segunda-feira, 21 de maio de 2018

De Cannes 2018 para Portugal


Midas Filmes
Dogman, de Matteo Garrone (Melhor Ator - Seleção oficial)
Le Livre d'Image, de Jean-Luc Godard (Palma d'Ouro Especial - Seleção oficial)
Les Filles du Soleil, de Eva Husson (Seleção oficial)
Ash is the Purest White, de Jia Zhang-ke (Seleção oficial)
Three Faces, de Jafar Panahi (Melhor Argumento - Seleção oficial)
Cold War, de Pawel Pawlikowski (Melhor Realizador - Seleção oficial)
Lazzaro Felice, de Alice Rohrwacher (Melhor Argumento - Seleção oficial)

NOS Audiovisuais
Pope Francis: A Man of His Word, de Wim Wenders (Fora de Competição) - 31 de Maio
The Man Who Killed Don Quixote, de Terry Gilliam (Fora de Competição - Filme de Encerramento)

Leopardo Filmes
The House That Jack Built, de Lars von Trier (Fora de Competição)

Legendmain Filmes
Shoplifters, de Hirokazu Koreeda (Palma d'Ouro - Seleção oficial)

terça-feira, 8 de maio de 2018

Our Madness, por Carlos Antunes



Título original: Our Madness
Realização: João Viana
Argumento: João Viana
Elenco: Rosa Mario, Mamadu Baio


Our Madness é um filme de dicotomias. Visões opostas condensadas nos mesmos fenómenos: loucura, cinema e misticismo.
Estes sim em sintonia entre eles, as mesmas notas do acorde que é a aplicação da imaginação à capacidade de criar.
Jesus e o Super-Homem podem estar lado a lado como divindades. O Cinema tanto é a contemplação de Deus como a projecção da luz do Diabo.
A loucura - o que alguém classifica como tal - tanto é força injustificada para uma fuga como é a fonte de uma demanda épica.
Demanda que é de reconstituição de uma família, uma família que é a humana como fica claro à medida que ela atravessa a história de um continente.
A protagonista que recebe o seu nome do nosso mais antigo antepassado chega a envergar bestes tribais, acompanhando o marido, militar a quem querem amputar uma perna. Procuram o filho, num resgate da geração que está por vir.
São as memórias de Moçambique concentradas onde duas culturas sempre estiveram entre a convivência e a batalha, como na lenda que nos contam de Mussa M’bique e do demónio Mwanande.
Juntas numa odisseia sobrenatural a que vai sendo dado corpo, como se tudo o que parece extraordinário viesse do nosso ponto de vista, sendo na verdade parte do quotidiano daquele país e daquele continente.
Desde logo as ruínas e os descampados, aproveitados para mais do que cenário, transformados pelos que os vivem em algo prático, até um hospial.
O magnífico olho de João Viana transforma esses lugares em pontos míticos. Com o apoio da fotografia de Sabine Lancelin, que faz refulgir o preto e branco com a dignidade da prata. (Olhem-se as peles!)
Quase sem diálogos, assente nessa construção visual, o realizador quer materializar aquilo que é conceptual - tal como em A Batalha de Tabatô -, aqui a forma como a imaginação dá corpo ao escape.
Das formas nunca vistas para instrumentos musicais, segue para algo mais transmissível a quem vê, nem por isso menos imaginativo.
Há uma progressiva transformação de uma cama de hospital psiquiátrico em aparelho de liberdade, primeiro instrumento musical depois avião
De uma cadeira de rodas numa câmara de filmar, expressando o ponto de partida que têm em comum e de como só as formas apropriadas permitem fazer ver o delírio como produtivo.
Essa materialização ajuda a que se atinja a fluídez que se espera num filme que viaja. Fluídez, também, do imaginário que transmite e que tornam assertiva a hipótese de que João Viana fala.
No filme alguém pergunta "Alguma vez viste Deus na casa do Diabo?". O realizador responde-lhe positivamente.




