domingo, 21 de junho de 2015

Sense8 - A eterna busca por uma conexão

Por Walter Neto, cinéfilo, licenciado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de Coimbra com ênfase em Cinema.

Eu sempre me perguntei o quanto do que eu carrego, não é meu para carregar. Pode parecer uma pergunta extremamente pessoal e em certo ponto é, mas acredito que ela seja compartilhada por muitos. Muitas pessoas com histórias de vidas completamente diferentes, com nacionalidades diferentes, com criações diferentes, valores diferentes- a lista é infinita; mas que esperam apenas uma coisa: conseguir assumir o controle da própria vida e se libertar deste peso extra. Recomeçando, fazendo novas conexões.

Esse talvez seja o principal dilema dos personagens de Sense8, uma busca por uma saída da vida que possuem e uma oportunidade de verdadeiramente começar algo novo. Um sentimento comum a várias pessoas, e aí está, então, a grandiosidade da série dos irmãos Andy e Lana Wachowski: um roteiro com várias tramas paralelas, conduzidas em várias partes do mundo e interpretadas por um elenco multinacional. Trazendo histórias que não se interligam, mas apenas servem como plano de fundo para uma trama maior, sobre a conexão mental compartilhada pelos oito personagens principais e conduzidas pelo misterioso Jonas Maliki (Naveen Andrews). Mostrando que todos aqueles sentimentos e sensações vividos por eles são comuns. 

Sem nenhum tipo de introdução, logo na abertura da série, somos apresentados a rivalidade entre Jonas Maliki e Mr Whisperer (Terrence Mann) pela posse da informação de quem seriam e onde estariam as oito pessoas que nasceram interligadas por uma conexão muito maior que qualquer outra experimentaria durante sua vida. E assim vamos sendo apresentados as peças desse complicado jogo de xadrez que ninguém se preocupou em explicar as regras. Sabemos tanto quando eles, quase nada, e este é o ponto forte do roteiro da série, ele foge de qualquer didatismos e explicações desnecessárias. Ficamos presos ao binge watch porque as pistas vão surgindo natural e lentamente, bem distribuídas ao longo da temporada.

Na trama acompanhamos Capheus Van Damme (Aml Ameen) um jovem de Nairóbi que tenta ganhar a vida como motorista de um autocarro velho que mais traz despesa que lucro, para comprar remédios para sua mãe seropositiva. Ele cresceu obcecado pelos filmes de Jean-Claude Van Damme e usa o que aprendeu com ele para sobreviver nas violentas ruas de sua cidade. Sun Bak (Doona Bae) gerencia o negócio da família e se vê por culpa do pai e irmão envolvida em um escândalo financeiro. Sun, treina artes marciais e participa de algumas lutas, não pelo dinheiro, mas pela oportunidade de extravasar o que sente através da violência. As ruas de Seul não violentas como as de Nairóbi, mas ela também precisa lutar para sobreviver.


Nomi Marks (Jamie Clayton), talvez a personagem mais pessoal já criada pelos Wachowskis, é uma transexual que mesmo sendo bem-sucedida e respeitada por amigos e conhecidos do seu meio de trabalho, ela era uma famosa hacker, luta contra a discriminação a própria família que insiste em chama-la pelo nome de batismo. Chegamos então a Lito Rodrigues (Miguel Ángel Silvestre) que sendo um famoso ator mexicano de filmes de ação, não poder viver publicamente como um homem gay e precisa lutar para esconder sua vida privada todos os dias da imprensa. 

Wolfgang (Max Riemelt) teve que aprender a bater desde cedo para sobreviver aos constantes abusos do pai, e vivendo uma vida perigosa e violenta como membro de uma gangue de Berlim, encontra em sua conexão mental com a indiana Kala (Tina Desai) uma pausa de toda aquela tensão. Uma redução na velocidade de sua vida. E Kala vê nele uma oportunidade de fugir de seu casamento sem amor, feito apenas para agradar aos pais. 

Fechamos esse círculo com o policial americano Will Gorski (Brian J. Smith), filho de policial, que luta contra um sistema social falido no qual é melhor deixar uma criança morrer sem atendimento médico - porque ela está envolvida em crimes, do que atende-la e lidar com o problema depois. Assim que se torna consciente de sua conexão com outras pessoas, Will conhece Riley (Tuppence Middleton), uma jovem islandesa, que fugiu para Londres para escapar das memórias da tragédia que viveu após uma gravidez não planeada na adolescência.  


Todas as tramas são conduzidas com extrema delicadeza por não haver pressão de interligar aquelas histórias em um plano maior. Eles estão conectados um ao outro. Todos compartilham a mesma data de nascimento, as mesmas sensações e à medida que a conexão se fortalece todas as emoções. Frio, calor, dor, alegria, raiva, medo, excitação. Tudo é compartilhado. O que é explicitado em um dos momentos mais ousados e bonitos da série – e candidato a cena do ano, para mim – quando todos os personagens transam entre si e compartilham um orgasmo em conjunto. Cena que lembra bastante o final de Perfume – A História de Um Assassino (Tom Tykwer, 2006) onde o protagonista é consumido por uma multidão que transcende da fúria a mais pura excitação. É importante mencionar que Tykwer é o diretor do episódio no qual a cena ocorre. 

Talvez esta proximidade dos criadores (J. Michael Straczynski e Irmãos Wachowski) e dos diretores (que além dos criadores incluem Tom Tykwer, James McTeigue e Dan Glass) com os temas, dão ênfase a sensação de proximidade e identificação com o que é abordado. Há muito do trabalho de Tykwer em Soul Boy (2010) nas cenas de Capheus, assim como há muito de Cloud Atlas (2012) na estrutura e maneira como as tramas paralelas são conduzidas. 


Um labirinto de emoções e sensações, Sense8 funciona como um belo retrata da caótica e complicada experiência humana. Uma série sobre o que é ser humano em seu nível mais básico: que é sentir e saber que se sente, mas acima de tudo, também sobre a busca de alguém para se compartilhar tudo isso. 

1 comentário: