sábado, 5 de dezembro de 2009

Uma Mulher da Rua, por Carlos Antunes


Título original:
Boxcar Bertha
Realização: Martin Scorsese
Argumento: Joyce Hooper Corrington
Elenco: Barbara Hershey, David Carradine, Barry Primus e Bernie Casey

Boxcar Bertha foi a primeira longa-metragem de Scorsese depois de muitos projectos que acabariam por falhar.
O seu padrinho foi Roger Corman que lhe pediu a sua própria versão de Bonnie and Clyde sobrecarregada de violência e sexo.
Mas o resultado esteve longe de ser apenas mais um dos filmes de exploitation que o produtor distribuía na altura.

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Desde logo porque Scorsese coloca muitas daquelas que se foram revelando serem as suas obsessões, da sobreposição da violência a tudo o resto e de uma destemperada forma de religiosidade.
As cenas de puro massacre parecem rebentar contra os nossos tímpanos e não há nada de ágil ou belo nelas, são quase capazes de nos fazer desviar o olhar de tão sujas e reais.
A sua cena final - magnífica e tão simplesmente pensada - com o cruxificado era a manifestação de como a religião não anda distante , algo que lhe foi ensinado pelo bairro onde vivia onde as escolhas eram entre padre e gangster.

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Não há nada de verdadeiramente simples neste filme, mesmo que a montagem despachada assim o faça parecer.
O bando destas quatro personagens estão fechadas num círculo de acaso de que os caminhos de ferro não são senão a concretização física disso mesmo.
Eles tentam fugir para qualquer outro lugar nos vagões mas acabam por regressar ao ponto de partida.
Eles são uma rapariga orfã, um sindicalista comunista, um negro em terras sulistas e um batoteiro sem poiso. Nenhum deles tem uma verdadeira possibilidade de traçar o seu destino a não ser no interior daquela vida de crime que acabou por acontecer, mesmo que eles não estejam convencidos de a quererem.

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Eles são levados tanto pelo acaso como pela inevitabilidade das circunstâncias.
Bertha terá de trabalhar num bordel enquanto espera pela libertação de Bill. E Bill acabará por se encaminhar rapidamente para a morte devido às suas convicções.
Tudo se escapa excepto aquele amor, que é carnal entre Bill e Bertha mas que se gera também entre os restantes membros do grupo.
Eles são a possibilidade de uma família, entendida como o porto de abrigo num mundo em movimento e violento.

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Scorsese demonstra logo aqui o seu domínio da câmara, a sua atenção e o seu talento para actores.
Ele arrancou de um filme que seria perfeitamente banal uma identidade e começou a traçar o seu cinema.
Aqui ganhou experiência e, logo de seguida, em Mean Streets, fez o filme que lhe ia na alma.



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