quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O Discurso do Rei, por Tiago Ramos



Título original: The King's Speech (2010)
Realização: Tom Hooper
Argumento:
David Seidler

Num ano em que os principais candidatos à corrida pelo Óscar de Melhor Filme situam-se numa época contemporânea, com temas actuais e algum arrojo, não deixa de ser curioso que o provável vencedor do prémio seja um filme que prima pelo convencionalismo. Fantástica ironia esta, num mundo altamente globalizado e numa Academia aparentemente em leve mutação que este O Discurso do Rei volte à fórmula antiga, formal e oficial de fazer cinema que estes sempre premiaram.



O responsável por tal feito é Tom Hooper, um nome a reter . Depois de alguns telefilmes bem sucedidos, com o menosprezado The Damned United (2009) que estreou o ano passado em Portugal, confirmou a sua qualidade enquanto realizador que sabe criar um bom filme, com uma história aparentemente simples. O mesmo faz com este O Discurso do Rei - com um contexto sócio-político já explorado no cinema e com a família real britânica a ser mais uma vez alvo das atenção - que consegue ser original na sua concepção, abordando um tema pouco explorado e até quase ocultado da História, sempre de uma forma respeitosa, mas ao mesmo tempo envolvente para o espectador. E aí reside o principal segredo do filme: encanta, sem nunca ousar contra o espectador. É absolutamente inofensivo. É a típica história de superação, de coragem e de conquista individual: um achado nos dias de hoje, porque nunca chega a fraquejar assumindo um tom paternalista.

David Seidler constrói um argumento inteligente, apostando sempre no tom certo e sabe equilibrar nas quantidades correctas o drama histórico e a história pessoal de um homem, dando-lhe um tom levemente irónico e divertido nos momentos exactos. É precisamente uma das pérolas de O Discurso do Rei. Entra na intimidade da realeza britânica, conseguindo tornar as personagens humanas, nunca as enaltecendo do ponto de vista da sua personalidade. Pelo contrário: todas elas são caracterizadas de uma forma ambígua, tanto com qualidade como defeitos, acabando por criar empatia com o espectador. O mesmo com a realização de Tom Hooper e a montagem de Tariq Anwar: sabem sempre equilibrar o lado dramático e cómico da história e acertam na técnica certa, transformando uma narrativa absolutamente linear e simples, num filme bem estruturado e planeado.



Mas este cuidado e equilíbrio apenas tem como resultado este filme equilibrado dada a química e talento dos actores que compõem o elenco. Colin Firth, depois de uma interpretação menosprezada pela Academia em A Single Man (2009), encarna o papel do Rei George VI de um modo surpreendente. Ele é o herói, o protagonista improvável. Sempre dividido entre o desejo de seguir as pisadas do pai, assumindo um país em tempos turbulentos como o pré-Guerra, cabendo-lhe a ele a ingrata tarefa de acalmar o seu povo e a difícil relação dele com o contacto verbal directo com pessoas, quanto mais multidões. Personagem ambígua, carente, ridicularizado e posto de parte pelo seu problema, tanto pela sua família como por pessoas de hierarquia inferior, frustrado e com ataques de mau génio, mas sempre consciente da sua competência. Uma performance segura e brilhante. A seu lado uma surpreendente Helena Bonham-Carter, longe dos papéis mais bizarros que a caracterizaram nos últimos anos, num desempenho competente e interessante perspectiva da Rainha Mãe. É uma justa nomeação ao Óscar de Melhor Actriz Secundária. Por seu lado, temos também Geoffrey Rush como motor do filme. Rivaliza lado a lado com Colin Firth pelo protagonismo, apresentando aqui uma das mais interessantes e apaixonantes interpretações do ano. É ele, como o terapeuta pessoal do Rei e as suas técnicas inovadores e pouco convencionais, que despoleta toda a força do filme e que, se não existisse Christian Bale na competição, valer-lhe-ia muito provavelmente um Óscar.

Do ponto de vista técnico, o filme é também brilhante. Pontos óbvios a favor para o design de produção, cenários, direcção artística e guarda-roupa, típicos de filmes do género. Tom Hooper tem também uma interessante relação com a câmara, apostando em ângulos interessantes, muito focados na transmissão de sentimentos ao espectador, fazendo recordar Citizen Kane (1941), nesse campo. Existem também interessantes jogos de luz e uma fotografia encantadora da autoria de Danny Cohen. O mesmo se poderá dizer da banda sonora de Alexandre Desplat: um dos mais competentes e interessantes compositores da década e que assina aqui um dos melhores trabalhos do ano. Uma banda sonora no tom certo, tal como o filme.



Contudo, não deixa ser um interessante caso de estudo esta liderança de O Discurso do Rei na corrida aos Óscares. Aqui não existe um rasgo de génio, nem arrojo como abordam a história. É uma obra exemplar e formal, tanto na forma como no conteúdo. Mas acaba por ser irónico que um dos melhores momentos do filme seja uma cena mais arrojada - a única - em que as técnicas inusitadas de terapia resultam numa bela cena onde nem a palavra proibida no léxico da patrulha de moral e costumes norte-americana (o velho e eterno fuck) é omitida. Curioso que esse pequeno rasgo de arrojo acabe por ser censurado nos Estados Unidos, de forma a conquistar uma classificação mais baixa.

Mas no fim de contas, O Discurso do Rei é isso. Uma história relativamente banal, mas bem contada. Uma história rica, mas simples. É um filme inspirador, sobre comunicação, coragem, superação. Mas é precisamente a sua estrutura equilibrada que faz dele o filme grande e apaixonante que é. Porque no final de contas, os homens (e mulheres) como nós, os espectadores, não se conquistam pelo estômago, mas sim pelo coração.



Classificação:

1 comentário:

  1.  Muito boa crítica, parabéns. Identifico-me com a tua opinião.

    ResponderEliminar