terça-feira, 20 de abril de 2010

LOST: Everybody Loves Hugo (6.12)

Este foi o episódio de LOST mais "LOST" desta temporada. Repleto de momentos e situações completamente inesperadas, ambiguidades propositadas para lançar a confusão e a sensação de que tudo irá correr da pior maneira possível. Ao mesmo tempo, foi também cheio de emoções e momentos tocantes à volta de um dos personagens mais adorados desde o início da série: parece mesmo que todos gostam do Hurley.

Mundo Original

Depois de uma sequência de 6 episódios com o grupo organizado pela Ilana acampado na praia, sem qualquer avanço devido à falta de orientação, os ânimos levantam-se com a possibilidade de finalmente se tomar uma atitude. O plano de Richard é explodir o avião em que o Black Smoke tenciona escapar da Ilha, usando a dinamite do Black Rock.

Hurley está junto à sepultura de Libby e interroga-se por que motivo esta nunca lhe tenha aparecido, como outros mortos. Entretanto, Ilana informa-o que vai buscar dinamite ao barco para seguirem com o plano – não acha que seja a melhor ideia, mas é a única ideia que têm. Na floresta, ouvem-se murmúrios, antecipando a chegada do Michael. Durante a série, muitas vezes se ouviram murmúrios na Ilha, geralmente antecipando a chegada dos Others. Mas, neste caso, é o responsável pela morte de Libby que surge.

Michael dirige-se a Hurley num tom autoritário, dizendo-lhe que quer impedir a morte de toda a gente. Embora a sua confiança seja questionada, Michael diz que nada disso importa, porque irão morrer pessoas na tentativa de explodir o avião e o culpado será Hurley – é nele que todas as atenções estão centradas, a última pessoa que falou com o Jacob. Quando regressa junto do grupo, encontra Ilana de volta com os explosivos e diz-lhe que o que está a fazer é muito perigoso. Ilana treinou a sua vida inteira para proteger os candidatos em nome do Jacob e, segundo este, Richard saberia o que fazer. Hurley aponta que Jacob nunca lhe disse para explodir o avião. E é precisamente quando diz "Deus nos ajude se aquela coisa alguma vez sair da Ilha" que...

Ilana explode. Tal como Dogen, Ilana foi recrutada por Jacob para proteger os seus candidatos. Ambos morreram por esta causa, provavelmente sem conhecerem exactamente o motivos pelo qual seriam sacrificados. Não se sabe qual foi o pagamento de Jacob pelos serviços de Ilana mas, ao Dogen, custou-lhe a cura de um filho com o qual nunca mais na vida pôde falar. Morreram para proteger os candidatos, mas morreram também quando mais falta fariam. Como Ben aponta mais tarde, "The Island was done with her". Quererá isto dizer que os interesses da Ilha não são os mesmos interesses do Jacob? Ou será simplesmente um prolongamento da forma de pensar do Jacob – eles têm de se salvar a si próprios? No flashback de Ilana em "Ab Aeterno" (6.09), é visível o ar triste de Ilana. Saberia ela que caminhava para a própria morte, que acabaria por ser um sacrifício necessário para a causa do Jacob?

Hurley sente-se responsável pela morte de Ilana. Ao investigar os seus bens, encontra um livro em russo de Dostoiévski (Notas do Subterrâneo) e as cinzas de Jacob, parecendo compreender que estas têm grande importância. As pessoas estão em choque no acampamento, mas Richard está determinado em ir buscar mais dinamite. Hurley ficou convencido com a mensagem de Michael acompanhada da morte de Ilana: é preciso abandonar a ideia de explodir com o avião. O grupo dirige-se ao Black Rock, quando Ben reflecte sobre a maneira como a Ilha dispensou Ilana assim que esta cumpriu a missão de informar os candidatos sobre o seu papel como potenciais substitutos do Jacob, questionando-se sobre o que estará reservado a cada um deles.