Passatempo Até nos Vermos Lá em Cima

domingo, 6 de maio de 2018

O Processo, por Carlos Antunes



Título original: O Processo
Realização: Maria Augusta Ramos
Argumento: Maria Augusta Ramos
Elenco: Dilma Rousseff, José Eduardo Cardozo, Michel Temer


Apesar de ser uma excelente tirada da parte de Lindbergh Farias, até para dar o título ao filme, não estamos perante uma revisitação do impeachment por via de Kafka.
Desde logo porque se há alguém que não chega a ser personagem do mesmo é Dilma Rousseff. Uma presença pairando sobre o filme, cuja aparição se dá no final num remate de dignidade.
Maria Augusta Ramos não teria podido fazer esse contraponto ao que filmou antes se estivesse a lidar com o Absurdo labiríntico.
De que a realizadora poderia ter feito uma construção visual, a julgar por um dos raros desvios à filmagem processual, quando um cão se passeia pelos corredores de Brasília lado a lado com um político.
Neste filme vê-se a argumentação da realizadora acerca do processo, sem qualquer tentativa de manipulação de uma presença discreta no momento dos acontecimento, com um processo de montagem exímio - o que torna inevitável assinalar a importância de Karen Akerman, outra mulher envolvida neste projecto.
O trabalho delas passou por demonstrar como o espectáculo mediático sem auto-reflexão foi mais forte do que a lógica.
As imagens de abertura, e que ficarão como das mais representivas de todo este processo, são as dos que clamam em nome de Deus, da família, e do Brasil o seu voto no "Sim ao impeachment".
A partir daí só o lado do Partido dos Trabalhadores se mostra sem ser nessa farsa para as câmaras, abrindo as suas reuniões privadas à realizadora.
Reuniões onde acontece a auto-crítica, mesmo se não ficam algumas dúvidas sobre se o grau das mesmas é suficiente ou se resultará numa emenda futura à forma de fazer política.
Tanto faz que Maria Augusta Ramos tenha partido para o filme com uma convicção política firme ou que tenha formado uma visão mais direccionada porque só teve acesso priveligiado a um dos lado da contenda.
Não só os seus argumentos parecem fazer sentido contra aquela forma de espectáculo que sublinha um processo de resultado pré-determinado, como ela e a sua montadora tratam de criar um personagem destacado com quem se trava o combate, Janaína Paschoal.
O vazio processual não existe e é difícil sustentar duas horas de filme sem um "vilão" e Janaína pede para ser mal tratada. Também porque parece ser a única pessoa do lado contrário ao dos "petistas" que se prestou a ser filmada em alguns momentos mais privados.
Janaína permite-o porque, apesar do que possa dizer, a sua sede de protagonismo existe. As suas acções demonstrarão isso, seja pelas selfies que aceita tirar ou pelas mensagens de força que sente poder dar a localidades do Brasil onde nem sequer foi.
O seu folclore acerca da religiosidade da Consitutição - "único livro sagrado" - não a impede de fazer promessas a representantes religiosos (ou de seita?) que querem usar a celebridade contra a causa do aborto.
Ramos e Akerman tratam, depois, de caracterizar a jurista nos seus próprios moldes, infantilizando-a até quando se demoram nela a beber um pacotinho de leite com chocolate.
Fica esclarecido que a hipótese de um convicção desde o início do projecto é a mais válida, mulher filmando com mulheres um processo contra uma Presidenta.
Como todos os filmes, também este necessitava de um ponto de vista determinado, e a intimidade com o Partido dos Trabalhadores só faz crer que tal é justo pois os outros mantiveram as suas congeminações em segredo.
Chegado em 2018, quando imensos desenvolvimentos políticos se seguiram a este processo, terá menos urgência mas um sentido mais perene de rememoriação em tempos que a História corre demasiado depressa para ficar assente com convicção.
Mesmo essa memória do que ocorreu exige conhecimento prévio, visto que a realizadora evita contextualizar as figuras que filma - em certa medida as suas identidades são menos importantes do que as personagens colectivas que estão de cada lado da barricada.
Por outro lado, a falta de conhecimento profundo beneficia a visão do filme, aquilo que se capta não vem de viés pela convicção prévia.
Não só faz do decorrer do processo em si a figura central de reflexão para o público português, permite que a leitura do trajecto cinematográfico deste filme seja feito em descoberta, aceitando a construção que Maria Augusto Ramos faz dos acontecimentos. Mesmo que sejam verdadeiros.




