Queremos agradecer todos os textos enviados para este passatempo. E dar os parabéns aos vencedores escolhidos e que agora revelamos.
Eduarda Santos Peixoto
O filme "O Perfume" foi dos mais marcantes que vi em toda a minha vida. A obssessão do protagonista em conseguir captar e conservar o perfume natural de uma mulher casta é simultaneamente sinistra e apaixonante. A ânsia em manter vivo aquilo que lhe foge por entre os dedos mas que é tão natural e puro, leva o espectador a um misto de sentimentos que culmina numdilema moral: odiá-lo pelas mortes que insensivelmente leva a cabo, ou perdoá-lo pela sua alienação total de um mundo real caracterizado pela imundisse e daltonismo. Uma das cenas mais marcantes é, sem dúvida, a da abertura do filme em que a mãe dá à luz o bébé prodígio com total indiferença emocional, entre o nojo de ruas sem saneamento e a ausência total de salubridade que caracterizava as gentes daquela época; é impressionante a forma como o filme consegue induzir a sensação de enorme repulsa no telespectador. Não podia deixar de referir o apogeu do filme: a cena final da orgia. Uma cena feita com extremo bom gosto, que em vez de constranger o telespectador, lhe transmite a sensação de liberdade e de harmonia total - face à libertação do perfume perfeito, os seres humanos entregam-se cegamente à paixão. Sou estudante de criminologia e, apesar de já o ter visto anteriormente, este filme foi inclusive alvo de estudo numa das aulas do meu curso, tendo gerado muitos fãs na minha turma. Adoraria ter a chance de confrontar as inesquecíveis experiencias que tive ao assistir o filme, com a versão original do livro que nunca tive oportunidade de ler.
Rui Alves Carneiro
Obra ímpar em todos os sentidos, sendo que, de fato é de sentidos que se fala, nomeadamente, do olfato, “O perfume” influenciou numerosos artistas, sendo por exemplo, a fonte de inspiração para Kurt Cobain na canção “Scentless Aprrentice” (O aprendiz sem olfato).
A transposição das palavras de Süskind para a sétima arte colocava um enorme desafio, ao convocar o sentido da visão do espetador para um filme todo ele centrado na questão etérea e diáfana dos estímulos olfativos. A solução encontrada passou por criar um efeito de deslumbramento visual que, através de uma garrida paleta de cores, conseguisse potenciar o efeito delirante e inebriante dos perfumes.
Assim sendo, visualmente o filme é uma obra magistral, quer pela beleza dos cenários, quer pela beleza estonteante das beldades do elenco, destacando-se, neste aspeto as fulgurantes ruivas Karoline Herfurth (The Plum Girl), a primeira vítima de Grenouille e uma morte plena de simbolismo de cariz erótico; Rachel Hurd-Wood (Laura), o ideal petrarquista de beleza, e a fonte de inspiração para o sonho psicótico e homicida da personagem principal.
Falar de Jean-Baptiste Grenouille, o génio “serial killer”,faz-nos pensar na bipolaridade dessa figura que é um arquétipo do artista demiúrgico, mestre do bem e do mal, um lobo em pele de cordeiro. Ben Whishaw agarra perfeitamente a personagem e a teatralidade da sua interpretação confere uma subtileza expressionista ao jovem criador de perfumes. A perfídia do perfumista choca com a sua genialidade criadora criando ambivalências e uma tensão psicológica que acompanha todo o desenrolar da ação.
Alicerçado num argumento complexo, cativante e surpreendente, “O perfume” é uma obra de arte cinematográfica. A intriga é alegoricamente desafiadora e intrincada, apaixonando o espetador durante todo o filme. A cenografia arrebatadora lembra as pinturas deslumbrantes e pictoricamente arrojadas do expressionista Gustav Klimt e o onanismo delirante do perfumista convoca reminiscências da teoria psicanalítica freudiana.
O livro de Süskind é reconhecido como uma das obras literárias mais fascinantes da pós-modernidade e, na verdade, o filme não possui a mesma dimensão sexual e grotesca da novela original, ficando um pouco a montante da vibração hedonista das palavras do escritor alemão. No entanto, há que reconhecer que em termos puramente cinematográficos: “O Perfume - História de um Assassino” é um “artefacto” artístico, uma filigrana exótica maquiavelicamente encenada.
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