quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Sinédoque, Nova Iorque; por Carlos Antunes



Título original: Synecdoche, New York
Realização: Charlie Kaufman
Argumento: Charlie Kaufman
Elenco: Philip Seymour Hoffman, Catherine Keener, Tom Noonan, Sadie Goldstein, Michelle Williams, Samantha Morton, Hope Davis e Jennifer Jason Leigh

Ao tomar o todo das vidas que tocam na dele como a parte que interessa representar, Caden Cotard, tenta explicar o processo de ser ele mesmo.
Tenta desvendar-se para que possa perceber até que ponto a parte é, afinal, uma mera fuga, porque as vidas dos outros não se espraiam a partir da dele mas existem elas próprias como pontos de partida.
A vida de Cotard, a parte que lhe corresponde, tentará servir um propósito maior, representar um todo para si mesmo por via da representação do (suposto) todo que o rodeia, numa ficção da realidade quase em tempo real.
Mas como ele verá, o todo a representar é somente uma parte mais e o seu todo particular ficou retido demasiado tempo, incompleto, somente uma parte de si mesmo.
No fundo, o todo é somente a parte de um outro desígnio, como a parte é sempre o todo que podemos alcançar.



O todo e a parte, como a sinédoque do título logo avisa, é em grande parte o tema deste filme, mas não é todo o seu tema.
Aliás, isso é menos importante de definir do que a experiência singular que o filme causará a cada espectador,
Sinédoque, Nova Iorque é como uma caixa chinesa, onde o importante não é o seu resultado, mas o processo da sua resolução, a desconstrução e reconstrução do enigma.
Enigma feito da ficcionalização da realidade que depois se vê formar uma realidade em si mesma na mesma medida em que se dá a realização da ficção que ultrapassou a própria consciência de Caden.
Toda uma vida – cerca de 25 anos – se baralha naquilo que poderá não ser mais do que um dia ou uma semana, tornando imprevisível o resultado do constante novelo que se forma entre ficção e realidade ou realidade da ficção, nos vários ecos que de uma para outra se estendem.



Mas o filme em si passa como uma encenação teatral, funcional, certamente eficaz para o texto, mas demasiado austera e claustrofóbica para funcionar devidamente a favor do espectador.
Não há uma invenção imagética ao nível da inventividade do texto e isso obriga o espectador a estar permanentemente em confronto com as ideias do argumento, em vez de poder interiorizá-las em pano de fundo para numa análise à posteriori, para melhor as extrair e interpretar.
Essa encenação austera acaba por deixar a nu as falhas de um argumento que se mantém demasiado agarrado à realidade para conseguir justificar a permanente ruptura da cronologia ou a forma metafórica que alguns pormenores e episódios têm.
Essa encenação austera acaba por cansar o espectador que não atenta devidamente – ou pelo menos a tempo inteiro – na interpretação brilhante de Philip Seymour Hoffman.



Sinédoque, Nova Iorque é um filme que inspirará diversos ensaios e hipóteses filosóficas, que inspirará diversas interpretações e discussões pessoais, que ficará como um desafio intelectual por muito tempo – o que é justíssimo de assinalar como um feito de mérito próprio em tempos em que o cinema se reduz muitas vezes a si mesmo.
Mas visto simplesmente como um filme, será sempre um objecto interessante mas limitado, um filme a precisar de descolar do seu argumento.

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