sábado, 5 de maio de 2018

Mariphasa, por Carlos Antunes



Título original: Mariphasa
Realização: Sandro Aguilar
Argumento: Sandro Aguilar
Elenco: António Júlio Duarte, Albano Jerónimo, Isabel Abreu


Em Mariphasa estamos perante um mundo onde não há um único cenário acolhedor. Por todo o lado estilhaços. Mesmo dentro de casa.
Estilhaços que começam no homem. Na face que abre o filme, amassada e cortada.
Através dela entramos num mundo feito de sombras onde os nossos olhos se tornam capazes de ver, obrigando-nos a ceder à evidência de que reconhecemos os instintos assustadores que estão logo para lá da luz.
E cada vez mais para cá da luz, o contraponto humano a essa escuridão. Luz artificial - na sua origem humana - e, por isso, insuficiente.
Pior, uma luz que é mais ameaçadora ainda do que a escuridão. Ilumina o mundo de tons inóspitos e cores doentias.
Sob essa luz todas as vidas no ecrã reforçam a sua perturbação, tensas na última fronteira - expressa pela cada vez menor diferença entre a luz e as sombras - que é a da mentalização da humanidade própria.
Neles há já crueldade, raiva, tensão e violência, mas expressas ainda dentro de certos limites. Limites indignos - serve-se vidro moído a um cão, sugere-se a alguém que se mate - mas limites que não assinalam
Pode-se destruir um carro abandonado ou violentar o próprio corpo em excesso de exercício, pode-se até assombrar os vizinhos com uma intrusão de intenções menos do que benévolas.
Só uma violência mais clara que obrigue (ou convença?) os outros à cedência das suas forças poderá levar à ruptura completa dos moldes de uma existência regulada.
Para quem se coloca perante o filme, essa cedência tem algo de colaboração. A partir de um certo momento não é mais possível desviar o olhar do mundo que Sandro Aguilar criou.
Aliás, não é mais possível desviar o nervo. O filme entranha-se e não se desprende da mente, percorrendo todas as sinapses disponíveis numa sugestão de realidade que extravasa o ecrã.
Muito disso passa pelo trabalho com o som, quase sempre mera insinuação, que com isso se torna inclemente.
O som cria a modorra, hipnótica e que fragiliza a capacidade para reagir com toda a força da consciência ao mundo que brutaliza tanto os seus personagens como as suas testemunhas.
A pequena quantidade de detalhes de narrativa que Sandro Aguilar dá permitem recriar um reconhecimento entre o mundo do ecrã e o mundo para lá da sala.
De tal forma reduzidos a um essencial que evitam abafar a experiência sensorial que está para lá de uma materialização de pontos comuns.
O realizador não quer que haja interferência na transmissão de que o que se está a passar, fá-lo na nossa mente. Por isso é realidade, como diz a criança ao acordar dum pesadelo.
O filme termina com a fluorescência da Mariphasa, a flor que impede que um homem se transforme em monstro (lobisomem).
Resta saber se há necessidade dela quando ser homem é, já de si, ser como o lobo. Brinca-se com uma máscara de lobo, deixa-se a caça ao alcance da mão, vive-se com os cães, vagueia-se pela noite fora, aprecia-se a destruição.
A Mariphasa é apenas a aspiração que se mitifica para crer na possibilidade de voltar a ser normal num mundo que tem novas dores capazes de nos transformar.
Nem a melancolia de Lee Hazlewood pode ensinar como antecipar a violência do que está para vir mesmo se nos avisa que The hurt I hurt is nothing like the hurts I've hurt before.




terça-feira, 1 de maio de 2018

Baronesa, por Carlos Antunes



Título original: Baronesa
Realização: Juliana Antunes
Argumento: Juliana Antunes
Elenco: Leidiane Ferreira, Andreia Pereira de Souza, Felipe Rangel dos Santos, Gabriela Souza


