terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A Doce Vida, por Tiago Ramos


Título original: La dolce vita (1960)
Realização: Federico Fellini
Argumento: Federico Fellini e Ennio Flaiano
Elenco: Marcello Mastroianni, Anita Ekberg, Anouk Aimée e Yvonne Furneaux

Com La Dolce Vita, Federico Fellini culminou uma série de prêambulos que definia desde Le Notti di Cabiria (1957) – brevemente a crítica – a começar pela deambulação de Giulietta Masina pelas ruas de Roma, ao sabor da vida nocturna da cidade e com toda a extravagância e exuberância de personagens genuinamente romanas. Já o sentido, de certa forma herético, de Le Notti di Cabiria, havia provocado sérias críticas da Igreja Católica em Itália. La Dolce Vita ganhou um estatuto de filme de culto de modo progressivo, incentivado pela condenação da comunidade católica ao argumento onde a considerada «falta de moral» era flagrante.



Em La Dolce Vita reafirma-se Federico Fellini como um cineasta extremamente contemporâneo e vanguardista, mas nunca deixando de lado os traços clássicos que tornam as suas obras inconfundíveis. Somos conduzidos a um universo extremamente volátil e explosivo, perante personagens complexas e bem construídas, onde acabar por prever muitos dos problemas sociais actuais. É um retrato da sociedade decadente do século XX, numa Roma devassa e pecadora, com os intelectuais, as celebridades e os parasitas sociais. Audacioso e crítico, o cineasta apresentou-nos uma visão honesta do ser humano. Todas as personagens são pecadores, perdidos entre a busca do seu eu interior e os prazeres da carne - não são, contudo, seres sem perdão. Porque a crítica de Fellini não é a da condenação das pessoas, tanto que a narrativa acompanha essa intenção, interrompendo e alternando, mas acaba unida transversalmente pela personagem de Marcello, um jornalista que cede à luxúria - embarca na vida boémia - e à crueldade do mundo - sensacionalista (como no caso do falso milagre).

A direcção artística é excelente e no elenco de actores destaca-se o grande Marcello Mastroianni (um dos maiores actores da História do Cinema), num papel extremamente importante na trama, servindo de narrador visual à história do filme e recordando alguns aspectos autobiográficos de Federico Fellini. Depois temos Anouk Aimée no papel de uma prostituta de luxo, numa clara alusão à figura bíblica de Maria Madalena, o que terá ainda aumentado a crítica feroz da Igreja Católica. Mas Anita Ekberg é a maior estrela do filme - a sua composição da actriz norte-americana Sylvia garante dos momentos mais icónicos do filme. É esta a única personagem genuinamente pura e curiosamente, a única verdadeiramente livre. Note-se a célebre cena na Fontana di Trevi, arrepiante e encantadora, mas ao mesmo tempo tão ingénua e tão livre de preconceitos.



Federico Fellini é um mestre na realização e na forma como conduz a câmara perante a exibição da vida boémia em Roma. Em La Dolce Vita temos uma mise en scène com tanto de vanguardista como de clássica e que resulta numa belíssima fotografia de Otello Martelli (Le notti di Cabiria), complementada pela habitualmente fantástica banda sonora de Nino Rota (Amarcord).

A Doce Vida é um dos mais icónicos e portentosos trabalhos do realizador. Arrojado, comovente e hilariante, pesado e leve, oscila entre uma visão ambígua de Federico Fellini, mas muito crua e genuína. Pode não ser o melhor trabalho do realizador, mas é indiscutível o que fez pelo Cinema.

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