domingo, 17 de janeiro de 2010

O Laço Branco, por Tiago Ramos



Título original: Das weisse Band-Eine Deutsche Kindergerschichte (2009)
Realização: Michael Haneke
Argumento: Michael Haneke
Elenco: Christian Friedel, Ernst Jacobi, Leonie Benesch, Ulrich Tukur e Ursina Lardi

Independentemente da época do filme, há uma coisa transversal a Michael Haneke: a crueldade com que filma. O poder da subversão, a maneira como filma a maldade, a forma intensa como escreve, a sensação de "murro no estômago", a crítica à sociedade em convulsão. Em O Laço Branco essa é muito evidente: nas vésperas de uma revolução social a nível global, como a I Guerra Mundial, o que Michael Haneke nos revela não é o cerne do movimento que lhe deu origem. O cineasta alemão leva-nos para uma aldeia insuspeita: tanto quando as searas de trigo a rodeiam como quando cheia de neve. Branca. Pura, inocente. Tal como o que o laço branco recorda.



Uma disciplina castradora, os dogmas religiosos autoritários, uma moral restrita. E as crianças que a sofrem e sentem - alguns sem a perceberem muito bem - amarrados fisicamente e moralmente a uma rigidez que lhes esculpirá a personalidade com o martelo e o escopro da violência e da condenação. A liberdade não existe nesta aldeia alemã, não existe esperança nem salvação. Todos sucumbirão a esta disciplina. Mesmo os mais novos, aparentemente ingénuos. Até porque o que aqui a câmara filma são as crianças. Crianças essas que, dizem, são o nosso futuro. Mas aqui o futuro é negro. Ou melhor: é branco. Um branco falso, mascarado.



Porque Michael Haneke filma as contradições humanas (como só ele sabe). O contraste. E por isso mesmo o preto e branco, porque evidencia mais o contraste humano. Uma fotografia sublime, gélida, realista e credível da autoria de Christian Berger (La Pianiste), habituado a filmar a violência visual do cineasta. Já o argumento de Michael Haneke será um dos mais completos que chegarão aos cinemas portugueses este ano, isto porque a forma como ele questiona a sociedade e as normas com que vivemos, a visão pouco esperançosa com que atinge o espectador e a pretensa moral dos adultos que tornam as crianças escravas de uma moral intransigente, é única e singular. Mas muito verdadeira.

O elenco, onde nenhum se destaca individualmente, mas todos se destacam enquanto totalidade, enquanto personagens-tipo daquilo que são as consequências do ensino. Uma direcção artística e um casting perfeitos garantem ao filme esse realismo que era pretendido.



A estas crianças é-lhes privada a pureza. Mesmo que - aparentemente - lhes seja exigida. A sua condição garantia-lhes liberdade, mas essa também lhes é privada. Estão condenados a esta espiral de ódio que os contamina, que lhes imprime maldade no corpo e na mente, que os molda, que toldará a sociedade que formarão de seguida. Michael Haneke não lhes garante nada mais que a condenação porque foi isso que lhes foi ensinado, porque a isso as obrigaram. Esta violência implícita como sempre soube retratar provoca em O Laço Branco, o efeito "murro no estômago" como poucos. Provoca a nossa própria condenação, deixa-nos quase sem esperança. Mas obriga-nos a uma reflexão sobre o nosso próprio futuro e sobre o poder da palavra.

Classificação:


10 comentários:

  1. Bem que notão! Não devo ir vê-lo ao cinema, mas o DVD já esperará por mim ;D
    E Michael Haneke espera por nós! Mas isso já é outra conversa. Como sabes, é realizador que ainda não conheço, mas que quero muito conhecer.

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

    ResponderEliminar
  2. Quero mesmo muito visionar este filme!
    Um filme um pouco infeliz mas de certeza que é sinónimo de qualidade.

    Abraço
    http://nekascw.blogspot.com/

    ResponderEliminar
  3. Guardo as melhores recomendações, e mal posso esperar para, finalmente, o ver!

    ResponderEliminar
  4. LOL, realmente os 4,5* e os 5* são muito raros. Fazes bem em adquirir o DVD, é uma obra que vale a pena e que se tornará um clássico. Michael Haneke é um realizador que vale a pena conhecer!

    ResponderEliminar
  5. A filmografia de Michael Haneke tem esse poder de influenciar e te deixar com a tal sensação de murro no estômago, ainda ligeiramente perturbado e por isso mesmo é que é tão bom. Porque mexe com o espectador.

    ResponderEliminar
  6. Fazes mesmo bem em vê-lo. Vale tanto a pena!

    ResponderEliminar
  7. Haneke é um realizador espectacular. Desde Caché / O Sétimo Continente / A Pianista / Benny's Video e Brincadeiras Perigosas, ele tem sido dos cineastas com quem, verdadeiramente, mais me identifico. Moderno e singular. A tua crítica só aumentou o meu entusiasmo em ir vê-lo amanhã... depois digo se concordo... ou se completo essa última quinta estrela! :P

    Abraço!

    ResponderEliminar
  8. É um realizador único, dos melhores. E acredito, com toda a certeza, que completarás a última estrela. Eu é que sou duro de roer, às vezes.

    ResponderEliminar
  9. Esta semana andamos sincronizados Tiago mas ao contrário do que aconteceu com Bright Star, desta vez concordo plenamente contigo no que à nota atribuída diz respeito. Haneke ensaia uma ataque perfeito às moralidades familiares e ideológicas daquela época atravéz de paralelismos magníficos que realçam a culpa e a falta de accão dos alemãs durante a Segunda Guerra Mundial porque apesar de estarmos em vésperas da Primeira Guerra, o conteudo verdadeiramente relevante é, na minha opinião, o futuro da Alemanha que graças à humilhação da Primeira Guerra procurou no fascismo uma solução.

    ResponderEliminar
  10. Sim, parece que sim! :) E a verdade é que Haneke fez mais que um paralelismo de uma época, é uma metáfora também ela actual e que muito nos faz reflectir.

    ResponderEliminar