Realização: Tom Hooper
Argumento: David Seidler
Num ano em que os principais candidatos à corrida pelo Óscar de Melhor Filme situam-se numa época contemporânea, com temas actuais e algum arrojo, não deixa de ser curioso que o provável vencedor do prémio seja um filme que prima pelo convencionalismo. Fantástica ironia esta, num mundo altamente globalizado e numa Academia aparentemente em leve mutação que este O Discurso do Rei volte à fórmula antiga, formal e oficial de fazer cinema que estes sempre premiaram.
O responsável por tal feito é Tom Hooper, um nome a reter . Depois de alguns telefilmes bem sucedidos, com o menosprezado The Damned United (2009) que estreou o ano passado em Portugal, confirmou a sua qualidade enquanto realizador que sabe criar um bom filme, com uma história aparentemente simples. O mesmo faz com este O Discurso do Rei - com um contexto sócio-político já explorado no cinema e com a família real britânica a ser mais uma vez alvo das atenção - que consegue ser original na sua concepção, abordando um tema pouco explorado e até quase ocultado da História, sempre de uma forma respeitosa, mas ao mesmo tempo envolvente para o espectador. E aí reside o principal segredo do filme: encanta, sem nunca ousar contra o espectador. É absolutamente inofensivo. É a típica história de superação, de coragem e de conquista individual: um achado nos dias de hoje, porque nunca chega a fraquejar assumindo um tom paternalista.
David Seidler constrói um argumento inteligente, apostando sempre no tom certo e sabe equilibrar nas quantidades correctas o drama histórico e a história pessoal de um homem, dando-lhe um tom levemente irónico e divertido nos momentos exactos. É precisamente uma das pérolas de O Discurso do Rei. Entra na intimidade da realeza britânica, conseguindo tornar as personagens humanas, nunca as enaltecendo do ponto de vista da sua personalidade. Pelo contrário: todas elas são caracterizadas de uma forma ambígua, tanto com qualidade como defeitos, acabando por criar empatia com o espectador. O mesmo com a realização de Tom Hooper e a montagem de Tariq Anwar: sabem sempre equilibrar o lado dramático e cómico da história e acertam na técnica certa, transformando uma narrativa absolutamente linear e simples, num filme bem estruturado e planeado.
Mas este cuidado e equilíbrio apenas tem como resultado este filme equilibrado dada a química e talento dos actores que compõem o elenco. Colin Firth, depois de uma interpretação menosprezada pela Academia em A Single Man (2009), encarna o papel do Rei George VI de um modo surpreendente. Ele é o herói, o protagonista improvável. Sempre dividido entre o desejo de seguir as pisadas do pai, assumindo um país em tempos turbulentos como o pré-Guerra, cabendo-lhe a ele a ingrata tarefa de acalmar o seu povo e a difícil relação dele com o contacto verbal directo com pessoas, quanto mais multidões. Personagem ambígua, carente, ridicularizado e posto de parte pelo seu problema, tanto pela sua família como por pessoas de hierarquia inferior, frustrado e com ataques de mau génio, mas sempre consciente da sua competência. Uma performance segura e brilhante. A seu lado uma surpreendente Helena Bonham-Carter, longe dos papéis mais bizarros que a caracterizaram nos últimos anos, num desempenho competente e interessante perspectiva da Rainha Mãe. É uma justa nomeação ao Óscar de Melhor Actriz Secundária. Por seu lado, temos também Geoffrey Rush como motor do filme. Rivaliza lado a lado com Colin Firth pelo protagonismo, apresentando aqui uma das mais interessantes e apaixonantes interpretações do ano. É ele, como o terapeuta pessoal do Rei e as suas técnicas inovadores e pouco convencionais, que despoleta toda a força do filme e que, se não existisse Christian Bale na competição, valer-lhe-ia muito provavelmente um Óscar.
Do ponto de vista técnico, o filme é também brilhante. Pontos óbvios a favor para o design de produção, cenários, direcção artística e guarda-roupa, típicos de filmes do género. Tom Hooper tem também uma interessante relação com a câmara, apostando em ângulos interessantes, muito focados na transmissão de sentimentos ao espectador, fazendo recordar Citizen Kane (1941), nesse campo. Existem também interessantes jogos de luz e uma fotografia encantadora da autoria de Danny Cohen. O mesmo se poderá dizer da banda sonora de Alexandre Desplat: um dos mais competentes e interessantes compositores da década e que assina aqui um dos melhores trabalhos do ano. Uma banda sonora no tom certo, tal como o filme.
Contudo, não deixa ser um interessante caso de estudo esta liderança de O Discurso do Rei na corrida aos Óscares. Aqui não existe um rasgo de génio, nem arrojo como abordam a história. É uma obra exemplar e formal, tanto na forma como no conteúdo. Mas acaba por ser irónico que um dos melhores momentos do filme seja uma cena mais arrojada - a única - em que as técnicas inusitadas de terapia resultam numa bela cena onde nem a palavra proibida no léxico da patrulha de moral e costumes norte-americana (o velho e eterno fuck) é omitida. Curioso que esse pequeno rasgo de arrojo acabe por ser censurado nos Estados Unidos, de forma a conquistar uma classificação mais baixa.