Quando finalmente se apercebem da falta de Hurley, este surge na direcção oposta a correr do Black Rock, que explode mesmo à frente deles. Miles questiona até que ponto este deveria ter confiado no Michael, ao que Hurley responde que os mortos são mais fiáveis que os vivos – por que motivo iria um morto querer enganá-lo? Richard continua empenhado em encontrar explosivos e mostra que Hurley está a fazer bluff com as ordens do Jacob: o Jacob nunca diz o que é suposto fazer. O homem de branco sempre mostrou a convicção de que as pessoas seriam capazes de tomar as decisões correctas por sua livre e espontânea vontade. Jacob nunca disse a Jack que o seu destino estava ligado à Ilha, mostrou-lhe o farol. Hurley insiste que a melhor opção é falar com o Black Smoke e desistir de explodir com o avião. Apenas Ben e Miles ficam do lado do Richard, ficando Lapidus junto dos candidatos. Resta saber que destino reservou a Ilha a estes três homens que se afastaram do grupo.

Pelo caminho, ouvem-se sussurros na selva. Hurley encontra Michael, que lhe revela estar aprisionado na Ilha por causa das suas acções, tal como muitos outros ficaram. Esta revelação evoca a metáfora do vinho preso na garrafa do Jacob. O mais interessante, no entanto, é o facto de Hurley sentir pena do Michael, não guardar rancor e oferecer-se até para o ajudar caso seja possível. Mas é caso para levantar a questão de Miles – deverá Hurley confiar no que ele diz? Se o seu espírito está aprisionado na Ilha, não terá esperança que a libertação do Black Smoke o liberte também? Ou será que a libertação do monstro é, afinal, a coisa certa a fazer?

No acampamento do Black Smoke, começamos por ver a figura de John Locke a descascar um tronco de madeira. Sawyer pergunta com o sarcasmo habitual se aquilo será uma lança, mas a resposta soa a algo que apenas o próprio Locke teria dito: "I'm not sure what it's gonna be yet, James. When the time is right, it'll tell me". É um paralelismo interessante à cena em que Locke faz o berço para o Aaron em "Numbers" (1.18). Mas a inclusão desta cena é inquietante. Tanto, como quando surge o rapaz loiro em "The Substitute" (6.04) e Smoke se revela bastante frágil ao gritar "Don't tell me what I can't do", uma frase característica de John Locke. Durante as suas aparições na temporada anterior, Smoke usou a imagem e as memórias de Locke para encarnar o personagem. No entanto, agora que a sua identidade é "conhecida", é curioso que sejam mostrados momentos em que algo muito genuíno do Locke parece vir à superfície.

James manifesta o descontentamento do grupo em estarem parados sem qualquer plano de acção. Smoke informa-os que está à espera das restantes pessoas chegadas no avião, dizendo que todos terão de sair juntos, da mesma forma que regressaram juntos. O Black Smoke necessita de todos os candidatos, possivelmente só conseguirá deixar a Ilha se não ficar lá ninguém capaz de substituir o Jacob. Entretanto,  Sayid chega com a novidade do seu prisioneiro Desmond, que amarrou a uma árvore apesar deste ter vindo de livre vontade. Smoke pede desculpa pela atitude de Sayid e justifica-a com o receio de que Desmond fugisse, mas o escocês responde-lhe que não tem para onde fugir. Smoke liberta-o e interroga-o sobre os planos de Widmore. Desmond fala da experiência electromagnética, provocando um olhar intrigado do Smoke, que lhe pergunta se sabe com quem está a falar.

"Of course. You're John Locke". Não há hesitação em Desmond. O escocês contou toda a verdade, sem pensar se deveria ocultar alguma coisa sobre o Widmore ou a sua experiência. Chamar-lhe John Locke não é uma forma de se fazer ignorante, é uma provocação. Smoke reage, pedindo a Sayid que se retire e a Desmond que o acompanhe pela selva.

