sábado, 7 de junho de 2014

Matraquilhos, por Carlos Antunes


Título original: Metegol

Esta animação argentina é a súmula dos caminhos divergentes pelos quais o cinema de animação - mais comumente estreados em sala - foi levado.
Deve ser caso único de um filme de animação que começa com uma citação directa de 2001: A Space Odyssey. Um primeiro sinal de maturidade de um dos poucos exemplos de um filme a posicionar-se como descendência directa do trabalho do estúdio Pixar.
Com preponderância para a trilogia Toy Story com a nostalgia da infância e a interacção entre a escala humana e o microcosmo fantasista.
E vindo de uma Argentina fanática de futebol o filme assume a identidade local - basta dizer que para os mercados de língua espanhola houve uma dobragem neutra do original argentino - a par da escala global do desporto, também com um sentido crítico nada negligenciável.
A conjugação destes elementos sugerem um entendimento da animação como um meio útil e versátil de criar cinema transversal ao público. Um cinema que numa linguagem global é capaz de falar sobre a realidade em que foi feito.
Essa sugestão não se cumpre, ou melhor, vai sendo desmentida com o avançar do filme.
A maturidade esfuma-se com o filme a seguir o caminho de extravagância conceptual (mas não criativa). Uma compensação visual da falta de uma aposta na construção dramática como ponto de reunião dos públicos que estão na sala de cinema, adulto e infantil.
Palmilhando o caminho oposto ao das (melhores) criações Pixar, o filme surge partido ao meio, a nostalgia e as referências futebolísticas a darem lugar à "acção" de contornos simplistas.
A história do rufia que volta à sua aldeia, já estrela do futebol, para se vingar do "totó" que o venceu nos matraquilhos é o início e o fim da caracterização das personagens e uma forma acelerada de chegar ao cenário final em que a partida de futebol decorre com vários momentos de humor físico e apenas uma intervenção moderada dos matraquilhos que ganharam vida.
O final do filme é um fechar de ciclo sobre a fuga ao caminho arriscado de criar um filme que não fosse sobre futebol mas sobre a criação de mundos na infância que acompanham o crescimento de cada um e de como a realidade (futebol) não se compara ao sonho (matraquilhos).
Vemos, no início, uma vontade criativa que não soube superar uma história que vai decaindo até à limitação do entendimento da infância.
Algo que é patente até na animação, ao início capaz de transmitir a textura da madeira envelhecida, no final ao nível de animação televisiva americana mesclada de Anime.
Tendo Juan José Campanella como realizador, o filme confirma a ideia - vinda do seu anterior e apreciável filme, El secreto de sus ojos - de um tarefeiro com um ou outro rasgo de maior inspiração. Mas não fosse o seu nome e não creio que houvesse motivo para se ir ver o filme, até porque nem em ano de Mundial há direito a uma versão não dobrada apontada ao público que não se faz acompanhar por crianças.


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