domingo, 23 de dezembro de 2012

A Vida de Pi, por Tiago Ramos


Título original: Life of Pi (2012)
Realização: Ang Lee
Argumento: David Magee
Elenco: Suraj Sharma, Irrfan Khan, Adil Hussain, Tabu, Gérard Depardieu e Rafe Spall

Desde cedo na sua carreira que Ang Lee sempre foi um contador de histórias. Não interessa muito que tipo de história seja - pelas mãos do cineasta já passaram muitas e de géneros completamente diferentes - mas encontramos sempre uma câmara importada com as personagens, com as suas vidas e o que as levou ali, partindo de um conflito. E A Vida de Pi não é excepção. Temos pois, novamente, um cineasta preocupado com as personagens e a sua história, mas desta vez num tom de fábula que lhe assenta curiosamente bem. Ang Lee segura bem as rédeas do filme, dirigindo-o com elegância e simpatia, e comprovando a sua mestria habitual com a câmara, como por exemplo naquela magnífica cena da tempestade em alto mar (uma das melhores cenas do ano), em que somos conduzidos a um abismo assombroso e poético de emoções extremas. E a doçura com que a câmara segue as personagens, principalmente a que dá nome à história, nunca seria completa sem a talentosa equipa que o rodeia. Destaque óbvio e evidente para a assombrosa direcção de fotografia de Claudio Miranda (não só se rege só pelos efeitos visuais, como muitos o acusam), com grande contraste e saturação de cores, entre o azul do oceano que ocupa grande parte da acção e o espaço que o rodeia - criando também algumas das mais belas sequências do cinema este ano; mas também para o trabalho em CGI que revela um avanço magnífico na tecnologia em favor da narrativa - não podemos deixar de falar no perfeito trabalho na criação de um tigre completamente digital, mas não por isso menos natural. O 3D que Ang Lee usa (em potencial, completamente justificado dado o carácter da história) é bastante competente, se bem que por vezes subaproveitado, a não ser na estrondosa sequência inicial. E não esquecer a banda sonora de Mychael Danna, uma das mais belas do ano e que se integra bem no carácter de fábula da narrativa.

Mas um filme não é só o seu visual ou a destreza do seu realizador. E é na narrativa que o espectador poderá encontrar o seu calcanhar de Aquiles. Não que não seja simpática a história, resultante de um entretenimento familiar cativante, mas é também ela limitada a um único objectivo: o levantamento de questões filosóficas e existenciais que se tornam bastante cansativas. Fá-lo até arrogantemente: tenta simular que dá ao espectador a oportunidade de escolher em que acredita (a sequência final, por exemplo, parece fazê-lo), mas na verdade limita-se a apresentar o seu único ponto de vista ("vais ouvir uma história que te vai fazer acreditar em Deus"). É aí que a história se esgota - no seu sermão moral e religioso, disfarçado pela condescendência e que nunca consegue transmitir completamente a experiência agonizante do seu protagonista. O seu sermão, já mais que ouvido, suaviza o tom mais cru que poderia ganhar, especialmente quando grande parte da sua duração é ocupada por alguns momentos extensos demais e que podiam ser aproveitados em favor de algum arrojo. A Vida de Pi é uma experiência positiva (especialmente a nível visual), mas que facilmente se esgota na sua tendência moralizante.


Classificação:

2 comentários:

  1. Era o que eu temia. Ainda não vi o filme nem li o livro, mas as opiniões iniciais já indicavam um exagero da mensagem pró-crença. Se te pareceu assim tão tendencioso, ainda mais me vai incomodar. Mas mantenho a intenção de ir ver o filme, só posso esperar não sentir o mesmo senão saio de lá irritado com a mensagem em vez de maravilhado com a imagem.

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  2. Na vida, em geral, pegamos o que nos convém, e largamos
    o que não encaixa na nossa vida. Simples como tal!!
    Lindo filme, que deixou-me metade dele de boca
    e olhos abertos!!!
    E, no fim, cada um interpreta o todo como entender...
    ;-)

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