sábado, 30 de outubro de 2010

Embargo, por Carlos Antunes


Título original: Embargo
Realização: António Ferreira
Argumento:
José Saramago e Tiago Sousa
Elenco: Filipe Costa, Cláudia Carvalho, Pedro Diogo e José Raposo

Poucos minutos antes de entrar na sala de cinema vi no poster deste filme a citação de um crítico que comparava Embargo ao humor negro dos irmãos Coen.
A dúvida assaltou-me, não porque a incompetência portuguesa ficase demonstrada ao escreverem Cohen em vez de Coen, mas porque não estava explícito se seria o humor negro brilhante de Fargo e Barton Fink ou o humor negro fastidioso de Um Homem Sério e Destruir depois de ler.


O filme alonga um conto muito breve que é uma alegoria sobre o que anima os corpos e o livre-arbítrio. A alma revista em jeito de caricato inserido no quotidiano.
O conto é um pequeno jogo que se fosse além da sua extensão tornar-se-ia numa piada forçada.
E é exactamente isso que o filme é porque teve de criar mais terreno que ocupasse o tempo de uma longa-metragem.
Para lá do périplo forçado dentro do automóvel há uma família que não tem a devida atenção, um sonho de venda da invenção da máquina de scanner de pés e um amigo com quem partilha o trabalho numa rulote de bifanas.
É uma vida construída para um homem cuja relevância está no desespero de estar preso ao seu carro.
Uma vida acessória, ingrata para o espectador, uma piada elaborada e sem picos de humor decentes.


Isto não é evidente deste logo. Primeiro atentamos na qualidade da produção que conseguiu criar o ambiente perfeito para um filme de Ficção Científica com traços de tipicidade portuguesa nuns tristes anos 1970/1980.
Há mesmo indicações discretas que nos levam a pensar numa revisita artesanal de 2001: A Space Odyssey com identidade bairrista e com a dimensão de um velho "chasso".
Era possível imaginar um belo filme português a sair daqui, um filme de caminhos pouco pisados por cá.
Não fossem depois as rábulas duvidosas e aquela resolução que é puro "final feliz" em estado de serendipidade idiota, até poderíamos estar perante um retrato irónico da nossa posição económica na Europa.
Afinal, lá pelo meio, apenas há um penoso caminho com muito pouco para ver, para rir ou para interpretar. É um deserto de ideias a tentar fazer cumprir o tempo estipulado para uma longa-metragem.


Para o final não posso deixar de apontar um erro grave que passará despercebido a muitos.
A banda sonora, interessante que é como tem sido norma nos filmes de António Ferreira, está muitas vezes a sufocar o filme, ressoando com brutalidade quando devia ser apenas um acompanhamento.
Isso é mais problemático e mais evidente quando esta abafa as notícias de rádio que deveriam servir para compôr o ambiente que explica e justifica o embargo que, afinal de contas, dá nome ao filme.
António Ferreira continua a ser dos realizadores nacionais a que se devem estar atentos, mas os seus trabalhos mais longos precisam rapidamente de mostrarem a mesma qualidade das suas curtas. Deus não quis e, sobretudo, Respirar (Debaixo de Água) continuam a ser os seus melhores trabalhos perante os quais este Embargo faz figura de parente pobre.



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