Andreia quer mudar-se de (Vila) Mariquinha para Baronesa. Uma bela metáfora da dignificação da mulher que este filme aspira representar.
Uma história de mulheres pela mão de mulheres, que dá a sensação de que todas estão na descoberta do que podem fazer com o poder que têm.
Um poder que o cinema reforça, sobretudo no interior de uma favela, território de imposíção masculina.
Os homens estão todos ausentes. Sobretudo na prisão. O único homem que vemos interagir com elas está, também ele, preso. A pulseira electrónica permite-lhe estar de volta delas, tentar envolver-se, para acabar no mesmo caminho de violência e morte dos que estão fora das imagens.
As mulheres, pelo contrário, ridicularizam esse caminho. Tornam os disparos de metralhadora em passos de dança e brincam a uma espécie de roleta russa que não pode dar em morte mas que acaba em tiros sem bala.
O mais importante está longe de ser o retrato dessa mitologia da favela. Leidiane e Andreia vivem uma comunhão que partilha as forças Só em conjunto são capazes de aprofundar as emoções a transmitir numa carta de despedida.
As mulheres juntas não se inibem de aprofundar temas de profunda intimidade, ajudando a conhecer-se e, de novo, demonstrando o poder que falha aos homens.
Riem-se de como Leidiane se mostra embaraçada por saber que as outras mulheres se masturbam e analisam a mente dos homens presos que se mostram incapazes de fazer sexo como há tanto anseiam.
Tudo isto acontece à flor da câmara, tão próxima delas quanto é possível. Da favela quase só se vê tijolos. A parede nua como vai acontecendo à alma das mulheres - todas as mulheres do filme!
Nota-se que Leidiane - mais hesitante - e Andreia - capaz da conquista - vão caminhando do desconforto para a libertação à medida que as cenas progridem.
Percebe-se a intervenção da escrita - da ficcionalização, portanto, num filme que é híbrido sem querer que isso se torne mote de discussão - nos eventos que movem uma suficiência narrativa.
Como se percebe a espera até que essa escrita desemboque em naturalidade na voz daquelas duas mulheres, capazes de partilhar diálogos estarrecedores.
Como aquele que nasce do confronto com a desprotecção das crianças. A atitude das protagonistas e o cuidado que a realizadora lhes dedicou torna a confissão que se segue em algo transformador. Capaz de fazer do público solidário em vez de julgador.
Mais notável é a maneira como a realidade passa isto também à equipa que faz o filme. Um súbito tiroteio assusta a equipa de filmagem.
Esse processo intervém na feitura do filme e, por isso, permanece na montagem. Depois dele o filme só mostra a naturalidade sem voltar a recorrer à construção.
Um momento de comunhão do medo que fez algo mais pela forma como todas as mulheres intervenientes passaram a ver o destino do filme, mesmo se antes já existisse longo trabalho de partilha para que a realizadora tornasse aquelas mulheres nas suas actrizes.
O filme prepara o seu remate. Menos acontecimentos e apenas o decorrer da vida, sem estrutura nem tempo marcado.
Todo o filme evita correr para desenlaces mas após o tiroteio o sentido das cenas desabrocha à medida que estas acontecem.
O filme eleva-se à medida que fecha com Andreia a dar forma às paredes da sua nova casa. O trabalho de construção a acontecer exclusivamente pela mão dela.
Os tijolos erguidos pela metade no momento em que ela acende um cigarro e olha o horizonte. Um pouco de profundidade de campo pela primeira vez no filme.
Cá em baixo a resposta do olhar de Leidiane, subida a um telhado onde anseia pela companhia perdida e, quem sabe, por igualar o destino da amiga.
As imagens finais são os símbolos de como as mulheres construíram os seus desígnios de actrizes e realizadora a pulso e contra muitos obstáculos, num percurso que não podem dar como concluído.
Por mais que haja ficção a mostrar-se, é inevitável que o filme continue a ser um documentário quando a sua forma final expressa tanto da sua feitura.