Pelo caminho, surge-lhes o rapaz misterioso, mas com o cabelo mais escuro. Embora Smoke fique afectado pela aparição, ordena a Desmond que simplesmente o ignore e segue o seu caminho. O rapaz sorri e afasta-se do local. Se, na sua primeira aparição, a sua aparência sugerisse uma associação ao Jacob, desta vez a cor de cabelo parece associá-lo ao Black Smoke. A identidade deste rapaz parece cada vez mais ligada à origem da própria dicotomia entre o homem de negro e o homem de branco.

Smoke leva Desmond junto de um poço, que foi escavado na tentativa de descobrir uma explicação para fenómenos magnéticos, e diz-lhe que pessoas escavaram à procura de respostas que nunca encontraram. Smoke está incomodado com o facto de Desmond reagir com naturalidade a toda aquela situação e pergunta-lhe porque não sente medo. Desmond não teme o Black Smoke: Desmond conheceu uma verdade superior à sua própria realidade, teve a percepção do seu "outro eu" e de alguma forma sabe qual a sua missão em cada um dos mundos. Smoke sente-se provocado por Desmond e atira-o ao poço, que felizmente tem água (e não deverá ser assim tão fundo como o escuro da noite dá a entender).

De regresso ao acampamento, Smoke assiste à chegada dos restantes candidatos. Hurley declara as suas intenções e pede ao Smoke um sinal de confiança, que lhe entrega a faca de John Locke. Não que isso o torne menos perigoso, mas Hurley aceita-a simbolicamente de qualquer maneira e chama o grupo ao acampamento. O olhar de Sun percorre todo o acampamento à procura de Jin, mas este é o único potencial candidato que não se encontra no local. Jack já tinha sido informado do aspecto do Black Smoke. A sua expressão, no entanto, transparece bem o choque em ver o homem a quem colocou os sapatos negros antes de o trazer de volta à Ilha. Jack e Locke sempre foram antagonistas: o homem de ciência vs. o homem que acreditava ter sido trazido à Ilha por uma causa superior. Foi Locke o principal responsável pela transformação de Jack, é agora este quem acredita ter algo importantíssimo a fazer na Ilha. De todos os candidatos, este será provavelmente o mais dificilmente seduzido pelas palavras do homem que se apoderou da imagem de John Locke.

Mundo Paralelo
O episódio abre com um elogio a Hugo Reyes feito por Pierre Chang. É celebrada a sua bondade e generosidade, a forma como se tornou milionário e se dedicou a ajudar os outros. Durante a apresentação, é introduzido um pequeno Easter egg: a cadela Nunu, que pertence ao próprio actor Jorge Garcia e é frequentemente mencionada no seu blog pessoal "Dispatches from the Island".

Também durante este discurso, é possível reparar que Pierre Chang tem mobilidade total nos seus dois braços. No episódio "The Incident" (5.17), Pierre sofre um acidente que parece justificar o facto de usar uma prótese nos vídeos de orientação da Dharma gravados alguns anos mais tarde. Esta é uma potencial inconsistência com a teoria de que esta realidade só difere da original a partir da detonação da Jughead. Um pequeno pormenor no episódio e acerca do qual muito seria possível especular, tanto a favor como contra esta teoria: é tão plausível dizer-se que este braço prova que esta realidade teve uma origem diferente, como dizer-se que Pierre encontrou uma forma de curar o braço.

Hugo nunca é chamado de "Hurley" nesta realidade. Recebe o prémio com orgulho, mas a sua mãe está mais preocupada com a falta de uma mulher para o seu filho e prepara-lhe um encontro às cegas com uma Rosalita. Quem aparece no restaurante é Libby, que afirma conhecê-lo. Sente que está louca, mas que o conhece de memórias que não consegue explicar. O psiquiatra interrompe-a, no entanto, e leva-a de volta à instituição. Hugo fica deprimido ao pensar que a única mulher que se interessou por ele é louca, mas Desmond surge no momento certo para dar um "empurrão" e encoraja-o a procurá-la.

