Quando foi criado em 1978, aquele que conhecemos actualmente como Festival de Sundance estava longe ser o que é hoje. Agora como um dos mais importantes e decisivos festivais internacionais, a sua primeira edição decorreu em Salt Lake City, com a intenção de mostrar filmes estritamente produzidos nos Estados Unidos, potenciando ainda a indústria independente e aumentar a visibilidade da indústria cinematográfica no Estado do Utah. Na altura conhecido como Utah/US Film Festival, o evento mudou radicalmente quando Robert Redford associou o seu nome ao festival, atribuindo visibilidade maior ao certame que destaca o trabalho de realizadores locais que trabalhavam fora do sistema de Hollywood. Três anos depois, o festival mudou para Park City, alterando ainda as suas datas habituais, de Setembro para Janeiro, alegadamente sob o conselho de Sydney Pollack que sugeriu que um festival durante o Inverno, num resort de sky atrairia ainda mais a atenção de Hollywood. Já em 1984, o Sundance Institute alterou o nome do festival para Sundance Film Festival, em homenagem a Robert Redford e ao seu papel de The Sundance Kid no filme Butch Cassidy and the Sundance Kid.
Mas aquele que havia outrora sido um festival que combatia em parte o sistema esquemático de uma indústria regida pelos grandes estúdios, tornou-se nos últimos anos um festival que é considerado o primeiro precursor da corrida aos Óscares do ano seguinte. Não deixa de ser ainda curioso que a atenção atraída sobre a indústria cinematográfica independente, alterou também o próprio conceito de cinema independente (feito sem grandes apoios financeiros e longe dos grandes estúdios de Hollywood), efectuando uma corrida dos maiores estúdios àquilo que hoje em dia assumiu o formato de um subgénero cinematográfico - o cinema indie (que já não está tão ligado aos valores de produção e que faz com que, por exemplo um filme como Silver Linings Playbook possa ser considerado um "filho" do género, apesar dos seus 21 milhões de dólares de orçamento).
Embora pontualmente, alguns seleccionados do festival figurassem no final do ano entre os nomeados aos Óscares, isso acontecia principalmente nas categorias de Melhor Curta-Metragem Documental e outras mais pequenas. Mas nos últimos anos, assistimos a um aumento exponencial de vencedores do Festival de Sundance entre os principais nomeados ao Óscar - passando das categorias de curtas-metragens, para um quase domínio da categoria de Melhor Documentário, passando para categorias de interpretação, argumento e até, nos últimos anos, para Melhor Filme.
Comecemos, a título de exemplo, em 2001, com três dos filmes premiados no certame de Sundance a marcarem presença na cerimónia da Academia norte-americana de Artes e Ciências Cinematográficas. Memento venceu o prémio Waldo Salt para Melhor Argumento e em 2002 foi nomeado ao Óscar de Melhor Argumento Original e Melhor Montagem. In the Bedroom, vencedor do Prémio do Júri para Melhor Elenco, foi nomeado para cinco Óscares, incluindo Melhor Filme. Children Underground, também prémio especial do júri, foi nomeado na categoria de Melhor Documentário. Nos anos seguintes, outros documentários premiados em Sundance conseguem ser nomeados ao Óscar, Daughter from Danang (2002), Capturing the Friedmans (2003), Super Size Me (2004). Em 2009, Man on Wire, vencedor em 2008 do Prémio do Júri para Melhor Documentário (Cinema Mundial) arrecada o Óscar.
Ainda em 2003, American Splendor e Thirteen (vencedor do Grande Prémio do Júri em Ficção e Realização, respectivamente) conseguem uma nomeação ao Óscar, cada um. No ano seguinte, o mesmo acontece com Maria Full of Grace. Em 2006, três filmes premiados no ano anterior em Sundance chegam aos Óscares: Hustle & Flow vence a Melhor Canção Original e recebe nomeação para Melhor Actor; The Squid and the Whale em Melhor Argumento Original e Junebug para Melhor Actriz Secundária, dando a conhecer aquela que hoje em dia é presença assídua nos Óscares: Amy Adams. Once, premiado pelo público de Sundance em 2007, vence o Óscar de Melhor Canção Original em 2008, comprovando a importância dos crowd pleasers também nos prémios da Academia. No ano em que Man on Wire venceu o Óscar, também o silencioso Frozen River, vencedor do Grande Prémio de Sundance em 2008, consegue duas nomeações ao Óscar - Melhor Actriz e Melhor Argumento Original - aguentando assim a pressão de quase um ano de diferença entre as premiações e sem ser muito notado nos prémios precursores.
2009 em Sundance foi um ano marcante. Precious foi o grande vencedor do festival, marcando uma rara consonância de opinião entre o júri e o público do certame . Nos Óscares recebeu um total de seis nomeações, dos quais leva dois para casa: Melhor Argumento Adaptado e Melhor Actriz Secundária. The Cove, também premiado pelo público de Sundance, venceu o Óscar de Melhor Documentário 2010 (Burma VJ recebe nomeação na mesma categoria, depois de ter recebido um prémio técnico em Sundance). O britânico An Education é o preferido do público e recebe três nomeações ao Óscar, incluindo o de Melhor Filme.
