sexta-feira, 16 de julho de 2010

4 Copas, por Tiago Ramos



Título original: 4 Copas (2008)
Realização: Manuel Mozos
Argumento: Manuel Mozos e Octávio Rosado
Elenco:
Filipe Duarte, João Lagarto, Margarida Marinho e Rita Martins

O jogo é o mote em 4 Copas. Já o próprio título o indica, tudo é um jogo, um jogo a quatro. Umas vezes a título individual, outras vezes em conjunto. Mas as mesmas quatro personagens principais continuam a deambular nos seus sonhos desfeitos e frustrações, embalados pela vida quotidiana e sem se aperceberem do desgaste das relações, do desgaste do amor, do desgaste da família. Tudo está aparentemente bem como está, à mesa falam-se de coisas banais menos do essencialmente importante. É a relação entre o que vemos e o que não queremos ver. À luz das aparências tudo parece pacífico, mais uma família normal, mas é quando nós espectadores começamos a observar, à distância, as falhas flagrantes (falhas essas que, de início, até às personagens passam despercebidas) destas relações que o filme revela a sua intenção.



Em 4 Copas contemplamos as personagens. Desagregadas, sem novidade e sem fulgor. O jogo comanda a vida deles: pinball, um jogo portátil, o bingo, o póquer, a brincadeira de quem se acha com a responsabilidade de reparar os erros dos outros. E aquilo que vamos vendo ao longo do argumento, nada mais simples é que o realismo que há muito parece perdido no cinema. Manuel Mozos - que no ano seguinte ganhou o prémio de Melhor Curta-Metragem no Festival IndieLisboa com Ruína - filma sem se preocupar com o estilo novelesco ou preocupantemente pretensioso onde se digladia o objecto típico daquilo que conhecemos como cinema português. O que vemos no seu cinema é tudo menos acessório, se lá está é porque não havia outra forma mais realista de o mostrar.

E se essa componente do cinema de Manuel Mozos é de facto muito única, a verdade é que é também essa especificidade que pode afastar o mais comum espectador do seu cinema. Porque a dada altura, as personagens deixam de estabelecer contacto com o espectador e interagem entre si de uma forma muito própria. E é das personagens que 4 Copas mais gosta. São elas que actuam no seu mundo e actuam para si mesmas. É um desfilar interessante de personagens e de histórias nelas contidas que o espectador se limita a apreciar: nos seus vícios e virtudes.



O argumento é básico e a originalidade nele contida é praticamente inexistente, mas o trabalho dos actores envolvidos (a par da realização) tira o filme do marasmo onde poderia ter caído. Cabe a Rita Martins talvez a personagem mais interessante, não apenas por ser a protagonista, mas porque a ela lhe cabe uma ambiguidade de ser simultaneamente o rosto do amor como da perversidade. João Lagarto a mostrar porque é um dos actores mais respeitados no panorama nacional, na pele de um homem apaixonado, que infelizmente nunca percebeu a tempo que nunca o demonstrou (veja-se o dilacerante plano inicial em que adormece antes da mulher se deitar). Ou uma fortíssima Margarida Marinho, a representação dos vícios e a não-superação dos mesmos. E ainda temos um talentoso Filipe Duarte (mesmo que mais adormecido aqui) mas que se vê dividido entre dois amores.



4 Copas é muito modesto e simplista. É pouco irreverente e original. E é aí que o produto final se fragmenta entre qualidade e defeito, mas talvez o que de melhor tenha para oferecer seja precisamente essa ambiguidade e fragmentação.

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