segunda-feira, 9 de maio de 2011

Carlos, por Tiago Ramos


Título original: Carlos (2010)
Realização: Olivier Assayas
Argumento: Olivier Assayas, Dan Franck e Daniel Leconte
Carlos não é tanto um filme sobre os actos da figura mítica do terrorista conhecido como “Carlos El Chacal” como é, na verdade, sobre a ascensão e queda de um ser humano cujo ego suplanta os ideais. Obra exibida na sua versão de 160 minutos (tem outra com cerca de cinco horas, que foi exibida como minissérie no Canal+) no Festival IndieLisboa 2011, marca o regresso de Olivier Assayas depois de Boarding Gate (2007) e L’heure d’été (2008).



Embora esta seja uma versão obviamente romanceada devido ao facto de alguns pormenores sobre a vida do venezuelano Ilich Ramírez Sánchez permanecerem incógnitos (salvaguardado logo de início), é uma obra marcante e historicamente interessante apresentando um retrato dos anos 70 e 80, onde a actuação de terroristas era completamente diferente do que vivemos no período pós-11 de Setembro. Período idealista e violento, onde não se distinguem as diversas facções das causas assim tão linearmente, devido à enorme ambiguidade que paira nas relações entre Estados.

O curioso e o que faz de Carlos uma obra tão competente é que Olivier Assayas nunca vai ao extremo de glorificar os feitos do protagonista ou, pelo contrário, julgar o seu comportamento e atitudes. Esta perspectiva marca também a verdadeira acepção do significado social e político da figura do terrorista Carlos: ora visto como um mercenário sem escrúpulos, ora considerado um ídolo. Edgar Ramírez é sem sombra de dúvida o ponto alto do filme. O actor conhecido pelos seus desempenhos secundários em obras como Che: Part One (2008) tem aqui o papel da sua vida, personificando com detalhe assombroso o guerrilheiro. É sobretudo impressionante a forma como assistimos à sua gradual transformação, que passa pela ascensão e glória até ao inevitável declínio. Esta transformação é brilhantemente recriada quando logo de início assistimos à triunfante pose de Carlos, nu perante o espelho, ao som de “Dreams Never End” dos New Order. Eis o mito de Carlos, banhado pela luz que entra pela janela do quarto, eis um momento narcisista de alguém impressionado consigo próprio. Se nasce aqui o mito de Carlos, el Chacal, temos também aqui o ponto de partida para o seu fim.



Perdido entre o ideal marxista e anti-imperialista, convicto do seu próprio poder e quase divindidade, Carlos é suplantado pela propaganda de si próprio. Essa visão é vista com um olhar melancólico pela câmara de Olivier Assayas. Rápida e intensa, mas sempre neutra. Essa câmara ao ombro do cineasta admira a figura de Carlos, mas sobretudo os seus gestos de veneração pelas armas e mulheres, ao mesmo tempo que nos seduz enquanto espectadores. O seu charme domina o ecrã, assim como o seu ego lhe domina a alma.

Destaque para as espectaculares cenas de acção que reconstituem eventos como a tentativa de explosão de uma avião no aeroporto de Orly ou o assalto com posse de reféns numa cimeira da OPEP, na cidade austríaca de Viena. A câmara pulsante de Olivier Assayas revela-nos simultaneamente a fragilidade e a dinâmica entre operações de guerrilha tão depressa bem sucedidas como falhadas. A sua câmara aliada ao argumento competente que condensa em tão pouco tempo cerca de 20 anos de vida de Ilich Ramírez Sánchez, com todas as mudanças geopolíticas a que obrigou assim como todas as alterações graduais de personalidade.



É verdade que a versão que assistiremos nos cinemas portugueses poderá fazer sentir a falta do detalhe e acção que a minissérie trouxe. Contudo, Carlos não deixa de ser uma arriscada obra na filmografia de um cineasta competente como Olivier Assayas. Tomara que todos assumissem riscos como estes.

Classificação:

6 comentários:

  1. Concordo mesmo, Tiago. A queda e ascensão de um homem; a amoralidade com que trata questões tão delicadas como os seus actos; a distância com que nos traz o drama palestiniano, a ideologia (revolucionária) e outras linhas de acção política e relações entre países.

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  2. Quero ver este filme. Gostava de arranjar a minissérie.


    Abraço

    Frank and Hall's Stuff

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  3. Esta crítica mereceu destaque na rubrica «A "Polémica" do Mês» do Keyzer Soze's Place, disponível aqui: http://sozekeyser.blogspot.com/2011/06/polemica-do-mes-3.htmlCumps cinéfilos!

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