No ano seguinte, Winter's Bone vence dois dos prémios principais em Sundance (Grande Prémio do Júri e Waldo Salt Screenwriting) e recebe quatro nomeações aos Óscares 2011: Melhor Filme, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Actor Secundário e Melhor Actriz. Neste último caso deu a conhecer ao mundo, aquela que é a nova American sweetheart, Jennifer Lawrence e que pode muito bem ganhar o Óscar este ano. Nesse mesmo ano, Jacki Weaver chega com uma nomeação como Melhor Actriz Secundária (volta este ano também às nomeações), depois do australiano Animal Kingdom ser premiado pelo júri de Sundance. Restrepo, Waste Land e GasLand são nomeados ao Óscar de Melhor Documentário, depois de serem premiados em Sundance.
Em 2011 porém notou-se uma quebra considerável nesta frequência de associações. Apesar dos prémios e do grande hype de filmes como Like Crazy ou Martha Marcy May Marlene, estes não conseguem sobreviver à corrida aos prémios, perdendo fulgor e apenas Hell and Back Again chega ao Óscar 2012, na categoria de Melhor Documentário 2012. O factor Sundance nem sempre sobrevive a uma severa indústria de prémios. O mesmo aconteceu em outros anos, claro, com vários filmes premiados em Sundance (ou apenas seleccionados, já que filmes como The Kids Are All Right ou Blue Valentine conseguiram chegar aos Óscares apesar de não receberem qualquer galardão aquando da sua passagem no festival) a não sobreviverem ao hype desse certame que, a cada ano que passa, é mais visitado pela indústria de Hollywood, que procura ansiosa e avidamente, o seu grande próximo candidato ao Óscar.
Mas este ano algo notável aconteceu. Beasts of the Southern Wild (considerado por muitos como o melhor filme de sempre no Festival de Sundance) chegou aos Óscares com umas impressionantes quatro nomeações, incluindo na improvável categoria de Melhor Realizador, acumulando essa nomeação com as de Melhor Argumento Adaptado, Melhor Actriz e Melhor Filme. O hype do festival confirmou-se durante todo o ano em grandes festivais internacionais, incluindo em Cannes, que começa hoje em dia a seleccionar também alguns dos mais marcantes filmes que passam por este festival no Utah. The Sessions (na altura ainda sob o nome The Surrogate venceu o prémio do público e de melhor elenco) conseguindo uma nomeação para Helen Hunt na categoria de Melhor Actriz Secundária, apesar de John Hawkes não ter conseguido destino semelhante numa corrida demasiado apertada. The Invisible War e Searching for a Sugar Man são os dois principais nomeados e concorrentes ao Óscar de Melhor Documentário (outro dos nomeados também passou pelo festival), enquanto que até Chasing Ice (com a sua fotografia premiada em Sundance) recebeu uma nomeação ao Óscar de Melhor Canção Original.
Este ano com o anúncio dos vencedores do Festival de Sundance 2013 começam a fazer-se apostas para os Óscares 2014. Tudo é um jogo, mas as suposições não são mais tão improváveis como há uns anos atrás, com grandes distribuidores da máquina de Hollywood a fazer "compras" no Festival de Sundance. Fruitvale, de Ryan Coogler, venceu o Grande Prémio do Júri e Prémio do Público em ficção, sendo centrado na história verdadeira de um jovem de 22 anos nos seus últimos dias de vida. O filme, que conta com Michael B. Jordan e Octavia Spencer entre os protagonistas, já tem os seus direitos adquiridos pela The Weinstein Company, tornando-o claramente um dos principais candidatos ao Óscar no próximo ano. Blood Brother venceu o Grande Prémio do Júri e do Público para Documentário, centrando-se na inspiradora história do americano Rocky Braat que descobriu a paixão pelo trabalho humanitário na Índia. Este é um dos mais sérios candidatos ao Óscar 2014 de Melhor Documentário, por mais presunçosa que esta afirmação possa parecer com um ano ainda pela frente. A RADiUS-TWC, uma multiplataforma da The Weinstein Company - aquela que nos últimos anos mais consegue marcar a viragem na corrida aos Óscares (este ano pode acontecer com Silver Linings Playbook) - adquiriu ainda outros filmes em Sundance 2013, entre os quais, os documentários Cutie and the Boxer (vencedor do Prémio de Melhor Realizador para Documentário), Twenty Feet from Stardom e Inequality for All, bem como os filmes Concussion e Lovelace. Outros grandes distribuidores também adquiriram os direitos de vários dos filmes exibidos em Sundance, com o festival a continuar a ser um dos mais visitados pela indústria e pelo público, com direito a honras de destaque em jornais e revistas da especialidade, bem como a passadeiras vermelhas e paparazzi em redor de estrelas de Hollywood.
Não deixa de ser irónico que um festival que sempre se procurou diferenciar do sistema de Hollywood, ser agora factor e presença determinante nos seus maiores prémios da indústria. Resta-nos esperar para ver os vencedores deste ano e aguardar pelos nomeados para 2014 e aí saberemos se a sua influência continuará a crescer ou não.
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