sábado, 10 de março de 2012

Em Câmara Lenta, por Tiago Ramos



Título original: Em Câmara Lenta (2012)
Realização: Fernando Lopes
Argumento: Rui Cardoso Martins
Elenco: Rui Morrison, João Reis, Maria João Pinho, Maria João Luís e Maria João Bastos

Fernando Lopes sempre filmou com muita poesia. Não só do ponto de vista estético, mas também no seu conteúdo. Não é de estranhar então que Em Câmara Lenta haja poesia à espreita em cada cena, haja literatura, filosofia e cultura do saber. Não é de estranhar então que logo numa das cenas iniciais o protagonista cite assim e em tom declamatório, Alexandre O'Neill: «Sigamos o cherne, minha amiga!». O filme é também assim, de interpretação não directa, lento na sua exposição e compreensão, como que à espera de amadurecimento. Como diz o título: em câmara lenta. Ou seja, mais uma estrutura ao nível de Fernando Lopes. A personagem de Rui Morrison é também ela, de certo modo, recorrente na sua filmografia: o Don Juan português, o sedutor, o de lábia fácil, num estilo que evoca imediatamente O Delfim (2002). Mas aqui a intenção da narrativa é construir uma teia de interacções ou um conjunto de interessantes ligações entre personagens (que o Salvador, belamente interpretado por João Reis, esquematiza numa das cenas), que infelizmente nunca chega a acontecer exactamente. As personagens aparecem-nos como que isoladas em pequenos retratos, sem nunca dar espaço a essa verdadeira interacção entre elas. Todas aparecem dispersas, dando espaço apenas ao Santiago de Rui Morrison para que interaja com elas. Propositado ou não, a verdade é que é precisamente a curta duração do filme (mesmo em câmara lenta) que não permite que se explore essa teia e quando estamos prestes a chegar ao âmago da questão é aí que o alto-mar se sobrepõe. «Vou atrás de um peixe grande. Ou o apanho eu, ou ele a mim». E aí também Fernando Lopes nos apanha e larga-nos das personagens e encerra-nos com uma narrativa que exigia mais amadurecimento. Algo que no fundo não nos soe a tão vazio.

Porém, a poesia de Fernando Lopes é encantadora. É um exercício próprio do autor que, tal como Santiago, também nunca se entrega totalmente ao espectador. Poesia estética, divagação pessoal, de quem questiona - tal como Santiago enquanto nada - a sua própria alma.

Nota para a curta-metragem que acompanha o filme e que marca a estreia na realização do actor Adriano LuzO Dia Mais Feliz da Tua Vida, embora mais terra a terra, é também ele exemplo de uma visão poética e neste caso, de uma angustiante degradação humana. A direcção é precisa, detalhada, com ângulos interessantes e com uma excelente coordenação a nível sonoro (aquele constar pingar da torneira fica na cabeça). Mas a nível narrativo é também ela um pouco vazia e ficamos a amadurecer o que aconteceria além daqueles 20 minutos. Um pouco à semelhança de Em Câmara Lenta: ficamos à espera do que há para além daquele mar.


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2 comentários:

  1. É estranho não terem a crítica ao "assim assim"...

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    1. Olá João Sousa,

      Antes de mais obrigado pelo comentário. O Split Screen é um blogue mantido por pura paixão ao cinema, sendo que os seus intervenientes fazem consoante a sua disponibilidade, visto que mantêm um trabalho que os sustenta, já que não somos remunerados para escrever no blogue.

      Nem todos os filmes que vemos no cinema ou em casa recebem crítica aqui no blogue, especialmente porque - e infelizmente - não temos tempo para tudo. E isto acontece quer o filme seja muito bom ou muito mau.

      Mas acima de tudo, a razão de não existir crítica ao filme por aqui é precisamente porque ainda não tive oportunidade de o ver no cinema. Penso em fazê-lo, se conseguir, na próxima semana antes que saia de sala...

      Desta forma não compreendo porque acha «estranho» não termos crítica ao filme.

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