terça-feira, 20 de março de 2012

Atrocious, por Carlos Antunes


Título original: Atrocious
Realização: Fernando Barreda Luna
Argumento: Fernando Barreda Luna
Elenco: Cristian Valencia, Clara Moraleda e Chus Pereiro

Cada vez é mais difícil assistir a um filme feito a partir de imagens encontradas no rescaldo de um evento brutal sem começar a colocar em causa a coerência interna do filme.
Já assim era com [REC], o filme que parece ser usado como referência para este modelo (afasto-me da palavra género o mais possível) de filmes muito mais do que The Blair Witch Project, e aqui repete-se a sensação de desmoronamento da integridade que devia existir em tal objecto a tentar alcançar o estatuto de cinema.
A questão levanta-se logo a partir do momento em que se vê o aviso da polícia no início do filme, tornando as 37 horas de filmagem em material de prova da qual nos preparamos para ver apenas hora e meia que terá sido montada por algum funcionário mais afoito a usar a montagem para estabelecer uma narrativa (ou algo aproximado).
O final do filme traz de volta a pertinente questão sobre a qualidade do conceito - da desculpa, se preferirem - que sustenta a forma do que estamos a ver. A montagem do material encontrado é interrompida por imagens de noticiário que são pobres em informação perante um resto de filmagens - e o devido desenlace a tentar a reviravolta inesperada - que ainda temos o direito a ver.
Quem, senão o realizador de ideias e recursos esgotados, teria montado o filme desta maneira tão absurda? E, portanto, que lógica há no conjunto destas imagens?
Nenhuma é a resposta que o filme dá a esta pergunta mais do que uma vez, mas com particular assertividade quando depois de termos visto um conjunto de imagens da noite de 1 de Abril os protagonistas discutem porque um deles mexeu num cabo e impediu que a câmara gravasse o que havia acontecido nesse período.
O filme reduz-se à nota única de que é o efeito visual - a filmagem do ponto de vista da personagem, a instabilidade dos planos e o (muito básico mas inevitável) recurso à visão nocturna - que leva à escolha deste formato como premissa, substituindo-se assim à substanciação narrativa ou à exploração dramática.
Sem isso, a demorada tentativa de criar uma dinâmica familiar na primeira metade do filme torna-se num suplício totalmente injustificado quando sabemos que a morte daqueles personagens está a chegar (ou as imagens não estariam a cargo da polícia).
Mais injustificado pela revelação do culpado que coloca de lado os jogos de medo primitivo (que não resultam, adiante-se) feitos através das imagens deambulatórias através de um jardim disposto como um labirinto. O filme não vai ter nenhuma relação a essas insinuações de sobrenatural com que tenta manter-nos engajados.
Para ser devidamente feito (a ser feito de todo...) o filme deveria contextualizar brevemente a realidade em que tudo decorre e, depois, evidenciar o comportamento errático de quem se mostrará culpado. Pelo contrário, esse culpado está sempre fora de cena e a sua culpa é extemporânea e inacreditável no contexto do que se viu.
Ponderando tudo isto, a falta de ritmo do filme, preenchido de cenas inúteis mas inesgotáveis, ou a má escolha dos actores, para personagens mal delineadas, parecem de somenos importância para abordar aqui.

 

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