domingo, 27 de dezembro de 2009

Julie e Julia, por Carlos Antunes

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Título original:
Julie & Julia
Realização: Nora Ephron
Argumento: Nora Ephron e Julie Powell
Elenco: Meryl Streep, Amy Adams, Stanley Tucci e Chris Messina

Num filme que transforma a cozinha de instrumento de domínio e restrição das mulheres em símbolo de emancipação e concretização de duas delas, é triste ver como a comida parece tão secundária.
A comida, a confecção, a exaltação dos sentidos que a comida proporciona deveriam ser a verdadeira alma deste filme.
Ao contrário disso, parece mera ilustração de uma forma de estar de duas mulheres que, por mero acaso apenas, coincidiu com o prazer da cozinha.

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As situações culinárias são quase sempre caso de comédia ou despachadas com uma mera garfada.
Uma mera garfada para pratos que levariam várias horas a fazer, uma desconsideração, mas que aponta um dos fundamentais problemas do filme, a sua capacidade para lidar com as acções concretas destas duas mulheres.
Considerando que o filme se baseia em duas histórias verídicas, duas histórias de verdadeira luta e superação, convém perguntar onde se deve sentir isso mesmo.
Será na transformação, quase do dia para a noite, de Julia Child de cozinheira simples em desenvolta chef ou será na aparente mágica - e nunca mostrada - capacidade de Julie em cozinhar uma média de quase duas receitas por dia, depois de ter trabalhado oito horas a atender telefonemas de familiares de vítimas do 11 de Setembro.
É que, sejamos francos, por mais que estas mulheres gostem de cozinhar, muitas das receitas que vislumbramos no filme levariam inúmeras horas a preparar, o que é francamente difícil de conjungar com um trabalho de 8 horas, um blog e um marido a precisar de se alimentar.

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Por falar em maridos, é trágico para as duas personagens centrais que os seus maridos sejam tão delicados e dedicados, tolerantes aos humores e aos caprichos das suas mulheres.
Não constituem contraponto, o que seria essencial para ter estas mulheres como verdadeiros modelos, como verdadeiros ícones - ainda que a dimensões diferentes.
Eles limitam-se, mesmo no momento em que as contrariam, a fazerem o que é melhor para elas.
Eu sei que os homens não são essenciais aqui, mas seria bom que as mulheres não fossem as únicas a terem substância.

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Não estou, contudo, a dizer que o filme é mau. Apenas insuficiente - ou, se calhar, insuficiente para um público generalizado, sendo provavelmente um valor seguro para algum público feminino.
As interpretações de Amy Adams e Meryl Streep são duas verdadeiras bençãos para este filme.
A primeira mantém o encanto que lhe permite salvar qualquer personagem por mais que nos pareça que fora das mãos dela seria uma mulher comum e desinteressante.
A segunda faz-nos crer numa personagem com imensa facilidade. A sua composição é graciosa para com uma personagem que deveria ser, afinal, um pouco irritante na vida real.
Para cada uma delas a realizadora guarda ainda diversos momentos muito bem urdidos, momentos com uma veia cómica apurada.
São os pesos que verdadeiramente contrabalançam o resultado final do filme.

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Só que, mesmo assim, é quando o filme termina que surge um momento que rasga com o idílio destas personagens, com Julia e insultar o projecto de Julie, sem que esta perca a sua devoção à autora.
É um vislumbre de uma mulher que, mesmo tendo tornado popular - senão mesmo comum - a elite culinária de França, pareceu ao longo de todo o filme desejosa de um reconhecimento a toda a prova, fosse pelo seu diploma, fosse pela publicação do seu livro. Não só que buscava esse reconhecimento como não admite que façam dela um objecto de devoção comum.
Uma pequena mancha numa senhora que toda uma nação adora. Para mim, aí é que começaria a história do filme, mesmo quando ela está prestes a acabar. Por vezes, a realidade não chega a ser melhor do que a ficção.



http://cinemmarte.files.wordpress.com/2009/09/julie_and_julia-jonathan-wenk.jpg

2 comentários:

  1. Apesar de não ter grandes expectativas, gostei muito deste filme, onde as interpretações de Meryl Streep e de Amy Adams foram fenomenais. O argumento também foi bastante sólido.
    Como você disse a comida era relegada para segundo plano e, creio eu, era mesmo essa a intenção da realizadora, pois o importante era a paixão daquelas duas mulheres pela culinária.

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  2. Apesar de não ter grandes expectativas, gostei muito deste filme, onde as interpretações de Meryl Streep e de Amy Adams foram fenomenais. O argumento também foi bastante sólido.
    Como você disse a comida era relegada para segundo plano e, creio eu, era mesmo essa a intenção da realizadora, pois o importante era a paixão daquelas duas mulheres pela culinária.

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