Hugo dirige-se à clínica psiquiatra, mas o médico não está receptivo à ideia do encontro, dizendo que Libby tem problemas com a realidade. Hugo convence-o  com um grande donativo à instituição e finalmente encontra-se com Libby, no mesmo local que partilharam na realidade original. Há na mesma um homem a jogar quatro em linha contra si próprio, mas não o mesmo que ganhou a obsessão dos números 4, 8, 15, 16, 23 e 42: com a Ilha no fundo do mar, também não houve transmissão a atravessar o oceano.

Hugo está intrigado com a forma como Libby o possa conhecer e esta revela ter sido inundada por recordações após tê-lo visto num anúncio de televisão. É mais um caso curioso de uma personagem que morreu na Ilha e, nesta realidade, tem maior facilidade em "lembrar-se" dessa outra vida. Libby lembra-se do avião, de estar numa ilha e de conhecer e gostar do Hugo. Lembra-se de ter estado naquela mesma clínica e de lá ter visto Hugo também. Nada disso faz sentido para Libby, que se sente louca e procurou tratamento na clínica. No entanto, Hugo admira-a pela coragem em tê-lo procurado, e convida-a para um encontro.

Hugo tem a ideia de fazerem um piquenique na praia, mas desta vez não esquece a manta. Libby está deslumbrada com a familiaridade de estar finalmente a ter um encontro que deixou pendente numa outra vida. Quando este questiona o motivo que faz Libby querer estar com um homem como ele, esta repete as palavras que lhe proferiu em "Dave" (2.18), dizendo que só quer estar com Hugo por gostar dele, beijando-o em seguida. A intensidade deste momento e semelhança ao beijo deste casal na outra vida fez com com que Hugo ganhasse a consciência da realidade a que Libby se referia e lhe dissesse finalmente que não estava louca. Ao fundo, Desmond observa-os, mostrando-se satisfeito.

No flash-sideways que encerra o episódio, Desmond observa Locke na cadeira de rodas. Ben Linus aborda-o, numa atitude de professor desconfiado que suspeita do homem que está parado há algum tempo em frente à escola. Desmond inventa uma desculpa, dizendo que pretende inscrever o seu filho na escola e tem visto o ambiente, dando uma certa credibilidade à história revelando o nome do seu filho, Charlie. Com a retirada de Ben, Desmond vê Locke a atravessar a rua na cadeira de rodas e arranca o carro, acelerando ao máximo e atropelando-o.

Ben corre para ajudar Locke. O plano de câmara focado no rosto do Locke é idêntico ao usado em "The Incident" após a queda do edifício e o toque de Jacob que o reanima. Seja pelo amor ou pela violência, o trauma e a intensidade das emoções, a repetição de eventos paralelos entre as duas realidades é aquilo que as une. Locke irá lembrar-se da sua outra vida. Locke terá um vislumbre da Ilha, de ter voltado a andar, talvez até de ter sido morto pelo seu colega de trabalho, Ben Linus. O impacto poderá fazer Locke lembrar-se até do Dr. Shephard, poderá até ser o catalizador do "despertar" de Jack que, muito provavelmente, o irá tratar no hospital – tal como aconteceu em "The Life and Death of Jeremy Bentham" (5.07). Mas é caso também para questionar qual o impacto deste "acordar" de Locke no homem que agora se serve do seu corpo e alma na Ilha. Haverá alguma relação entre este Locke que Desmond atropelou e os momentos em que o Black Smoke parece ceder ao espírito de John Locke?

2 comentários:

  1. Belo artigo e muito conciso (como sempre, o que já não é novidade sequer).

    Começo a imaginar o misterioso rapaz como sendo a representação da própria ilha como uma entidade. Tanto se refere que "é o que a ilha quer" e parecido, que tem faltado a ilha como uma entidade além da ilha.

    Uma vez referi que os flash-sideways seriam realidades alternativas tangentes e que viriam a se unir. O que se tem visto é essa convergência estar a acontecer de facto.

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  2. Interessante será ver agora a forma como essas duas realidades convergem. Tem de haver mais "qualquer coisa" para além de eles se lembrarem, ou seja, isso também terá de ser significativo para as suas versões "originais"...

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