sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Entrevista a Nicholas Oulman, realizador de "Com Que Voz"



Estivemos à conversa com Nicholas Oulman, acerca do documentário sobre o seu pai, Alain Oulman. Com Que Voz, estreou a semana passada nos cinemas, em plena época alta no mundo cinematográfico em competição directa com os nomeados para os Óscares. Quando lhe perguntamos sobre a aceitação do público, Nicholas diz-nos que isso «é uma incógnita». A ideia de homenagear o homem que revolucionou o fado ao lado de Amália Rodrigues nunca lhe tinha passado na cabeça, porque segundo ele «não era a pessoa pluridisciplinar que os outros viam, mas sim o meu Pai».

O olhar de “Com Que Voz” sobre a obra de Alain Oulman é um ponto de vista imparcial ou de um filho sobre um pai?
"Com que Voz", filme sobre a obra e vida de Alain Oulman tem um olhar imparcial, apesar do realizador se aproveitar do facto de ser filho e saber tirar partido dos entrevistados mais ligados à família.

Esta ideia de homenagear o seu pai vem já de há muitos anos? Por que só agora chega aos cinemas?
A ideia de homenagear o meu Pai nunca me tinha passado pela cabeça porque para mim ele não era a pessoa pluridisciplinar que os outros viam, mas sim o meu Pai. A ideia foi surgindo no seguimento de vários acontecimentos e por sugestão das pessoas à minha volta. Uma vez tomada a decisão de fazer o filme, levou entre dois a três anos até o filme estrear nas salas de cinema.



O processo de recolha de imagens de arquivo e os contactos com pessoas que se cruzaram com ele foi moroso? Como se processou?
O processo de recolha de imagens foi difícil devido à falta de material, mas também à fraca organização na catalogação desse mesmo material. Consegui bastante material de arquivo na Valentim de Carvalho, onde foram fantásticos e deixaram-me ver tudo o que eles tinham. Muitas horas a ver vídeos, mas valeu a pena. Descobri vídeos inéditos de Amália que pude usar no filme. Quanto aos entrevistados, o processo foi muito simples, bastava dizer que estava a fazer um filme sobre o Alain Oulman e as portas abriam-se todas.

“Com Que Voz” tem sido publicitado muito à conta de Amália Rodrigues. Acha que o factor tradição e o fado vai influenciar muito os espectadores? Ou acha que o estigma de “compositor da Amália” vai impedir de verem o filme como uma obra sobre o homem Alain Oulman?
O filme tem sido, de facto, publicitado à conta de Amália, mas isso percebe-se dada a importância que ela teve na vida de Alain Oulman e vice-versa. Acho que quem for ver o filme não terá dúvidas nenhumas que se trata de um filme sobre Alain Oulman O Homem, o compositor (onde Amália é a voz dele), o encenador, o editor... enfim todas as facetas que fizeram dele a pessoa que foi.



Descobriu coisas novas sobre o seu pai que desconhecia?
As grandes linhas da vida dele já as conhecia, mas ao perceber os meandros da vida de uma pessoa, os porquês, os 'quandos', os 'comos', acaba-se sempre por descobrir pequenas coisinhas que não se sabia. Por exemplo, nunca antes me tinha apercebido como ele compartimentava a sua vida de uma forma tão rígida. Não misturava as coisas, separava as várias vidas que levava. Por exemplo, trabalhou com o Amos Oz na tradução de livros e nem uma vez lhe disse que também era compositor de fado.

O seu pai era um homem ecléctico. Ele deu-lhe também o gosto pelo cinema?
Não sei se lhe chamaria homem ecléctico. O meu Pai era um artista que exprimia o que lhe ia na alma através da sua arte. O gosto pelo cinema não sei bem como, mas já ando nisto há vinte anos. Comecei como segundo assistente maquinista e fui por aí fora.

Esta foi a sua primeira grande experiência cinematográfica. Porquê um documentário? E porquê no seu formato tradicional, de entrevistas e imagens de arquivo?
Era inevitável chegar aqui, sempre foi o meu objectivo. A escolha de um documentário teve que ver com o facto de não ter um argumento em condições - eu prefiro não fazer do que fazer mal. O "formato tradicional" não sei bem o que significa. Um filme toca ou não toca. Eu tentei fazer o melhor filme, da melhor maneira. Um filme que provoque emoções, que nos cative enquanto espectadores e nos toque pela história que está a ser contada.

Hoje em dia o género documental já começa a ter um maior destaque na programação cinematográfica do país, influência talvez do importante DocLisboa como plataforma de lançamento. Acha que ainda há muito trabalho a fazer nesse sentido?
Acho que, apesar do bom trabalho que se tem feito, ainda há bastante a fazer. Quando eu comecei o "Com que Voz", não se falava em estrear o filme em sala. No período de construção do filme surgiram vários documentários no mercado (Os Lisboetas, Fantasia Lusitana, José e Pilar...) que conseguiram abrir caminho para outros documentários. O "Com que Voz" foi um deles.



Foi complicado o processo de financiamento?
Processo de financiamento é sinónimo de complicado. Não tivemos apoio do Estado, mas tivemos a sorte de ir bater à porta certa: a da New Line Cinema, que financiou o filme. Este existe devido ao Sr. Leon Edery, a quem eu ficarei sempre grato.

Tem intenções de expandir a distribuição do filme para o mercado internacional? Acha que vai ser melhor recebido do que nosso país?
Com certeza que gostaria, mas isso não depende só de mim e, quanto à maneira como o filme possa ser recebido, isso é uma incógnita. É difícil prever essas coisas.

Planeia continuar a explorar o mundo do cinema? Tem novos projectos em mente?
Tenho todas as intenções de fazer outro filme, se me deixarem. Provavelmente um documentário. Voltamos ao eterno problema do financiamento. Já tenho tudo pronto, só me falta luz verde dos financiadores para podermos arrancar.

Entrevista: Tiago Ramos
Revisão: Ana Alexandre



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