segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Dusty Night, por Carlos Antunes


Título original: Dusty Night
Realização: Ali Hazara
Argumento: Ali Hazara

Não estamos perante uma noite mas perante "A" noite do pó. Perpétua e inclemente, um estado de existência que não é apenas daqueles homens que a cada 24 horas retiram o (mesmo) pó da estrada.
Retiram, o que ali não significa mais do que desviar o pó temporariamente. Desviá-lo para cima de outros, como o merceeiro que se queixa de que sem pó já ninguém compra a fruta, quanto mais assim...
E a resposta daqueles trabalhadores resume aquilo a que as circunstâncias os reduziram: a guerra destruiu-lhes as quintas e só por isso se sujeitam àquele trabalho.
Um trabalho inventado para os ter ocupados - Silenciados? Manietados? Uma escravidão que já não recebe esse nome, trabalho que se associa aos trabalhos forçados de prisioneiros. Horas e quilómetros a fio, respirando o pó que deveria desaparecer para, no final, conseguir comprar um pão.
Tudo por culpa da corrupção, instalada e sem expectativa de desaparecimento, num Afeganistão de provinciana mentalidade.
A estrada invadiu o espaço que era dos homens e que estes reocupam, com poucos cuidados, para um jogo de futebol.
Se a estrada já é demasiado pequena para todos os carros que agora lá passam, quanto mais com aqueles homens ali atravessados. Mas isso é o sintoma do país ali resumido, demasiado pequeno - estreito até mentalmente visto que os Taliban destroem os camiões de gasolina que deveriam servir o país - para o progresso que invade o espaço de quem só entende o pedaço de terra que era seu e agora está perdido.
A força do filme vem da sua transmissão desta ideia pela observação mais do que por discursos acrescentados às imagens (que os há).
Como aquela aparelhagem que debita música moderna de uma casa na berma que por pouco não faz as vezes de discoteca. O sinal absurdo do moderno que cresce a propósito daquela estrada que tem de ser limpa com vassoura de palha.
São essas imagens que transmitem, em tão breve duração, a eternidade do movimento de limpeza condenado ao falhanço.
Cada conjunto de faróis que interrompe o avanço cego das vassouras é um lampejo de memória daqueles homens que não podem dar aos filhos um futuro melhor. Apenas fazem o que fazem para não se deixarem morrer.
Embora a expressão "ao pó regressaremos" possa já ser para eles uma condenação em vida.
A eloquência destes vinte minutos, que passam quase sem se dar por isso, cria uma real consciência do Afeganistão tal como foi legado a quem já lá vivia e de como este se prepara mal para o futuro. E, por acréscimo inevitável, obriga-nos à comparação com os remendos correntes do país empurrado para a modernidade das auto-estradas direccionadas à Europa.


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