Frank vive amaldiçoado por visões de uma rapariga que não chegou a salvar, por isso cai no desespero mesmo quando ao seu lado os condutores da ambulância vivem emocionalmente distanciados do terror ou vivem como anunciadores dos milagres que ainda se registam no seio do inferno.


Frank está a perder-se. Sente todas as vidas que se perdem - mais ou menos literalmente - à sua volta, mas não sabe como lidar com isso.
Frank está lá, vive tudo aquilo mas está emocionalmente perdido, precisa de salvação e julga poder encontrá-la na próxima vítima a precisar de ajuda. Se essa vítima são todos os habitantes que se afogam no alcatrão da cidade durante mais uma das suas alucinações ou se é uma ex-toxicodependente, talvez seja indiferente no fim de contas.
Frank não dorme, continua por três dias correndo a cidade atrás de corpos - ou ainda pessoas, se tiver essa sorte - e falhando vezes demais.

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Frank é uma criação brilhante de Nicolas Cage, que se entrega ao papel, sacrifica-se por ele, mas parece não estar verdadeiramente ali.
Como se fosse um corpo perdido, uma fantasmagoria arrastando-se por falta de outras hipótese.
Nicolas Cage investe toda a emoção que pode arrancar ao espectador enquanto simula o seu afastamento, o seu desligar da realidade.
Não será outra coisa senão uma das suas interpretações mais brilhantes, par perfeito para a dança que Scorsese efectua.

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Scorsese pinta uma tela que é a captação perfeita do desgaste e da erosão que todas estas vidas causam à sua cidade e, obviamente, a vida da própria cidade causa a todas as vidas que nela mergulham.
Martin Scorsese parte sempre de um vazio de formatação, disposto a descobrir o que ainda pode fazer com uma câmara - e não só, também com o som, com a fotografia, com a composição e com a montagem - que seja novo até para ele próprio.
Qualquer outro realizador estaria a arriscar a sua carreira, ele limita-se a provar que ainda tem demasiado a demonstrar aos que vierem depois dele.
O seu olhar é de um arrojo absoluto, de quem se propõem ainda a descobrir e inventar o Cinema por mais que já tenha afirmado antes que é um mestre desta Arte.

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Forte, comprometido, real, negro, espiritual, sentido, alucinado, rendido, singular, intenso.
Assim é mais um dos filmes indispensáveis de Martin Scosese.



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