terça-feira, 18 de janeiro de 2011

24, por Carlos dos Reis


São raros os casos em que um produto de ficção televisiva causa tanta controvérsia política, social e moral como “24” o fez durante oito temporadas. Classificado por vários como a face oficial do governo norte-americano na guerra contra o terror, Jack Bauer cativou milhões de admiradores em todo o mundo, desde o democrata Bill Clinton, ao republicano e candidato às últimas eleições presidenciais norte-americanas, John McCain, que pediu inclusive em praça pública para aparecer num episódio e falou abertamente sobre “24” numa ida ao programa do comediante Jon Stewart. Filósofos, teólogos, militares ou estrelas de cinema, ninguém ficou indiferente aos sacrifícios de uma personagem patriota, que coloca a defesa e a segurança do seu país no topo das suas prioridades, mesmo que tal traga desgraças irremediáveis à sua vida.

A série que revolucionou o panorama televisivo mundial veio ao mundo num dos períodos mais conturbados da vida e história norte-americana: dois meses após os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001. Filmado e pensado muito antes desse fatídico dia, as ideias inerentes a cada temporada de “24” conseguiram sempre antecipar tendências ou desenvolvimentos reais, tal como se do futuro viessem. Dos aviões que explodem para assassinar o fictício presidente norte-americano, ao chefe de estado negro que surpreendeu tanto republicanos como democratas, Jack Bauer e a CTU – Unidade Contra-Terrorista – reflectiram nos ecrãs de televisão os dilemas e complexidades reais de uma luta contra ameaças terroristas em sociedades contemporâneas que se regem pelas virtudes do humanismo.

Fenómeno cultural complexo e multidimensional, “24” é ainda entretenimento de excelência, onde a carência de regras e clichés narrativos garante uma imprevisibilidade deliciosa, que não deixa ninguém a salvo de um final menos feliz. Numa era de incertezas, tentar compreender as acções de Jack Bauer torna-se num verdadeiro e original teste aos valores e às predisposições políticas e ideológicas do espectador. Serão os atalhos sombrios de Bauer para chegar à verdade aceitáveis perante uma nação em risco? Violência, tragédia, heroísmo, ambiguidade, causas e efeitos, vencedores e derrotados, tudo entra em jogo nos extensos dias da personagem de Kiefer Sutherland, também ele um actor que passou por um outro inferno – de drogas e álcool – num certo período da sua vida.

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