An Elephant Sitting Still, por Carlos Antunes



Título original: Da xiang xi di er zuo
Realização: Hu Bo
Argumento: -
Elenco: Yu ZhangYuchang PengUvin Wang


Quatro horas é duração de épico (e é já a segunda vez que as obras que chegam ao IndieLisboa da China me obrigam a começar um texto desta forma).
Épico é o que An Elephant Sitting Still é, mesmo avançando por uma intimidade permanente com os seus personagens.
Quatro personagens que vão percorrendo a espiral da vida de uma cidade no Norte da China num movimento que os encaminha para o confronto e que se prepara para os prender em conjunto.
A cidade, que se conhece espreitando por cima do ombro dos personagens, é um cenário industrial que perdeu a pouca atracção que alguma vez terá tido.
Não se trata de uma redoma, é uma ruína encerrando-se sobre si mesma, onde até o liceu está prestes a fechar.
Um cenário que se infiltra na imagem só o suficiente para conectar as histórias. Permanece um pouco fora de foco e com uma presença parcial que se cola aos personagens.
Percebemo-la árida e de uma pequenez aflitiva. O sentimento de desistência a passar-se, irremediável, aos personagens.
A cidade como retrato da China contemporânea a meio caminho entre o antigo e o novo modelo económico. Uma China a deixar muitos para trás.
Esse é um retrato complementar, importante no seu somatório para situar as particularidades da história, só que com a suficiente fragmentação visual para transmitir universalidade.
O tempo é para os personagens, quase sempre filmados em planos apertados e durante longos travellings.
Tempo que eles gastam em deambulação. Só parte dela é em jeito de fuga à violência que se vai acumulando ao longo daquele dia único que o filme está a acompanhar.
O restante da deambulação parece ser uma necessidade subconsciente de procurar um ponto aonde chegar mesmo que todos os personagens saibam bem que naquela cidade não há alternativa de acolhimento.
Daí que todos os personagens se comecem a render a uma história que eles vão empolando até à mitificação, único abrigo que têm.
Mesmo esse mito para o qual correm é um caso do fantástico criado pelo abatimento. Um elefante que no Jardim Zoológico se limita a permanecer sentado.
Recusando reconhecer a presença dos que o visitam e deixando a vida deslizar para o desaparecimento.
Os personagens talvez procurem na natureza dos outros animais uma confirmação de que as suas existências não são absurdas.
Afinal eles são todos pessoas desencantadas, cumprindo - em total relutância - com um conjunto de obrigações. Sociais apenas no sentido em que são devidas a outros.
Defesas de honra alheia que descambam em violência. Vinganças mortais a pedido da família. Relações amorosas para provocação da raiva maternal.
Os personagens auxiliam a cidade na condenação à clausura da desolação emocional. Daí o seu escape em direcção a um lugar que, quando o filme termina, parece ser impossível de alcançar.
Nenhum deles pode escapar à percepção de que o mundo é todo ele como a cidade de onde partiram. Ou à rota de colisão em que as escolhas de cada um os colocou.
Resta encontrar um local e tirar proveito da mais simples e inútil das tarefas. Um pequeno jogo que permita afastar a consciência de que a vida é desgraça em permanência.
O filme não é um caso de extensão do abatimento. O tempo que é dado passar com os personagens permite conhecê-los de forma a ganhar-lhes ternura.
A construção da intimidade entre personagens e público traz a capacidade para compreender e, até, a permissão para julgar os seus passos.
O tempo que lhes é oferecido pelo filme torna-os reais, não materializações de ideias ou tracejados de uma narrativa a encaminhar-se para o desenlace.
Há investimento neles, um compromisso, que permite a estranheza de algumas emoções fora de tom perante a fuga que é desistência que é tristeza acumulada.
Só se hesita perante An Elephant Sitting Still nalguns momentos em que a montagem parece repetir-se, não economizando os pontos de vista de uma mesma situação como faz a maior parte do empo.
São momentos em que há um jogo de antecipação do inevitável destino, em que Hu Bo parece ter desafiado as suas regras de percursos delineados com precisão.
Não macula o filme, um trabalho de construção meticulosa e ponderada da primeira imagem até ao último som.
Num épico é possível encontrar uma pequena hesitação na estrutura grandiosa. Uma imperfeição para sublinhar a grandeza do que se viu.
Ou algo em que ficar a pensar em vez de tentar perceber como esta obra única de Hu Bo reflectiama sua própria visão do mundo.