Mas no fim de contas, O Discurso do Rei é isso. Uma história relativamente banal, mas bem contada. Uma história rica, mas simples. É um filme inspirador, sobre comunicação, coragem, superação. Mas é precisamente a sua estrutura equilibrada que faz dele o filme grande e apaixonante que é. Porque no final de contas, os homens (e mulheres) como nós, os espectadores, não se conquistam pelo estômago, mas sim pelo coração.
David Seidler constrói um argumento inteligente, apostando sempre no tom certo e sabe equilibrar nas quantidades correctas o drama histórico e a história pessoal de um homem, dando-lhe um tom levemente irónico e divertido nos momentos exactos. É precisamente uma das pérolas de O Discurso do Rei. Entra na intimidade da realeza britânica, conseguindo tornar as personagens humanas, nunca as enaltecendo do ponto de vista da sua personalidade. Pelo contrário: todas elas são caracterizadas de uma forma ambígua, tanto com qualidade como defeitos, acabando por criar empatia com o espectador. O mesmo com a realização de Tom Hooper e a montagem de Tariq Anwar: sabem sempre equilibrar o lado dramático e cómico da história e acertam na técnica certa, transformando uma narrativa absolutamente linear e simples, num filme bem estruturado e planeado.
Mas este cuidado e equilíbrio apenas tem como resultado este filme equilibrado dada a química e talento dos actores que compõem o elenco. Colin Firth, depois de uma interpretação menosprezada pela Academia em A Single Man (2009), encarna o papel do Rei George VI de um modo surpreendente. Ele é o herói, o protagonista improvável. Sempre dividido entre o desejo de seguir as pisadas do pai, assumindo um país em tempos turbulentos como o pré-Guerra, cabendo-lhe a ele a ingrata tarefa de acalmar o seu povo e a difícil relação dele com o contacto verbal directo com pessoas, quanto mais multidões. Personagem ambígua, carente, ridicularizado e posto de parte pelo seu problema, tanto pela sua família como por pessoas de hierarquia inferior, frustrado e com ataques de mau génio, mas sempre consciente da sua competência. Uma performance segura e brilhante. A seu lado uma surpreendente Helena Bonham-Carter, longe dos papéis mais bizarros que a caracterizaram nos últimos anos, num desempenho competente e interessante perspectiva da Rainha Mãe. É uma justa nomeação ao Óscar de Melhor Actriz Secundária. Por seu lado, temos também Geoffrey Rush como motor do filme. Rivaliza lado a lado com Colin Firth pelo protagonismo, apresentando aqui uma das mais interessantes e apaixonantes interpretações do ano. É ele, como o terapeuta pessoal do Rei e as suas técnicas inovadores e pouco convencionais, que despoleta toda a força do filme e que, se não existisse Christian Bale na competição, valer-lhe-ia muito provavelmente um Óscar.
Do ponto de vista técnico, o filme é também brilhante. Pontos óbvios a favor para o design de produção, cenários, direcção artística e guarda-roupa, típicos de filmes do género. Tom Hooper tem também uma interessante relação com a câmara, apostando em ângulos interessantes, muito focados na transmissão de sentimentos ao espectador, fazendo recordar Citizen Kane (1941), nesse campo. Existem também interessantes jogos de luz e uma fotografia encantadora da autoria de Danny Cohen. O mesmo se poderá dizer da banda sonora de Alexandre Desplat: um dos mais competentes e interessantes compositores da década e que assina aqui um dos melhores trabalhos do ano. Uma banda sonora no tom certo, tal como o filme.
Contudo, não deixa ser um interessante caso de estudo esta liderança de O Discurso do Rei na corrida aos Óscares. Aqui não existe um rasgo de génio, nem arrojo como abordam a história. É uma obra exemplar e formal, tanto na forma como no conteúdo. Mas acaba por ser irónico que um dos melhores momentos do filme seja uma cena mais arrojada - a única - em que as técnicas inusitadas de terapia resultam numa bela cena onde nem a palavra proibida no léxico da patrulha de moral e costumes norte-americana (o velho e eterno fuck) é omitida. Curioso que esse pequeno rasgo de arrojo acabe por ser censurado nos Estados Unidos, de forma a conquistar uma classificação mais baixa.
Mas no fim de contas, O Discurso do Rei é isso. Uma história relativamente banal, mas bem contada. Uma história rica, mas simples. É um filme inspirador, sobre comunicação, coragem, superação. Mas é precisamente a sua estrutura equilibrada que faz dele o filme grande e apaixonante que é. Porque no final de contas, os homens (e mulheres) como nós, os espectadores, não se conquistam pelo estômago, mas sim pelo coração.
Muito boa crítica, parabéns. Identifico-me com a tua opinião.
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