No final do primeiro volume, Joe grita "Não consigo sentir nada". E ao espectador apetece-lhe gritar também. É um facto. Não conseguimos sentir também. E se a Joe, a vida agora lhe negava o prazer (ou a sua fuga), também nós nos sentimos privados desse mesmo direito. Daí que se parte para o segundo volume com essa expectativa, a de sabermos se haveria algo para sentir ali, se havia algo mais para além da sua visível condição de cínico, se havia algo de facto para sentir. É quando nos apercebemos que afinal, Lars von Trier sempre esteve por ali e se pensámos de outra forma, se achámos que dentro daquele humor bizarro havia uma noção contrastante do habitual modelo do cineasta, foi porque este no induziu em erro. Manipulou-nos do início ao fim, levou-nos às origens da adição por sexo (Joe não é uma viciada em sexo, avisa-nos: é uma ninfomaníaca), aqui leva-nos ao lado negro e mais profundo do mesmo. Brincou connosco, criou inúmeras referências, metáforas mirabolantes por Seligman, para gozar com a nossa eventual sobre-análise, para nos divertir e nos deixar absolutamente desarmados. Fê-lo para depois nos esbofetear e pontapear, para nos revoltar (quem não se sentiu assim, quando este parece encenar o prólogo de Antichrist?), para nos esmagar e levar ao abismo junto com a sua protagonista. Fez-nos escarnecer a tolice masculina, para depois nos fazer regressar à misoginia do costume. Fez-nos sentir repulsa. Fez-nos sentir.
Provocador e cínico, leva-nos a observar a odisseia de uma mulher que é também a sua. Que revisita os seus temas, as suas condições e os seus propósitos. Charlotte Gainsbourg tem neste segundo volume o destaque para brilhar, para se entregar às nefastas vontades do seu realizador, para se subjugar (as cenas com Jamie Bell são de uma violência esmagadora - a interpretação é notável), para nos enganar também. Maliciosamente entrega-nos aos seus propósitos. Estarrecedora cena com Jean-Marc Barr. Revolta-nos, pontapeia-nos, manipula-nos. Aqui está. É Lars von Trier. Afinal sempre esteve aqui.
Provocador e cínico, leva-nos a observar a odisseia de uma mulher que é também a sua. Que revisita os seus temas, as suas condições e os seus propósitos. Charlotte Gainsbourg tem neste segundo volume o destaque para brilhar, para se entregar às nefastas vontades do seu realizador, para se subjugar (as cenas com Jamie Bell são de uma violência esmagadora - a interpretação é notável), para nos enganar também. Maliciosamente entrega-nos aos seus propósitos. Estarrecedora cena com Jean-Marc Barr. Revolta-nos, pontapeia-nos, manipula-nos. Aqui está. É Lars von Trier. Afinal sempre esteve aqui.
É por isso que o lado mais cruel da acção de Lars von Trier é visível no clímax da sua narrativa. A mulher que nunca vira redenção em si mesma, que se via como a personificação do pecado e do mal, sem qualquer hipótese de salvação, apercebe-se agora que talvez afinal haja - contra todas as improbabilidades estatísticas - a hipótese de se redimir. A nós enquanto espectadores, manipulados desde o primeiro volume a acreditar em alguma condescendência dentro do tom por si só irónico (quase divertido), pareceu-nos também que sim. Caímos na mesma armadilha de Joe, para voltarmos a ser manipulados como sempre o fomos por Lars. Não há salvação, não há hipótese. E deita-se por terra toda e qualquer teoria do um num milhão, citada por uma qualquer psicóloga de validade duvidosa. Porque não há redenção, só condenação. E a condição biológica permite-nos talvez só um fim. Somos manipulados, mas ao menos dentro do embuste, sentimos algo. E por mais imoral e abjecto que possa ser, esse é um sentimento tão válido como qualquer outro.
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