quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Foxcatcher, por Carlos Antunes



Título original: Foxcatcher
Realização: 
Argumento: 
Elenco: 


Este é um filme de ambiência muito mais do que um filme "acerca de". A sua história resume-se em duas linhas e nesse resumo deixa dúvidas de que possa sustentar uma longa metragem.
Já o clima dessa pouca história tem a intensidade que sugere na exacta proporção para contar algo de mais profundo do carácter humano que é universal e não está limitado à estranheza das últimas décadas do século XX nos Estados Unidos da América.
Foxcatcher cria uma sensação permanente de desconforto constituída em partes iguais por medo e por caricato.
Estamos no limite da incompreensão da realidade, tentando desvendar as pulsões e as intenções subjacentes ao comportamento dos personagens centrais.
A dúvida advém de quantas camadas se escondem para lá do óbvio. Camadas que levam dum pojecto de patriotismo intenso - e, por isso, um pouco bacoco - à descoberta da infantilidade limitativa dos adultos que estão no ecrã.
Chegado aí o filme mantém-nos à distância da dimensão completa de John du Pont e Mark Schultz, dois abismos de humanidade que mesmo assim denotam que um é mais profundo que o outro.
John du Pont é esse abismo maior sem que seja porque sobre ele pende o conhecimento prévio de que ele se tornará num assassino mal justificado.
Steve Carell faz dele um personagem sempre deslocado da acção e a olhar para o quadro que se forma à sua volta. O seu olhar está cheio de ambiguidade pois aquele distanciamento com que vai tentando captar em demasia o comportamento alheio tanto sugere que ele é um idiota como que é um psicopata.
Pelas suas acções dir-se-á que é uma parte de ambos, criatura disfuncional que se vai impondo no mundo à conta do dinheiro e da influência. Algo que só aumenta a sua incapacidade de estabelecer relações que não comportem uma medida prática de sucesso.
O actor está exímio neste estado de ausência que suga a atenção e que é incómodo mas se confunde com imponência - por algum tempo!
Confunde-se enquanto John surge como figura determinante, antes de se ter de confrontar com a mãe e com a sua rejeição permanente. Um influenciador da acção governativa dos EUA sucumbe à necessidade de reconhecimento por parte da progenitora ao mesmo tempo que perante ela se rebela.
Novamente exarcebado o diálogo confrontacional entre o ridículo dos mommy issues e o foco no desenvolvimento da luta livre como alternativa pessoal à tradição familiar das corridas de cavalos, desde que igualmente vitoriosa.
Uma dicotomia na psique de du Pont que se expressa pelo diálogo entre gerações e as respectivas noções de elevação moral advinda da posição social. E a partir dele começamos finalmente a ver peladas outras camadas da personalidade de John, em particular a sugestão de uma homossexualidade escondida - reconhecida pela mãe - que pode ganhar espaço de expressão física naquele ambiente masculino por ele patrocinado e, logo, comandado.
O domínio de John sobre Mark faz lembrar a história de um amor em que uma das partes se prosta perante a grandez que vê na outra e por tal concede a sua identidade.
Algo nascido da confusão entre admiração real e a necessidade de encontrar uma figura paterna para si mesmo por parte de um Mark que se voluntaria perante quem o acolhe.
Também sobre ele as dúvidas se mantêm, não se descodificando com certeza se a aparição do irmão na equipa Foxcatcher o embaraça pelo seu comportamento transviado ou se o rouba da sua afirmação própria longe da influência do irmão mais velho.
Mark Schultz é o resultado  de um Channing Tatum a actuar contra a imagem que dele fazemos, numa entrega de uma honestidade surpreendente.
Méritos para Bennett Miller que tem vindo sempre a mostrar a disponibilidade - e não subserviência - às interpretações dos seus actores, deles retirando o máximo num registo moderado que ressoa mais afirmativamente com o público.
O realizador começou trabalhando para a perspectiva dos prémios a favor do seu actor mas tem, entretanto, reinventado actores em filmes que cada vez menos se assemelham à preconcepção da escolha fácil.
Com Foxcatcher dedicou-se mesmo a insinuar em quem vê uma rejeição das personagens com laivos de compreensão que o tornam num filme de prazer incómodo, daí desafiante.




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