domingo, 8 de setembro de 2013

INDIE 2013 (Belo Horizonte) - Dia 3


Tradicionalmente além das mostras MUNDIAL e INDIE BRASIL, o Indie é conhecido por fazer uma retrospectiva de algum cineasta influente no atual panorama do cinema independente mundial. Em edições anteriores foram realizadas retrospectivas completas de cineastas como Apichatpong Weerasethakul e Béla Tarr. Essas retrospectivas são tão aguardadas quanto o próprio line-up das mostras principais, afinal de contas, em que outra ocasião poderíamos ver as mais de sete horas de duração de Sátántagó do húngaro Tarr numa sala de cinema? 

Este ano a retrospectivas contempla dois realizadores bem distintos entre si. O chinês Wang Bing que entrou para a história do cinema mundial com os seus longos e contemplativos documentários sobre o declínio do modo de produção e vida na China Comunista. Já o francês Jean-Claude Brisseau sempre se destacou pelas polémicas evocadas pelos seus filmes, sempre filosofando sobre o feminino, a nudez, o sexo e a violência e por não ter pretendido encaixar-se em alguma das correntes estéticas do cinema que a sua carreira atravessou. 

Nesta primeira parte abordarei o épico A Journal of Crude Oil (Caiyou riji, 2008) de Bing e seus 840 minutos de duração. A segunda parte das críticas sobre as retrospectivas será dedicada ao francês Brisseau. 



Este talvez seja um dos projetos mais ambiciosos do cinema contemporâneo. Originalmente Bing pretendia utilizar setenta horas de imagens capturadas sobre o dia-a-dia de um grupo de trabalhadores de uma petrolífera no deserto de Gobi (região sul da Mongólia). Mesmo após uma significativa redução, o documentário manteve as suas proporções épicas tendo uma duração de aproximadamente 840 minutos. 

A proposta estética de Bing envolve uma delicada relação com o tempo, levando a outro extremo o que já vem sido visto no cinema europeu, ainda que toda generalização seja perigosa. Não se trata aqui simplesmente de planos longos e poucos cortes. Mas sim de entender que na proposta realista é justamente na montagem, na mesa de edição, nos cortes que a ilusão de realidade se desfaz. A vida é percebida em uma contínua progressão do tempo e ao contrário do cinema, não somos capazes de determinar o exato momento do começo e o fim de uma ação.

Este é o primeiro fetiche ou sintoma do cinema de Bing: querer prolongar o efeito enganoso de realidade causado pela projeção das imagens no seu público. O que faz com maestria. Mergulhamos tão intensamente naquelas imagens/realidade que a passagem do tempo deixa de ser medida por Chronos, o tempo cronológico, sequencial dos gregos para o Kairos que mede a duração de uma experiência como um todo sem reduzi-la em minutos e horas. 

Os homens acordam, comem, saem para o trabalho, almoçam, voltam para o trabalho, comem mais uma vez e por fim, dormem. Em A Journal of Crude Oil, ainda que acompanhemos apenas um dia na vida daqueles trabalhadores, é onde o segundo fetiche do realizador se torna mais explícito: a repetição e banalidade do cotidiano. Ainda que seja na vida daqueles homens que lidam com máquinas tão grandes e com a produção do bem natural mais cobiçado da contemporaneidade: o petróleo. 

E como bom documentarista cabe ao realizador ser capaz de entender que a sua simples presença, somada ao fato do objeto de interesse perceber que estar a ser filmado é suficiente para quebrar e alterar a rotina daquelas pessoas. É aí que está a diferença do cinema de Bing para outros documentaristas: a capacidade de diminuir ou ao menos diluir a sua intervenção ao longo das horas de projeção, a ponto de torná-la quase imperceptível em alguns momentos. 

Muito se questionou se o projeto resultaria em algum tipo de instalação de arte mais que um documentário. Mas tal crítica parece prender-se mais com as delimitações geográficas da sala de cinema e a dificuldade de distribuição encontrada por filmes mais longos, para definir o que é ou não cinema e seu valor artístico. Bing pouco se importa com isso e usa todo o tempo que possui a favor da sua narrativa e estética. Não é uma experiência fácil, sentar e contemplar o cotidiano, ainda mais aquele árduo cotidiano, em tempos de velocidade na transmissão de informação. Mas porque a nossa experiência de observador deveria ser fácil, se a do observado não é? Por algumas horas, os olhos de Bing são os nossos. Contemplamos e é só isso que podemos fazer. Assim como o realizador durante a filmagem do documentário, não cabe ao público interferir. 


As opiniões são de Walter Neto, cinéfilo, licenciado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de Coimbra com ênfase em Cinema, a quem muito agradecemos pela contribuição.

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