terça-feira, 10 de agosto de 2010

Shirin, por Carlos Antunes



Título original: Shirin
Realização: Abbas Kiarostami
Elenco: Juliette Binoche, Taraneh Alidoosti, Golshifteh Farahani e Niki Karimi

Shirin é um trabalho de interrogação ao espectador que, por uma vez, está a olhar para si mesmo, a avaliar o seu comportamento, a verificar a forma como lida com a visualização de um filme.
Não só de um filme, mas de uma história mítica e sensível capaz de tocar directamente aqueles espectadores específicos.


Estes espectadores, em específico, estão todos - ou quase, ignoremos por um momento a francesa Binoche - a observar um poema persa do século XII que é sedimentar para a sua Cultura.
Daí que as suas reacções possam ser tomadas como mais dedicadas e mais expostas - não interessa que sejam actrizes perante uma simulação, o cinema é a verdade se assim lhe dermos o espaço onde se forma a crença.


Kiarostami não filma apenas o espectador. Ao escolher apenas mulheres evoca muito mais.
Evoca, primeiro, a necessidade de emoção que o Cinema ainda tem ou devia ter, se o espectador não tiver ainda abdicado do seu papel indispensável na ligação emocional à arte em movimento.
Mais do que o homem é a mulher que ainda representa a revelação completamente aberta e sem vergonhas da emoção no seio da sociedade - e há que pensar que estamos a falar de uma sociedade menos aberta do que a nossa.
Evoca, igualmente, a beleza inigualável e intemporal do rosto feminino. A beleza e o poder, pois o choro num rosto feminino é sedutor e cruel, motivo para piedade e receio.
O rosto feminino tem poder sobre todos os que o observam, um poder que muitas vezes ainda é escondido não só pelo cinema mas pela sociedade em geral. Mais ainda num país onde o rosto é a única arma disponível e a descoberto às mulheres.


Apesar de tudo há homens em Shirin, mas surgem sempre em segundo plano. Os seus rostos estão estáticos, velados.
Quando os vemos estranhamos a sua presença e apreciamos o facto de ser tão breve a sua presença, como se eles não tivessem direito ou capacidade para fazer parte daquele público.


Shirin é, sem dúvida, um filme de exigência.
Requer, desde logo, o estado acolhedor e sereno da sala de cinema para poder ser visto. Mas requer, anda mais, disposição do espectador.
Nem sempre é fácil encarar de frente hora e meia de outros olhares que emocionalizam a história que apenas ouvimos.
O resultado final será sempre alvo de discussão, mas a experiência do espectador perante o espectador, no mínimo, levanta interrogações e dá outros tantos esclarecimentos sobre o que somos nós na sala de cinema.



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