Quinta-feira em Cannes ficou marcada pela polémica. Em virtude das declarações polémicas de Lars von Trier no dia anterior e apesar do pedido de desculpas tornado público, a direcção do Festival optou por castigar o cineasta, declarando-o como «persona non grata» e baniu-o do festival desde ali em diante, impedindo-o de participar em edições futuras do mesmo. Contudo, Melancholia continuou em competição e caso ganhe a Palma de Ouro (facto altamente improvável), ficará impedido de o ir receber. Em entrevista a um conjunto de jornalistas, Lars von Trier pediu novamente desculpa pelas palavras proferidas na conferência de imprensa, mas não se revelou de forma alguma frustrado pela decisão do festival, tomando-o até com alguma ironia.
Mas antes disso já tinha sido exibido na Croisette o último filme de Pedro Almodóvar, sob grande aprovação da crítica. La piel que habito foi considerado «deliciosamente negro e surpreendentemente divertido», juntando-se ao top dos preferidos da crítica e inclusive aos merecedores da Palma de Ouro. «Visualmente insuperável», um «trabalho de patchwork genial», um «thriller melodramático sombrio, mas nunca sóbrio», «maravilhosamente bizarro, estranhamente sexy e misteriosamente perverso». Uma novidade é o «abandono de cores brilhantes e fortes, para tons sombrios e metalizados». Contudo, há quem afirme que existe alguma falta de consistência num «filme à procura de um corpo».
Takashi Miike abraçou o 3D e apresentou Hara-Kiri: Death of a Samurai. O filme levou alguma parte da crítica a apontar o dedo à sua forma «excessiva e hiperbólica», que nunca se chega a comparar aos melhores filmes de samurais, falhando em «tocar as emoções», especialmente dados os «graves problemas de ritmo». A utilização do 3D é considerada uma «falha». Na secção Un Certain Regard, L'exercice de l'État, de Pierre Schöller (premiado pelo júri FIPRESCI), foi bem recebido pela forma com que explora cinematograficamente a política francesa, acompanhando um ministro em meio ao turbilhão do poder e em oposição ao (não tão bem recebido) filme, fora de competição, La Conquête. The Day He Arrives, de Sang-soo Hong foi considerado «amoroso e leve», «delicadamente surreal», mas que por vezes se «perde na sua repetição».
Sexta-feira ficou marcada por um potencial vencedor da Palma de Ouro (pairam alguns rumores em Cannes): This Must Be the Place, objecto atípico de Paolo Sorrentino. A crítica não o recebeu de braços abertos, mas já se sabe que muitas vezes o júri não vai de encontro à opinião geral. O filme foi considerado «artificial e sem argumento», «insuportavelmente sentimental e consistentemente ridículo», mas também «não tão mau quanto esperado». Alguns mencionam que Paolo Sorrentino é «justificadamente considerado um mestre emergente do cinema moderno», considerando o filme «elegante e visualmente inventivo». A interpretação de Sean Penn foi também elogiada.
Drive foi uma grande surpresa, dado o fervor com que grande parte da crítica o recebeu. O filme foi tido como um filme de acção que quase entra no «campo artístico e existencialista», «violento» e que apesar de «não saber como manusear o vazio das suas personagens, compensa com o elenco secundário» e revelador de um cineasta com «um talento sem limites» Por outro lado foi criticado por ser mais «derivado de filmes que na própria vida» e pelo seu género que para muitos nem devia ser merecedor de ser exibido em Cannes quanto mais em competição. Por seu lado, a polémica com Lars von Trier não acabou aqui. Em conferência de imprensa, Nicolas Winding Refn condenou as palavras do seu conterrâneo, criticando a forma muito dinamarquesa com que não se preocupou com o que disse. Quando indagado sobre a sua opinião, Lars von Trier respondeu com um simples: «Conheço-o desde criança. Ele que se fo**».
Julgado no seu próprio país e condenado a não poder filmar durante 20 anos, o iraniano Jafar Panahi conseguiu trazer a Cannes (mesmo não podendo estar presente) o seu filme clandestino This Is Not a Film. Chegou a Paris dentro de um bolo e é um filme sobre uma encenação, sobre a criação mental de um filme e que é sobretudo uma mensagem de esperança e de força.
Este Sábado teve a exibição de La Source des Femmes, do romeno Radu Mihaileanu. O filme não convenceu a maioria, mas apresenta ecos da revolução árabe, tendo sido considerado «pomposo e demagógico». Porém Once Upon a Time in Anatolia, do turco Nuri Bilge Ceylan, foi muito bem recebido em Cannes pela crítica com o seu «retrato moroso, rigoroso e magistral» da investigação de um homicídio. Apesar de ser um filme policial oferece «reflexões cómicas e ricas de uma pequena cidade» e sobre «a passagem do tempo», com «humor, graça, simpatia e um ponto de vista irónico». Na secção Un Certain Regard, Elena foi elogiado pela sua «bela fotografia e sólida narrativa». O filme de Andrei Zvyagintsev acabou por ganhar o Prémio Especial do Júri.
A encerrar o festival, o aguardado musical de Christophe Honoré surpreendeu. Considerado por alguns «um dos melhores filmes» do cineasta, Les bien-aimés é «um sublime e devastador labirinto de histórias de amor não correspondidas», «histórias de família comoventes e divertidas». O elenco foi especialmente elogiado, principalmente a presença da mãe e filha (tanto na ficção como na vida real): Catherine Deneuve e Chiara Mastroianni.
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