Com a exibição especial do documentário português Fantasia Lusitana, no Cinema Nun'Álvares, ao qual tivemos honra de assistir como convidados, seguiu-se ainda uma pequena conferência na sala, onde o público podia fazer as questões que quisesse ao realizador João Canijo, com a presença dos representantes da Midas Filmes e também com Manoel de Oliveira na assistência. No final, tivémos uma breve conversa com João Canijo acerca do seu filme e do estado do cinema Português. Nada muito rígido, apenas uma breve e acessível conversa, que reproduzo de seguida.
Depois de Noite Escura e Mal Nascida que exploravam a miséria no interior rural português, em que medida Fantasia Lusitana se complementa com estes seus dois últimos filmes anteriores?
Mas era essa a sua intenção?
Indirectamente tornou-se na minha intenção. O filme foi uma encomenda de João Trabulo, mas quis dar-lhe um contraste entre a fantasia salazarista e a realidade, onde a dada altura as imagens falam por si. A miséria passava pela única realidade e informação que os portugueses possuíam. Só existia uma fonte de informação, por si só muito selecta, propagandista, no fundo fantasiosa.
Embora não tenha vivido na época retratada no documentário, não pude deixar de sorrir por me identificar com as situações. Em 1940, a propaganda de Salazar ofuscava o estado real da situação portuguesa. Não acha que a situação actual não é muito diferente?
A diferença é que agora temos mais informação, podemos seleccioná-la. Na altura não e por isso a fantasia tornava-se ainda maior. Mas não mudou muito. Não mudou nada. Daí a ironia do título "Fantasia Lusitana", sendo lusitana uma fantasia por si mesmo.
É o Portugal dos "três efes". O Fado (que usou como pano de fundo em algumas das imagens). O Futebol. E Fátima.
Sim. É como se engana um povo e como se cria uma imagem ilusória. Está lá tudo, o fado, o futebol e Fátima. Continua a existir... e Portugal gosta disso, de viver na ilusão.
Já dizia Fernando Pessoa «O poeta é um fingidor»... Não seremos todos poetas hoje em dia?
Somos! Não mudámos e daí o absurdo e anedótico das imagens do filme. Daí que na verdade haja uma enorme comicidade nas imagens e sons que nos chegam. É completamente absurdo! O que se mostrava era um Portugal embelezado, ideal, mas no fundo, depois do património arquitectónico inestimável, do clima, do calor... não havia mais nada.
O João [Canijo] fez parte de um grupo de produtores e realizadores que assinou o Manifesto pelo Cinema Português. O que acha do panorama actual do cinema português?
Não sei se sabes, mas o cinema português não é financiado pelo Orçamento de Estado, como se diz por aí. O financiamento que recebemos é fixado por uma taxa sobre a publicidade na televisão e cada vez é menor. Não existem apoios do Estado.
Ainda esta semana, no Cinema São Jorge, a propósito do IndieLisboa, festival que o convidou a abrir o certame com Fantasia Lusitana...
... o festival seleccionou o meu filme e foi muito importante.
É de facto um festival com grande projecção nacional. Mas esta semana houve um debate com Paula Moura Pinheiro, sub-directora da RTP2 como moderadora, onde a programação do canal público foi referida como «vergonha, má e inculta». Concorda com isso?
Não estive presente nesse debate por estar a trabalhar. Mas, a televisão portuguesa não exibe cinema português.
Acha que se deviam estabelecer quotas?
Não. Não penso que deva passar por aí. Passaria sim por uma consciência genuína em cumprir o seu papel de serviço público!
Não pude deixar de reparar nos créditos finais do filme que um dos apoios era precisamente da RTP.
Sim, mas isso são acordos automáticos. Repara, estamos sujeitos ao que ganham em publicidade. O FICA [Fundo de Investimento para o Cinema e Audiovisual] está monopolizado pelos canais de televisão, o financiamento é quase nulo e os fundos são utilizados de forma pouco criteriosa...
... como o recurso a mais de 2 milhões para a série Equador, da TVI.
Por exemplo...
Agora que a internacionalização do cinema português é mais evidente, veja-se o caso de João Salaviza em Cannes ou Pedro Costa nos Estados Unidos, pensa que devemos pensar numa "nacionalização" do cinema português?
Não penso nisso. Isso não me interessa. Eu não quero fazer novelas da TVI vistas por todos. O cinema português não passa pela sua nacionalização, mas pela liberdade criativa e não tão restritiva em orçamento. Não faço filmes por fazer...A propósito e para finalizar: já nos pode adiantar algo sobre o seu próximo trabalho «Sangue do Meu Sangue»?
Provavelmente não se chamará apenas «Sangue do Meu Sangue», mas sim «Sangue do Meu Sangue, Sangue da Minha Alma». É a história de uma família num bairro social nos subúrbios da Amadora...
Novamente a temática da miséria, como em Noite Escura e Mal Nascida?
Não será uma tragédia! Um drama social, onde no fundo não há muitas diferenças entre o ambiente rural e o ambiente urbano.